Capítulo quatro do livro CASAGRANDE E SEUS DEMÔNIOS
Na manhã de sábado do dia 25 de fevereiro de 2006, portanto um dia depois de nossa conversa, Casagrande sentiu que ia morrer. Num sopro de sobrevivência, ligou para o psiquiatra e explicou tudo o que havia feito nos últimos dias e como seu estado era desesperador. Diante desse relato tão dramático, o médico não teve dúvida: passou-lhe o endereço de uma clínica especializada em dependência química e determinou que ele seguisse direto para a instituição no bairro da Pompeia. Essa primeira internação foi por um período relativamente curto: quarenta dias, o mínimo para superar a fase crítica. “Achei legal, comecei a treinar bastante e a fazer exercícios, além de ir todos os dias correr no parque Villa-Lobos com um enfermeiro. Mas o buraco ficava mais embaixo. No nível em que eu estava, era insuficiente.”
Solidária a seu parceiro desde a juventude, Mônica participou do processo terapêutico, submetendo-se a entrevistas com profissionais da clínica. No fundo, mesmo magoada e disposta a se separar, ainda cultivava a esperança de que Casagrande se recuperasse e a família pudesse se reestruturar. Porém uma surpresa fora-lhe reservada, algo surpreendente e insólito: Casagrande se envolveu afetivamente com uma psiquiatra que conhecera na clínica.
Quando acabou o período de internação, o paciente e a médica mantiveram contato. E não demorou para que os dois assumissem o relacionamento amoroso, o que provocou a demissão dela da clínica.
A dor e a indignação de Mônica foram, principalmente, por se sentir invadida e manipulada. Ela reclamava do fato de ter sido entrevistada e respondido a perguntas até sobre a intimidade do casal. Mas o par recém-formado se mostrava apaixonado e determinado a pagar o preço desse amor proibido. O argumento deles era de que a paixão é algo incontrolável e, por vezes, brota involuntariamente, em situações impróprias e inadequadas. Como diz a música “Paula e Bebeto”, de Milton Nascimento, “toda maneira de amor vale a pena”, sustentavam na época.
O relacionamento progredia rapidamente. Houve até festa de noivado no bar A Marcenaria, na Vila Madalena, embalada pela banda Expulsos da Gravadora, formada por Luiz Carlini (guitarra), Mr. Ruffino (baixo), Franklin Paolillo (bateria) e Nando Fernandes (vocal). Além de vários roqueiros amigos de Casão que se revezavam no palco, em canjas sucessivas para animar a noite. Assim, os convidados tiveram o prazer de ver apresentações de Marcelo Nova (ex-Camisa de Vênus), Nasi (ex-Ira!) e Simbas (ex-Casa das Máquinas). Até o repórter Abel Neto, da tv Globo, ex-vocalista de um grupo de reggae, soltou a voz na casa noturna, assim como o colunista Benjamin Back, do jornal Lance!, mostrou seu talento como baterista amador.
Compareceram outros músicos profissionais pesos-pesados, como os integrantes do Sepultura, mas estes chegaram mais tarde e só se sentaram à mesa para beber e conversar, sem qualquer exibição.
A apresentadora Adriane Galisteu também marcou presença, juntamente com o meia Roger (ex-Fluminense, Corinthians e Cruzeiro), então seu namorado, antes de ele se casar com a atriz Deborah Secco. Encontravam-se lá, ainda, diversos jornalistas amigos do noivo, como José Trajano e Juca Kfouri (espn Brasil), Ari Borges (Band) e Mauro Naves (Globo), além do comentarista de arbitragem Arnaldo Cezar Coelho, colega de Casagrande na mesma emissora.
O romance ia tão bem que os noivos deixaram a festa relativamente cedo, ainda com a presença de muitos convidados, para se recolher à intimidade. O casamento parecia questão de tempo. Aparentemente recuperado da dependência de drogas, Casagrande retomou seu lugar como comentarista da tv Globo e cobriu a Copa do Mundo da Alemanha, em meados daquele ano. A noiva o acompanhou na viagem, reforçando a imagem de casal em lua de mel.
