segunda-feira, 5 de maio de 2014

VIDAS INTERROMPIDAS


De forma acidental ou por suicídio, mortas às mãos de terceiros ou vitimadas pelos próprios vícios, elas formam uma lista assustadora. O caso presente é, claro, o de Amy Winehouse (1983-2011), dona de uma voz ímpar e de uma invulgar capacidade de intérprete, responsável pelo relançamento de uma certa forma – a britânica – de abordar a música soul, estrela maior de um “movimento” que já envolvia Duffy e Adele e que hoje se estende a cantoras como Eliza Doolittle, Rumer ou Ellie. Muitas outras fizeram questão de prestar homenagem a Amy, em devido tempo e não post mortem, sugerindo que a respectiva presença e atitude lhes abrira muitas portas – casos de Lily Allen, Florence and The Machine, La Roux, Little Boots e até Lady Gaga.

Perante tais declarações de dívida e tais acenos de reconhecimento, ficará eternamente sem resposta a questão que se levanta de imediato: o que levou alguém que tinha a passadeira estendida, o público rendido e a equipa a funcionar a deixar-se resvalar para uma degradação vivida diante de todos? Nem vale a pena tentar moralizar: Miss Winehouse juntou-se ao clube dos nossos grandes desgostos.

Como aconteceu, mais de quatro décadas antes, com Janis Joplin (1943-1970), a primeira mulher a pertencer à amaldiçoada Seita dos 27, onde se juntam os músicos de enorme talento que não passaram dessa idade e deixaram carreiras de génio por confirmar. Do lado masculino, os distintos sócios são Brian Jones (dos Rolling Stones), Jimi Hendrix, Jim Morrison (dos Doors) e Kurt Cobain (dos Nirvana), todos nivelados pelo 27 fatal.

Amy repetiu grande parte dos ingredientes utilizados por Janis: amores infelizes, contrariedades empresariais e misturas estapafúrdias – e letais – de álcool e drogas pesadas.

Mas não estão sozinhas, se pensarmos nos destinos de Elis Regina (1945-1981), a maior cantora brasileira de sempre, também encontrada sem vida depois de uma longa sessão de consumos cruzados, da sua compatriota Cássia Eller (1962-2001), da grande Judy Garland (1922-1969), fulminada por mais uma noite nos braços dos barbitúricos, ou da eterna Billie Holiday (1915-1959), oficialmente morta por conta de uma cirrose e de insuficiências cardíacas mas reconhecidamente arrastada por um longo percurso de álcool e drogas. De tal forma que o seu último mês e meio de vida, na cama de um hospital, teve o testemunho ocular de um agente de polícia, uma vez que a cantora se encontrava judicialmente detida por posse de estupefacientes.  

Como é sabido, este arriscado envolvimento com os excessos não dispara apenas na profissão de cantora. O livro Hollywood Book of Death, um autêntico catálogo de mortes dos famosos da Sétima Arte, entregues em comum ao que parece ser o mórbido prazer do pesquisador sensacionalista James Robert Parrish, dedica todo um capítulo a esta relação de vertigem e cita expressamente os casos de Barbara La Marr (1896-1926), uma vedeta do mudo que não chegaria à idade do sonoro depois de se ter literalmente afogado em álcool e morfina, e de Gail Russell (1925-1961), a adiada vedeta que não concebia as invasões à privacidade que a fama trazia a tiracolo e que, por isso mesmo, bebeu até à morte.

Mais recente é o caso de Brittany Murphy (1977-2009), uma das namoradinhas dos anos mais chegados, que acabou por morrer depois de prolongados abusos. Já agora: mesmo os mais reticentes em considerar Anna Nicole Smith (1967-2007) uma actriz terão menos dificuldade em admitir que a causa do seu desaparecimento precoce, depois de tão agitada vida entre as páginas da Playboy e os braços de um ancião, marido e milionário que acabou por lhe deixar em herança tantos dissabores como dólares, não foi o cansaço simples do coração, mas sim o seu desgaste com múltiplas drogas.

A todos estes exemplos acresce o mais notório – o de Marilyn Monroe (1926-1962), que Parish prefere localizar num capítulo reservado às mortes obscuras, permitindo que a trama política que refere o envolvimento da actriz com os dois irmãos Kennedy, John e Bob, e que situa Frank Sinatra e Peter Lawford em casa da amiga no dia do óbito se sobreponha à simples consideração de uma sobrecarga acidental na medicação que tomava ou à hipótese de suicídio.


