quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Partilha, VOLTANDO PRA CASA


Dois dias antes do feriado de Ação de Graças, fui finalmente libertado da penitenciaria estadual, onde cumpri pena por dez anos. Dizem que o conhecimento humano dobra a cada cinco anos. Uau, preciso me atualizar muito. De qualquer forma, é bom cruzar o portão em direção à liberdade. 

Frequentei  reuniões  de  NA  na  instituição,  e  acreditei  estar  preparado  para  meu retorno ao mundo. Tinha combinado com alguém, que eu conhecia das reuniões, para me apanhar no portão e me levar para a minha primeira reunião, e depois para a casa de passagem. Tinha esperança de que pudesse me apadrinhar também, porque meu padrinho ainda estava preso. 

Saí cedo, às 7:15 da manhã, e descobri que a minha carona não estava lá. Imediatamente, o pânico se instalou! Tinha um cheque de baixo valor, que precisava sacar.  

Esperei, mas ninguém apareceu. Decidi caminhar até o centro, que ficava perto dali. Começaram a passar pela minha cabeça os dizeres daquele pequeno folheto, sobre as coisas mais importantes a fazer (IP nº 23, Manter-se limpo na rua): “Não use, aconteça o que acontecer”. Comecei por aí. “Vá a uma reunião de NA.” Saí em busca de uma. “Peça ao seu Poder Superior que o mantenha limpo hoje.” Fui fazendo contato consciente com meu Poder Superior, à medida que caminhava. 

Logo,  encontrei  um  caixa,  mostrei  minha  identidade  provisória,  paguei  a  taxa  e saquei o dinheiro. Lembrei o que dizia no folheto: “Ligue para seu padrinho”. Tentei ligar para o cara que ia me dar carona. Não atendeu. Meu pânico transformou-se em medo, porque tinha diante de mim a pior parte da jornada daquele dia, tendo que atravessar uma zona de prostituição. 

Consegui suportar dez anos de prisão; talvez merecesse um pancadão. Isso não me impediria de continuar trabalhando o programa, certo? Estava me aproximando da  zona  de  risco.  Teria  que  seguir  em  frente,  ou  entrar  nela.  Pensei  novamente  no folheto: “Converse com outros adictos”. “Leia a literatura de NA.” “Trabalhe os Doze Passos de Narcóticos Anônimos.” Porém, eu tinha que recuperar todo aquele tempo. 
Comecei a ter pensamentos doentios, perturbadores. Depois comecei a pensar em outras coisas que havia escutado nas reuniões. “Uma é demais, e mil não bastam.” 

Comecei a experimentar todas as ferramentas da caixa. Lá estava eu, literalmente em uma encruzilhada. Sentei-me na parada do ônibus. O que fazer? Atravessar a rua e comprar um pouco, ou continuar caminhando até uma reunião?

Escutei uma buzina de carro, olhei e vi dois camaradas no banco da frente. O carona estava pendurado para fora da janela, acenando freneticamente para mim. Era o meu amigo, que deveria ter me apanhado na saída do presídio. O carro parou e ele saiu, pegou minhas coisas, apertou minha mão e se desculpou enquanto me empurrava para dentro, no banco de trás. Seu carro tinha enguiçado e ele não conseguiu consertar a tempo, por isso ligou para o seu padrinho e explicou o que estava acontecendo. O padrinho o levou até o meu encontro. Meu novo amigo percebeu como eu estava chocado com sua demora. Rapidamente,  estávamos  todos  na  minha  primeira  reunião  no  mundo  livre,  e  de forma igualmente veloz já tinha arranjado um padrinho. Ele foi conversando durante todo o trajeto até o grupo, e ficamos os dois radiantes porque acabou dando tudo certo. Ele me perguntou sobre a casa de passagem, e se eu pretendia fazer um jantar de Ação de Graças. Respondi “Sim, e muito bom!”

“Companheiro”, Oregon, EUA


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