quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Do Livro "VIVER SÓBRIO"

COMBATER A SOLIDÃO 


O alcoolismo já foi descrito como “a doença da solidão”, e bem poucos alcoólicos recupera esta definição. Revendo os últimos anos ou meses de bebedeira, literalmente centenas de milhares de nós lembramos de que nos sentíamos isolados, mesmo quando entre pessoas alegres numa comemoração. Experimentávamos uma profunda sensação de isolamento, mesmo aparentando alegria e sociabilidade. 

Muitos já dissemos que bebíamos, a princípio, para ser “parte da multidão”. Muitos sentíamos necessidade de beber para “pertencer” (e para sentir que nos ajustávamos) ao resto da raça humana. 

É um fato observável, naturalmente, que o nosso principal uso do álcool foi egocêntrico, isto é, nós o ingeríamos por causa da sensação que nos proporcionava interiormente. Às vezes, aquele efeito, momentaneamente, ajudava a nos sentirmos bem e em sociedade ou amenizava a nossa solidão. 

Mas, assim que passava o efeito do álcool, éramos deixados mais à margem, mais “de fora”, estávamos mais “diferentes” do que nunca – e mais tristes. 

Se nos sentíamos culpados ou envergonhados de nossa embriaguez ou de alguma coisa que fizéramos embriagados, isso nos dava a sensação de um proscrito. Às vezes, secretamente, temíamos (ou acreditávamos) merecer o ostracismo pelo que havíamos feito. “Talvez” – muitos de nós pensávamos – “ seja mesmo um estranho”. 

(É possível que essa sensação lhe seja familiar, quando você se recorda de sua última terrível ressaca ou daquela tremenda bebedeira.) 

A estrada da solidão, à frente, parecia, desolada, escura e interminável. Era doloroso falar sobre ela. E, para evitar pensar nela, logo bebíamos de novo. 

Embora alguns fôssemos ébrios solitários, mal podemos dizer que nos faltou companhia naquela época. As pessoas nos rodeavam. Nós as víamos, ouvíamos e tocávamos. Contudo, a maior parte de nossos importantes diálogos eram completamente interiores, mantidos conosco mesmos. Tínhamos certeza de que ninguém mais nos entendia. Além disso, considerando a própria opinião a nosso respeito, não estávamos certos que queríamos que alguém nos compreendesse. 

Não admira então, que ficávamos aturdidos quando, pela primeira vez, ouvimos alcoólicos recuperados no A.A. falarem livre e honestamente sobre si. Suas histórias, seus próprios temores secretos e a sua solidão atingiram-nos como um raio. 

Descobrimos – porém mal podemos acreditar direito no começo – que não estamos sós. Não somos totalmente diferentes de todo mundo, afinal. 



A frágil concha do egocentrismo protetor e amedrontado em que nos encerráramos por tanto tempo é aberta pela força da honestidade de outros alcoólicos recuperados. Sentimos, quase antes de poder exprimi-lo, que fazemos parte de algum lugar, e a solidão começa rapidamente a desaparecer. 

Alívio é uma palavra muito pobre para definir nossa sensação inicial. Há um misto de assombro, também, e uma espécie de quase-terror. Será real? Será que isto vai durar? 

Aqueles de nós, sóbrios no A.A. há alguns anos, podemos assegurar a qualquer novato que é real, real ao extremo. E dura de fato. Já não é mais uma saída em falso, daquelas que a maioria de nós experimentou tão freqüentemente. Não é mais apenas uma explosão de alegria, seguida, logo após, de dolorosa decepção. 

Ao contrário, enquanto o número de pessoas sóbrias no A.A., desde décadas até hoje, cresce a cada ano, vemos diante dos olhos cada vez mais provas de que podemos ter uma recuperação genuína e duradoura da solidão provocada pelo álcool. 

Mesmo assim, superar hábitos de suspeita e outros mecanismos de defesa profundamente enraizados através de anos dificilmente pode ser um processo imediato. Tornamo-nos inteiramente condicionados a nos sentir e agir como mal compreendidos e desamados, quer realmente sejamos ou não. Estamos habituados a proceder como solitários. De modo que, logo depois de parar de beber, poderemos precisar de tempo e de um pouco de prática para romper nossa costumeira solidão. Mesmo que comecemos a acreditar que não estamos mais sozinhos, às vezes agimos e sentimos como se ainda estivéssemos. 

Somos inexperientes na busca de amizade e mesmo na aceitação da que nos é oferecida. Não estamos seguros de como faze-lo ou se dará certo. E aquela superpesada carga acumulada em anos de medo ainda pode alongar-se sobre nós. Portanto, quando começamos a nos sentir um pouco solitários – quer estejamos materialmente sozinhos ou não -, os velhos hábitos e o bálsamo da bebida podem facilmente seduzir-nos. 

De vez em quando, alguns de nós somos tentados até a desistir e retornar à velha desgraça. Pelo menos ela nos é familiar, e não teríamos de lutar para readquirir a competência que conseguimos na nossa vida de bebida. 

Falando um pouco de A.A. sobre si mesmo, um companheiro, certa vez, disse que sua vida de bêbado – da adolescência aos quarenta – ocupara integralmente seu tempo. Não conheceu, assim, as coisas que a maioria dos homens geralmente aprende enquanto se torna adulto. 