VIDAS INTERROMPIDAS

De resto, o autor deste exaustivo rol de relatos finais reserva o mesmo destino a Natalie Wood (1938-1981), lançando muitas dúvidas sobre a morte que acabou registada, em relatório policial, como afogamento acidental, sendo certo que a autópsia revelou uma considerável dose de álcool no sangue e que houve testemunhas que se referiram a prolongados gritos de socorro, não correspondidos de bordo do iate de onde terá caído e onde estavam Robert Wagner, o marido, e Christopher Walken, o actor com quem na ocasião estava a rodar um filme. Se tivesse estendido a sua rede, Parish poderia encaixar aqui – até pelo paralelo – a morte misteriosa da modelo Katoucha Niane (1960-2008), que vivia a bordo de um barco no rio Sena, em Paris.

Regressou a casa, depois de uma festa, e apareceu afogada 28 dias depois, tendo tido de pousar a carteira junto da porta da entrada. O veredicto foi morte por afogamento acidental, mas a família da africana nunca acreditou. O outro exemplo do livro para ilustrar as mortes misteriosas é mais difícil de perceber, uma vez que Jean Seberg (1938-1979) deixou uma carta de despedida dirigida ao filho, referindo estar certa de que ele haveria de compreendê-la. É difícil pensar noutro desfecho que não o suicídio. Que, aliás, não deixa de aparecer sempre que se evocam estas vidas interrompidas. Hollywood recorda os casos de Carole Landis (1919-1948), de Dorothy Dandridge (1922-1965) e de Pier Angeli (1932-1971), que alguns defendem nunca ter recuperado inteiramente do final abrupto, por imposição maternal, do romance com James Dean, e outros preferem ver como uma mulher depressiva depois de dois casamentos falhados e da decadência na carreira.

No mundo das Letras, o suicídio também guarda o seu lugar, sendo a história da poetisa norte-americana Sylvia Plath (1932-1963) um dos mais pungentes: Sylvia, deprimida durante anos, morreu com a cabeça enfiada no forno, depois de ter aberto o gás e de ter vedado cuidadosamente a cozinha de forma a que os seus dois filhos, que dormiam num quarto próximo, não corressem qualquer risco.
Igualmente dramático terá sido o final da fulgurante Romy Schneider (1938-1982), que não conseguiu sobreviver um ano à morte do filho adolescente, David Christopher, que literalmente sangrou até à morte, depois de ter rasgado a artéria femoral, quando caiu sobre uma vedação de arame. Romy refugiou-se no álcool, muito embora a sua certidão de óbito, obtida sob grande pressão dos amigos, entre os quais Alain Delon, refira uma paragem cardíaca.

Quando entram em campo as doenças, chega também uma variedade que arrepia: Maria Montez (1912-1951), uma das primeiras aristocratas latinas de Hollywood, e Dolores Duran (1930-1959), uma das primeiras vozes a cantar Jobim e Vinicius, terão sido pura e simplesmente vitimadas pelos respectivos corações, que pararam de bater. A divina Jean Harlow (1911-1937) tombou devido a uma falência renal. A cantora Karen Carpenter (1950-1983) é, ainda hoje, um paradigma para as mortes por anorexia nervosa. Já Tammi Terrell (1945-1970), uma cantora que prometia ser uma das grandes revelações da editora negra Motown e que teve em Marvin Gaye o seu maior parceiro de duetos, defrontou-se com um longo calvário de sofrimento, a partir do momento em que lhe foi detectado um tumor maligno no cérebro. Morreu dois anos depois de realizado esse diagnóstico, na sequência de um coma que sobreveio à oitava (!) operação a que se sujeitou.

O caso de Gia Carangi (1960-1986) é dos primeiros a quem foi abertamente diagnosticada a Sida, provavelmente adquirida na sequência de uma prolongada cedência ao vício da heroína. Chegou a ser uma das caras mais apetecidas pelo mundo da moda, mas a sua decadência acelerada levou-a a morrer praticamente sozinha, contando apenas com os cuidados da mãe e do pessoal do hospital onde esteve internada até à morte. A decadência física foi de tal forma violenta que a mãe de Gia proibiu todas as visitas. Angelina Jolie, outra protagonista de uma infância difícil, deu vida ao papel de Gia num telefilme.

Muito menos transparente é o sucedido com Florence Griffith Joyner (1959-1998), uma atleta e campeã olímpica norte-americana que ainda hoje detém os recordes mundiais das distâncias de velocidade pura, 100 e 200 metros. Ambas as marcas foram alcançadas em 1988, antes e durante os Jogos de Seul, numa fase em que se discutia se as visíveis mudanças da massa muscular de Flo Jo poderiam ter sido conseguidas sem o recurso a anabolizantes ou outras formas de doping. A verdade é que a pin-up das pistas de tartan, inicialmente conhecida pelas suas unhas longas e coloridas e pelos seus penteados exóticos, nunca viu um teste seu acusar a utilização de substâncias proibidas. Mas é um facto que, depois das épocas de glória, teve sempre grandes problemas de saúde e o seu aspecto exterior também se deteriorou rapidamente. A causa oficial da sua morte é um ataque epiléptico, sofrido durante o sono.

