Hoje o título deste post corresponde a dois versos da composição "Roda Viva", de Chico Buarque, dos quais procurei retirar o caráter político, transferindo-os para um outro contexto, que diz respeito ao breve balanço que faço do meu uso de drogas e das consequências que tal uso significou em minha vida.
Comecei usando drogas lícitas: nicotina e álcool. Era muito careta e excelente estudante, sem, necessariamente, ser um CDF.
Um ano antes de me iniciar no uso da maconha, dois amigos discutiam a prova de vestibular que haviam feito e procuravam saber se acertaram as questões. Ainda não havia saído o gabarito da prova que examinavam, que era de matemática. Junto com eles fui resolvendo as questões e dando a eles minhas respostas. Eles marcavam minhas respostas. Dia seguinte um deles me falou que havia acertado tudo e fechado a prova.
Pois bem, em um ano de uso, minha capacidade de concentração e memória estavam desgastadas...
Véspera de prova usei. No dia da primeira prova, minha performance caiu assustadoramente. O resultado não poderia ser outro, perdi o vestibular.
No curso de um ano deixei de ser um aluno atento, pois assistia aulas, depois da "cabeça feita" pois sempre tinha que dar uma "bola". Aquela máxima de Bezerra da Silva não existia: "vou apertar, mas não vou acender agora. Se segura malandro, pra fazer a cabeça tem hora". Era época do "falou tá falado, não tem discussão. Imperava o absolutismo ditatorial, as botas e seus generais. Ditadura e torturas nunca mais.
Passado dois anos, arrumei uma namorada, por quem fui apaixonado. Fizemos vestibular, ela passou em Medicina e eu perdi. Curioso é que eu havia obtido, de uma certa pessoa, todas as provas que seriam realizadas, com as respectivas respostas.
Ainda dizem que inexiste fraude, imagine só!
Mas consegui o inacreditável, no dia da prova me deu um branco e tudo que havia decorado foi para o brejo. Ela ficou triste comigo, pois eu havia fornecido cópia das provas para ela, que era muito boa em todos os sentidos. "Mas logo você, que tinha tudo e nos deu, acabou esquecendo?". Para passar ela não precisava de nada, pois era muito inteligente e competente. Era, não, ela é!
Preocupada comigo, disse que passaria a me dar aulas. Eu gostava das aulas dela porque uníamos o útil ao agradável. Era tão bom estudar com ela. Era muito didática!
Fiz o vestibular de meio de ano, que era mero teste. Passei com ótima colocação. Era ótimo sinal de que passaria no final do ano. Contudo, resolvi me matricular no curso, em que fui aprovado, e fui largando de lado os estudos.
Tornei-me auto confiante e recomecei a intensificar o uso da "ganja". Depois fui me distanciando dela, a quem sou eternamente agradecido, por tudo. Terminei com ela. Creio que errei, mas aconteceu e não posso lamentar o que passou.
Usava bebidas alcoólicas também. A maconha amplificava meus sentidos, mas me retirava outras coisas, como a capacidade de concentração e redução da memória. Então perdi muito e, devido ao uso, abandonei o curso e já não queria mais estudar.
Depois, cansei de usar e cessei o uso. Recuperei-me e fiz um excelente vestibular para o curso de Direito, numa concorrência bastante elevada e qualificada. Concluídas as provas eu sabia, antecipadamente, que havia passado e passei. Depois de dois anos, abandonei o curso, por outras razões.
Mas o uso não me prejudicou apenas no campo dos estudos. Perdi amigos, ganhei o estigma, portas se fecharam e, mesmo liberto do uso, era vitimado pelo preconceito e discriminação. As perdas foram grandes. Porém, depois que as pessoas foram verificando que eu era um outro cara, muita coisa foi mudando, mas nas cabecinhas daquela gente desinformada, eu era um bicho papão. Aliás, o cérebro dessas figurinhas, miúdas e desinformadas, é tão limitado! Não custou para reconquistar muita gente e delas receber apoio e solidariedade. A confiança foi restabelecida. Mas o estigma permaneceu. Ressalto que, quanto mais inteligentes são as pessoas, mais solidárias, solicitas e prestativas elas se revelam.
Saliento que, na época em que usei maconha, era comum usar outras drogas (pesadas), que não me convém citar, nem ficar recordando. Em meu balanço tudo contribuiu para diversas perdas. Estou convencido de que o melhor remédio seria apagar tudo que me fizesse lembrar que um dia usei drogas da memória, mas isto é impossível, por isso reedito o solo das minhas recordações mais amargas.
Hoje o drama se repete. Cessei o uso, mas o usuário de drogas carrega consigo o descrédito, a desconfiança e tantas coisas mais e más, no meio social em que convive e habita. Um ex-usuário tem que percorrer a "Estrada de Damasco"...
Em minha avaliação, fica evidente que o chavão "USAR É PERDER" é correto. Perdi muitas coisas, principalmente oportunidades.
Desaconselho quem quer que seja a usar, seja qual for o motivo. Não vale à pena experimentar, no meu entendimento. Hoje procuro viver um dia de cada vez.
Para finalizar, no retorno da sobriedade (o barco) é que percebi o quanto deixei de cumprir. Quantas coisas boas deixei de edificar e construir, deixando pelo caminho marcas de decepção. Peço desculpas!
Hoje, mesmo adoentado, de corpo mole, achei que não devia ficar sem escrever só pra não ficar ausente!
O barco voltou e me resta fazer cumprir o que deixei de lado. Interessante é que me vejo de outra maneira. Mas o mundo circundante me olha com os mesmos olhos, com as mesmas velhas opiniões...
Sinto o antigo desconforto do descrédito a me acompanhar, mas a vida é como ela é e só posso modificar a mim mesmo. "Falem bem, ou mal, mas falem de mim"!
SPH
Olá companheiro, com vai? Vi seu comentário em meu blog e confesso que fiquei realmente surpreso com o que li, nunca imaginei que soubesse escrever bem como você acha, e isso me deu uma injeção de ânimo enorme. Obrigado pelo elogio e por prestigiar meu trabalho, sua opinião fez grande diferença para mim, me sinto muito motivado a continuar escrevendo. Li o seu artigo e ai então pude entender por que do seu comentário analítico, você escreve de forma perfeita e tem muito conteúdo, por isso acredito você sabe reconhecer um bom trabalho quando vê um. Estamos juntos, e mais uma vez obrigado. A história continua, então continue voltando! Um grande abraço e até mais! ! !
ResponderExcluirOLÁ!
ResponderExcluirHeleno, a franqueza é uma marca minha e suas qualidades como escritor está à mostra. Continue !
Grato pela gentileza de suas palavras.
Tamos Juntos!