“Depois dessa primeira internação, fiquei legal por um tempo. Fiz a Copa da Alemanha bonzinho pra caralho”, assegura Casagrande. “Mas, quando voltei, começou tudo de novo.”
Há muitas armadilhas no caminho do dependente químico, que precisa de preparo e muita determinação para não recair no vício. Qualquer cena que remeta ao uso de cocaína ou heroína pode desencadear o processo cerebral relacionado ao prazer e instigar o ex-usuário a voltar à ativa. Isso aconteceu com Casagrande quando assistiu ao filme sobre a vida de Ray Charles, interpretado por Jamie Foxx, papel que lhe valeu o Oscar em 2005. Ao ver o dvd com a história do músico viciado em heroína, apesar de todos os problemas ali relatados, o “vírus” da dependência se manifestou novamente. “Passei mal em casa e comecei a arrumar desculpa pra sair. Assisti num sábado à noite e fiquei dois dias com fissura (desejo quase incontrolável de consumir a droga). Na segunda-feira, voltei a usar cocaína. E voltei pesado.”
Em dezembro, o descontrole se tornou evidente: não morreu por um triz. Com viagem a Natal marcada, para passar as festas de fim de ano, ele nem chegou a embarcar com a noiva. Passara a se injetar cocaína novamente e, no dia 21 de dezembro, teve outra overdose. “Dessa vez não havia heroína. O problema foi de potência na aplicação da dose. A coronária começou a fechar e eu passei muito mal mesmo, estava morrendo.”
A noiva ligou para o médico, relatou a emergência e o levou às pressas para o consultório localizado na avenida Angélica. “Ele sabia dos meus problemas, claro, então houve uma tentativa de resolver o caso sem me expor publicamente.” Mau negócio. Ao chegar em frente ao consultório, Casagrande desmaiou por insuficiência cardíaca e respiratória. “Os batimentos estavam caindo a galope e aí tive de ser levado imediatamente para o Einstein, correndo sério risco de morte.”
No hospital, por onde já havia passado no início do ano, seu problema também era conhecido. Assim, o esquema foi previamente montado para recebê-lo. “Cheguei, fui direto para a uti, e os médicos me salvaram. Dessa vez, sobrevivi por pouco mesmo.”
A constatação, entretanto, não provocou nenhuma mudança de rumo. “Continuou tudo normal”, diz. Como assim, tudo normal? “Não me assustou de novo... Eu era impetuoso, né, cara?” Nada o detinha. Ao longo dos anos, Casão enfrentara diversos problemas de saúde, capazes de derrubar qualquer simples mortal, mas o velho guerrilheiro da bola, com alma de roqueiro rebelde, não parava jamais. A essa altura, já não tinha parte do intestino grosso, tirada por conta de uma diverticulite, experimentara todos os tipos de hepatite, sífilis, o escambau.
Ele se tratava, controlava as moléstias e seguia em frente. Não seriam a insuficiência cardíaca e quase a morte que o fariam escolher outra direção. Ao contrário, ainda voltaria a incluir a heroína em seu cardápio. Talvez fosse preciso, mesmo, contar com os préstimos dos demônios e o acidente de carro para sair daquele buraco infernal.
Depois de dar de ombros para tantos avisos de que necessitava tomar uma atitude drástica, não lhe restou escolha. Em setembro de 2007, depois de ser socorrido do acidente novamente no hospital Albert Einstein, acabou sendo levado sob sedação para a clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra, a 33 quilômetros de São Paulo.
Essa clínica é conhecida por ser fechada e impor regras rígidas ao tratamento de dependentes químicos em grau avançado. Casagrande ficaria ali por um longo ano, a maior parte desse período sem contato com a família e os amigos, completamente afastado do mundo externo. O seu convívio social seria limitado aos profissionais especializados e aos outros pacientes.Sofreria para se adaptar à nova realidade, tão distinta de seu estilo de vida.
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