sábado, 10 de setembro de 2011

"Nós também somos do mato como o pato e o leão" Gilberto Gil

Eu, adicto leigo, em recuperação, tenho que lidar com leigos em muitas matérias. Conviver com gente que possui um bom nível de conhecimento mas que não expande seus horizontes e dotes intelectuais e acabam agrilhoadas pelo conhecimento específico. São especialistas em uma ou outra coisa e que nunca buscam crescer intelectualmente, fugindo das barreiras auto-impostas pela própria especialização. 

Tornam-se excelentes em um dado tema e quase alienado em outros tantos. Recordo um certo companheiro de pesquisas, que dizia serem estes especialistas, parecido com um perú que não ultrapassa os limites do circulo que ele próprio traçou,  que eles circunscreviam-se aos limites da próprias especialidades e que era "jogar conversa fora" ou "deitar pérolas aos porcos" tentar estabelecer uma conversação que não versasse sobre aquilo que seu interlocutor dominasse bem. Não penso de modo radical.  Sou um aprendiz disposto a viver aprendendo.

Alonguei um pouco para falar de mim, que, desta vez me coloquei na condição de "interno" em casa de meus pais, onde vivo confinado. Poucas pessoas irão se preocupar comigo, com o fato de ter abandonado, de vez, o uso de diversas drogas, vencendo os estimados 41 dias em que o pico da abstinência entra em grau máximo. Digo isso pois ouvi terapeutas falando sobre crises de abstinência. 

Geralmente especialistas no ramo só se preocupam com a abstinência e esquecem que o confinamento, também gera problemas. Estou pensando em abrir um pouco o que eu sinto em relação ao confinamento. Refiro-me a um confinamento tipo prisão domiciliar, tendo como companheiros pai e mãe longevos.

Nos bons tempos em que os dias de domingo, era dia de vestir a domingueira, ir à missa rezada em latim, ir ao circo, ou cinema, ou fazer visita a parentes e amigos e, no caso de conhecidos hospitalizados, era o dia ideal para visitações. Levava-se maçãs, uvas e revista como forma de agradar, de demonstrar carinho e solidariedade. 

Hoje vivemos em um mundo muito modificado, que pende para o individualismo e as pessoas passam a ignorarem-se mutuamente. Cultiva-se amizades que podem oferecer lucro distorcendo-se o verdadeiro valor de uma amizade. Então, os confinados são pessoas quase finadas que mais parecem mortos vivos. Não há sequer, afeição de filhos com os próprios pais, e os inválidos são abandonados.

Neste quadro desolador, onde estarão estes seres que um dia tiveram tudo, com direito a educação e instrução? 

Vivem no mundo do "se-liga-me-ligasse-eu-ligava-lida-mas-lida-não-me-liga-eu-não-ligo-lida". Tenha dó!

O sentido e valor das relações humanas perde-se numa irresponsável responsabilidade difusa. Como ficou fraternal e solidário este vasto mundo!! 

Internos, enquanto distantes, não são um estorvo. Próximos se tornam algo muito parecido. Um vez na vida vai aparecer um santo para retira-los do casulo e levar os pais para um rápido passeio, pelas proximidades. Isto se a lei de Murici permitir, ou a lei de Gerson ordenar.

Internos pobres devem sofrer em dobro, mas, muitas vezes estão acostumados a tantos sofrimentos, que não sentem mais o que é um ser infeliz, dependente, carente... todo mundo tem uma explicação racional para justificar o abandono de entes queridos, só não conseguem driblar pessoas que ainda pensam. Podem esquecer parentes, mas não podem deixar de ir a certos encontros, a determinados lugares, ver certas pessoas, porque existe nessas relações um jogo de interesses e conveniências pessoais. Entra domingo e sai domingo e nem um telefonema dão aos pobres velhinhos, que nada mais são do que pais em fase de extinção.   

Mas eu deveria falar de mim, do que sinto em meu confinamento. Sinto-me em uma quase total solidão que é atenuada pelo computador, pela TV e o barulho que vem da rua.  Já disse que me submeti a um regime de clausura que gera, dentre outras coisas a ansiedade de me sair vencedor, o estresse de variadas pressões emocionais. Vivo o que mal compreendo e que denominam de síndrome do confinamento. Estou em uma prisão voluntária, bem tratado, sem ser castigado pelo frio, sem tratamento desrespeitoso, sem presenciar injustiças e casos de torturas. Sei que sairei vencedor de mim mesmo. Há momentos em que bate a depressão. Estou competindo comigo mesmo, mas não consigo abstrair a vida que existe lá fora. Preciso saber mais dessa síndrome do confinamento.

Saber que familiares se divertem, passeiam, festejam aniversário de pulgas e que nem eu, nem meus pais recebem telefonemas. Que sequer temos quem abraçar e dizer algo novo. Não sei como seria a vida de meus pais se eu não estivesse com eles. Sei que eles dariam um jeito. Tem um irmão que vem toda noite e, de certa maneira, quebra a monotonia. Tem momentos em que o confinamento pode gerar a perda do controle emocional. Associo esta ideia ao "algo" que me deixou aborrecido e que não se evidenciava. Imaginei fosse o luto, mas é uma coisa moderna que denominam de síndrome do confinamento. Sinto impaciência e também percebo intolerância sem ter em quem descarregar. Só para contrariar tudo, minha filha que é muito lindinha me telefonou dizendo que vem me ver. Vou aproveitar e descer e circular pelo condomínio

Vem um desejo perigoso de querer sair, de respirar a brisa do mar, de andar contra o vento, de sentir o cabelo despenteando, de pisar as calçadas, de ver gente em movimento, de ver gente reunida, de sentar em uma praça, ou em outro lugar que me dê algum conforto. Será que os terapeutas observam esta síndrome nas clínicas verdadeiras de recuperação? Sei que se preocupam com a síndrome de abstinência, mas a do confinamento parece ter inicio a partir do terceiro mês e e tenho quase quatro meses e alguns dias, creio. Vou calcular mais tarde.

Não posso esperar nada de ninguém. Apenas observo como o mundo se modificou e como as relações humanas de parentesco e de amizade também mudaram. Tudo ficou tão capitalista, até os sentimentos! Talvez a culpa disso tudo seja esta coisa chamada síndrome do confinamento.

Liberdade, abra as asas sobre nós!

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