quinta-feira, 8 de maio de 2014

Deus opera milagres !


Dizem que tenho um anjo da guarda poderoso e eu acredito. Creio em Deus, que é o todo poderoso, onisciente, onipresente, onipotente. Passei pelos anos 70 e sobrevivi. Cessei o uso, na época em que uma estranha doença ceifava vidas pelo mundo afora, sem diagnóstico.

Diziam que era uma doença que só atingia gays, depois gays e hemofilicos. Foram aprofundando as pesquisas até que se chegou à  identificação de um vírus mortífero, que carregou muita gente que conheci e que não posso dizer que eram amigos, porque no mundo das drogas as pessoas são amigas no vício, amigas na hora do uso, no momento de compartilhar a droga. Mas, homens e mulheres com os quais convivi, morreram. Um deles, ainda recordo, no meu retorno do trabalho me chamou pelo nome de guerra. Fui até ele. Queria desabafar. Disse-me:

- Tá vendo aquela mina, atrás de mim, com uma criança no colo?
- Estou vendo, sim. Bonita garota!
- Pois é, só consigo ter ereção com ela. É o amor da minha vida, mas a família afastou ela de mim porque uso drogas.

Prossegui ouvindo as confidências dele e notava que ele fazia arrodeios. Disse que não podia demorar. Então ele adiantou: 

- Pô, cara, tô numa de horror!
- Qual foi?
- Fui receber meus exames e estou com AIDS!

Confesso que congelei. Foi uma pancada forte que senti. Uma tristeza adentrou minha cabeça, mas busquei disfarçar. Disse a ele que esses exames deveriam ser repetidos, pois erros acontecem e que ele não tinha aspecto de que era portador de doença alguma, que espelhava saúde, que ele era um guerreiro e que haviam descoberto um remédio novo, caso fosse verdade. Era o AZT. Buscando animá-lo diss que ele ainda iria viveria muitos anos. Era só para atenuar o impacto da notícia. Só estava querendo dar uma força a ele.

- Você acha mesmo que tenho chance?
- Acredito nos avanços da medicina. Você não vai morrer!
- Você toma uma cerveja comigo?
- Claro!

Eu havia deixado de beber, mas diante das circunstâncias, resolvi dar uma força; Esclareci que não passaria do segundo copo. Seguimos, conversamos outros assuntos e, vencido o segundo copo me despedi dele com um abraço e o tradicional:  -Faça fé!

Ele (e uma galera) estava tomando cocaína injetada na veia. Um grupo grande. J. morreu um mês depois da conversa que tivemos, depois foram morrendo, um a um, o pessoal da mesma galera. Foi uma dizimação. 

Um dia encontrei uma namoradinha, bonitinha, perto da padaria, e ela veio em minha direção, abraçando-me forte e chorou muito. Contou-me que o filho dela morreu em acidente de automóvel, no Rio. Que a dor da perda era terrível para ela suportar. Tudo era verdade, mas eu sabia que ela estava, com aquele abraço apertado, se despedindo de mim e da vida. O abraço foi consolador pra nós dois. Ela precisava daquele abraço, do desabafo, mas não tocou que portava o HIV; Ela era mais uma das garotas que compartilhava a mesma seringa daquela galera que ia se finando. Só me disse que não queria mais viver e pronto. Era dia de véspera de Natal. Após a despedida voltei para casa entristecido. Era nova, bonita, mãe solteira, esquecida pelos pais e vivendo com a avó. A vida dela era um drama!

Parava para pensar em uma outra turma, a que pertencia, que diziam que era "dá pesada". Nós injetavamos drogas nas veias, mas não era uma constante. Parei e pensei, graças a Deus estou livre dessa onda!

Foi uma epidemia de AIDS... Não sobrou quase ninguém! Éramos um batalhão de usuários e só escaparam os amantes fiéis da marijuana.

Depois de muitos anos careta, recai no uso de outras drogas, mais pesadas, e estou vivo. Só posso creditar isso ao todo poderoso e, como testemunho, posso dizer que sou um milagre de Deus! 

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