Menos controversas são as mortes por assassínio. Rebecca Schaeffer (1967-1989), por exemplo, nunca chegou a fazer os testes aprazados que poderiam levá-la ao elenco de O Padrinho III – foi morta a tiro por um fã obcecado, que a perseguia há três anos e que conseguiu a morada de casa da actriz através de um detective privado. Selena (1971-1995), rainha da pop hispânica nos Estados Unidos, foi morta a tiro pela antiga presidente de um dos seus clubes de fãs, entretanto chamada a trabalhar com a cantora e que tinha sido apanhada a desviar dinheiro das contas da artista.

Dominique Dunne (1959-1982) e Dorothy Stratten (1960-1980) morreram ambas às mãos dos namorados e na sequência de tentativas, deles, de recomeço das relações. Dominique, que se tornou conhecida como a primeira baixa na maldição que se abateu sobre os actores do filme Poltergeist, em que fez o papel de filha mais velha na família ameaçada, foi estrangulada à porta de casa. Dorothy, uma antiga playmate, foi abatida a tiro pelo antigo namorado, que se suicidou de seguida. Na memória colectiva fica guardada a sanguinária morte da actriz Sharon Tate (1943-1969). Grávida de mais de oito meses daquele que seria o seu primeiro filho com o realizador Roman Polanski, foi morta por uma seita demoníaca chefiada por Charles Manson, responsável por mais três cadáveres na mesma noite e na mesma casa. No caso de Sharon, foram 16 facadas, nada menos.

Os acidentes também surgem amiúde como causa destes desaparecimentos prematuros. As cantoras brasileiras Sylvia Telles (1934-1966) e Maysa Matarazzo (1936-1977) morreram em acidentes de viação, tal como aconteceu com a actriz francesa Françoise Dorléac (1942-1967), irmã de Catherine Deneuve, quando o carro que conduzia ardeu, não lhe dando hipótese de fugir. Ia a caminho do avião que a levaria a Londres para a estreia local de Les Demoiselles de Rochefort. Já Jayne Mansfield (1933-1967) entrou para a legião dos grandes mitos com base numa mentira.

Na sequência do choque, saltou-lhe da cabeça a peruca loura que usava sempre; tanto chegou para que se dissesse e repetisse que tinha morrido decapitada. Tanto a cantora Aaliyah (1979-2001) como a actriz Carole Lombard (1908-1942) disseram adeus à vida em desastres aéreos – a primeira tinha acabado de rodar um videoclip para uma das canções do seu último disco, a segunda vinha de uma campanha de apoio aos soldados norte-americanos na Segunda Guerra Mundial. Menos frequentes são os motivos que levaram ao desaparecimento de Linda Darnell (1923-1965) e de Natasha Richardson (1964-2009): a primeira faleceu num incêndio, algo que a atemorizara grande parte da vida, desde que fora obrigada a filmar num cenário aparentemente cercado pelo fogo, e a segunda, filha de Vanessa Redgrave e mulher de Liam Neeson, sucumbiu a um derrame cerebral causado por uma queda enquanto praticava esqui.

Em toda esta lista, impressiona a fragilidade da vida, mesmo a que instintivamente surge ligada ao talento, à beleza, à força, à sedução ou ao carisma. Mas, com toda esta extensa teia de nexos da causalidade, o quadro não estaria completo sem a referência a mais duas mulheres, também elas desaparecidas muito antes de chegarem aos 50 (idade aqui assumida como limite máximo para a inscrição neste quadro negro), também elas extintas antes daquela que se julgaria a sua hora. O primeiro nome é o da jovem Anne Frank (1929-1945), cujo diário se encarrega de a tornar uma lição para todos. O segundo é o de Diana Spencer (1961-1997), ou Lady Di, por quem o mundo chorou de forma copiosa e que – com justiça ou sem ela – ainda hoje é carinhosamente recordada como a Princesa do Povo. Se a outras se levantam dúvidas, quando à jovem inglesa ninguém coloca objecções quanto à sentença: foi uma vida interrompida demasiado cedo. E de uma forma tão brutal quanto exemplar, se quisermos olhar nos olhos a sociedade em que vivemos.

Crédito e fonte: Máxima 

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