quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Espelho e primavera

O seu mais leve olhar
vai me fazer, facilmente
desabrochar apesar de eu
ter me fechado
como um punho cerrado
você me abre
sempre
pétala por pétala
como a primavera
abre
(tocando de leve
misteriosamente)
sua primeira rosa.
e.e. cummings

Como no mundo real podemos nos tocar por meio de palavras. Elas podem ser sentidas. É como se estivéssemos separados por um espelho, em cuja imagem refletida já não me vejo, porque eu me permito mergulhar no mundo do próximo. Não é uma invasão de privacidade, mas de mundos opostos. Os cenários mudam, ganham e perdem cores de acordo com as palavras ditas e sentidas. Tenho mente aberta, boa vontade e honestidade e sou sereno. Quando escrevo busco ser alegre e feliz, e, hoje, retiro do meu céu interior, aquelas nuvens cinzentas que anunciavam uma tempestade. 

Embora a tecnologia me ofereça recursos, como poder ver e falar com quem está do outro lado do espelho, prefiro tocar e ser tocado com palavras e fazer uso dos meus sentidos como se eu fosse um deficiente qualquer, não importa. Já me passou pela cabeça valer-me da personagem emprestada pelo Fantasma da Ópera para contar minha história de vida, sem maquilagem. Sinto-me, muitas vezes como um ser que busca se esconder nos subterrâneos do nosso imenso teatro chamado vida. Posso tudo e não posso nada. Tenho a ilusão e os sonhos que me acalentam e me levam a voar para o que eu denominaria como as Terras do Nunca, do mundo mágico e fantasioso de um Peter Pan. Posso ver Cinderelas anônimas, compondo seus rostos e vestes como quem compõe uma sinfonia que só terá um único espectador na platéia. Posso ver através do espelho pessoas bonitas, que repartem seus mundos particulares e ao mesmo tempo buscam, como alquimistas, algo de pedra filosofal, quem sabe o bálsamo da paz, do renascimento, do recomeçar tudo do zero, outra vez, redimensionando tudo, pesando, medindo, adequando e ensinando como é bom viver sóbrio e distribuir sobriedade pelo encantado mundo dos espelhos, que nos coloca no plano virtual, que é tão real quanto o Deus das nossas concepções. Podemos tocar e sermos tocados, podemos ouvir e até perfumarmos as palavras com o odor suave dos lírios, ou das rosas, orquídeas... 

Buscamos algo que se perdeu e que ainda existe em nossas imaginações. Muitas vezes, na cristaleira dos nossos corações, deixamos que destruíssem finos cristais que guardávamos carinhosamente, como quem guarda jóias raras dentro de um cofre, mas nosso cofre é o coração que não cansa em restaurar cacos do que jamais será o que já foi um dia. A dor também nos ensina e quando a dor é imensa e intensa buscamos lança-la para fora, como quem busca ver o invisível, mas é bom e funciona se tivermos, pelo menos, alguém que também nos veja dentro do próprio espelho, que tenha nossos mesmos sentidos e a nossa exposição resulta noutras palavras de retorno que iremos colher com nossos ouvidos. O mal, já lançamos fora, como quem retira espinhos da alma e é confortante sermos tocados e abençoados por palavras que curam nossas chagas, Um dia, talvez, um dia, teremos nossas purezas       d´alma e inocências de volta ao reino da alegria, da felicidade, do bem estar, e da leveza que recebo através dos espelhos do meu mundo particular. Conforta-me o "penso, logo existo", como conforta-me saber que há gente bela no mundo e que nada está perdido porque somos incapazes de perder a esperança e só quem sente e vive sabe dar valor aos sentimentos, meus, seus e todos os sentimentos do mundo. Chegamos à primavera e só posso tocar as flores do meu jardim encantado com afagos de palavras, através do espelho. No espelho em que não me vejo, mas posso ver e sentir o mundo inteiro através dele. Uma primavera com mente aberta, boa vontade e honestidade, brotando como flores nos corações de quem vive. 

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