De modo que, disse ele, ali estava, na casa dos quarenta, sóbrio. Sabia beber e discutir, porém, jamais tinha aprendido uma habilidade vocacional ou profissional e era totalmente ignorante do convívio social. “Foi horroroso”, declarou. “Eu não sabia nem marcar um encontro com uma garota nem o que fazer numa situação dessas! Verifiquei que não existem aulas sobre como marcar um encontro para solteiros de 40 anos que nunca aprenderam”. 

O riso na sala de reunião de A.A., naquela noite, foi verdadeiramente franco e afetuoso. E, assim, muitos se identificaram: tinham passado pelo mesmo. 

Quando sentimos tal embaraço, deslocados aos 40 (ou mesmo aos 20, hoje em dia), podíamos pensar que éramos patéticos, até grotescos, não fossem as inúmeras salas cheias de compreensivos membros de A.A. que conheceram aquele mesmo tipo de medo e podem ajudar-nos a sentir o humor da coisa. Desse modo, podemos sorrir, enquanto tentamos outra vez até acertar. Não precisamos mais desistir por uma vergonha velada. Não precisamos repetir nossas e desesperadas tentativas de encontrar segurança social na garrafa e, ao contrário, só encontrar solidão. 

Isso é apenas um exemplo extremo da espécie de sentimento avassalador que se apodera de alguns de nós ao velejar para a sobriedade. Ilustra como podíamos ficar perigosamente perdidos se o tentássemos sozinhos. Haveria uma chance, em milhões, de podermos realizar a jornada. 

Agora, porém, sabemos que não precisamos prosseguir só com nossos recursos. É muito mais sensato mais seguro e mais garantido faze-lo na alegre companhia de uma esquadra que segue na mesma direção. E nenhum de nós precisa envergonhar-se de pedir ajuda, uma vez que todos nos ajudamos. 

Não é mais covardia recorrer a um apoio para recuperar-se de um problema de bebida do que usar muleta quando se tem uma perna quebrada. Uma muleta é uma coisa linda para quem precisa dela e para todos os que podem reconhecer sua utilidade. 

Será que existe, realmente, algo de heróico numa pessoa cega, que tropeça e tateia só porque se recusa a servir-se de uma assistência facilmente obtida? Arriscar-se imprudentemente – mesmo quando não há nenhuma necessidade – às vezes provoca elogios desnecessários. Mas o mútuo auxílio, que sempre dá mais certo, devia ser muito mais prezado e admirado. 



Nossa própria experiência de permanecermos sóbrios reflete sobejamente o bom senso de utilizarmos toda e qualquer ajuda para recuperarmo-nos de um problema de bebida. A despeito de nossa grande necessidade e desejo, nenhum de nós se recuperou do alcoolismo sozinho. Se o tivéssemos feito, é claro, não teríamos precisado procurar o A.A. ou um psiquiatra ou qualquer pessoa que nos prestasse socorro. 

Como ninguém pode viver totalmente sozinho, pois todos nós dependemos em certa medida, de outros seres humanos pelo menos quanto a utilidades e serviços, verificamos que é de bom senso aceitar esta realidade especial e agir dentro dela na importantíssima aventura de superar nosso alcoolismo ativo. 

Pensamentos de bebida parecem penetrar sorrateiramente em nossas mentes, de modo muito mais fácil, quando estamos sozinhos. E, quando nos sentimos solitários e a vontade de beber nos atinge, ela parece chegar com uma força e uma premência especiais. 

Tais pensamentos e desejos ocorrem com muito menor probabilidade quando estamos com outras pessoas, especialmente aquelas que não bebem. E se acontece de assaltar-nos, são logo rechaçados quando estamos no convívio de membros do A.A. 

Não estamos nos esquecendo de que quase todo mundo necessita de algum tempo para si próprio, a fim de pôr as idéias em ordem, reorganizar-se, fazer algo, resolver um assunto especial ou apenas para recuperar-se da tensão do dia. Mas verificamos que é perigoso tornar-se indulgente demais a esse respeito, especialmente quando nosso temperamento se torna um pouquinho acabrunhado e propenso à autopiedade. Qualquer companhia é melhor do que um isolamento amargo. 

Naturalmente, mesmo numa reunião de A.A. é possível que se queira beber, do mesmo modo que a gente pode sentir-se solitário no meio da multidão. Mas as probabilidades contra um aperitivo são muito melhores na companhia de outros membros de A.A. do que na solidão de nosso quarto ou num canto escondido de um bar tranqüilo e deserto. 

Quando só temos a nós mesmos para conversar, o papo transforma-se numa espécie de círculo. Exclui cada vez mais o tipo de estímulo sensato que outras pessoas podem oferecer. 

Tentar dissuadir-se de tomar um aperitivo é como tentar a auto-hipnose. Muitas vezes é tão eficaz como convencer uma égua prenhe a não dar cria quando chega o tempo. 

Por esses motivos, portanto, quando sugerimos evitar o cansaço e a fome, geralmente mencionamos um perigo a mais para formar uma trinca: “evite ficar muito cansado, com muita fome ou solitário demais”. 

Confira! 

Se a idéia de beber passar por sua mente dentro de pouco tempo, pare para pensar. Muito provavelmente você se encontra num destes estados arriscados. 

Fale com alguém, depressa. Isso pelo menos, ajuda a aliviar a solidão.

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