domingo, 24 de julho de 2011

Viva e deixe viver

Viva e deixe viver 

O velho ditado "Viva e deixe viver" parece já tão gasto que é fácil não lhe dar o devido valor. É claro que uma das razões de ser tão citado ao longo dos anos é porque tem provado ser benéfico de muitas maneiras.

Nós A.A.s usamo-lo de um determinado modo para nos ajudar a não beber. Ajuda-nos especialmente a lidar com as pessoas que nos enervam.

Revendo de novo parte das nossas histórias de bebedores, muitos de nós podemos ver quantas vezes o nosso problema alcoólico parecia estar de certo modo relacionado com outras pessoas. Experimentar beber cerveja ou vinho na nossa adolescência parecia natural, visto que tantos outros também bebiam, e nós queríamos a sua aprovação. Mas depois vieram os casamentos, as ocasiões festivas, os batizados, as festas, os jogos de futebol, os cocktails e os almoços de negócios... e esta lista podia continuar indefinidamente. Em todas estas situações, nós bebíamos, pelo menos em parte, porque todos os outros estavam a beber e pareciam esperar que também bebêssemos.

Aqueles de nós que começámos a beber sozinhos ou a beber às escondidas de vez em quando, fazíamo-lo frequentemente para evitar que uma determinada pessoa ou pessoas soubessem quanto ou com que frequência nós bebíamos. Raramente gostávamos de ouvir os outros falarem da nossa maneira de beber. Se o fizessem, dávamos-lhes imensas "razões" para explicar a maneira como bebíamos, como se quiséssemos evitar críticas ou queixas.

Alguns de nós, depois de termos bebido, ficávamos implicativos ou mesmo conflituosos com os outros. No entanto, outros de nós sentíamos que nos relacionávamos muito melhor com as pessoas depois de uma ou duas bebidas, quer se tratasse de uma reunião social, de uma difícil negociação de venda, de uma entrevista para um emprego ou até mesmo para fazer amor.

A nossa maneira de beber fazia-nos escolher os amigos de acordo com as quantidades que eles bebiam. Chegávamos mesmo a mudar de amigos quando sentíamos que tínhamos "ultrapassado" a maneira como eles bebiam. Preferíamos "verdadeiros bebedores" a pessoas que só bebiam um ou dois copos, e evitávamos por completo os abstémios. (continua)

Muitos de nós sentíamo-nos com culpa e raiva pela forma como a nossa família reagia perante a nossa maneira de beber. Alguns de nós perdemos empregos porque o nosso chefe ou colega de trabalho se opunha à maneira como bebíamos. O que nós queríamos era que os outros tratassem das suas vidas e nos deixassem em paz!

Muitas vezes sentíamos raiva e medo mesmo em relação a pessoas que não nos tinham criticado. Os nossos sentimentos de culpa tornavam-nos hipersensíveis para com os que nos rodeavam e alimentávamos ressentimentos. Às vezes mudávamos de bares, de empregos ou de vizinhança só para fugirmos de certas pessoas.

Assim, de uma maneira ou de outra, um grande número de pessoas além de nós estava envolvido, até um certo ponto, na maneira como bebíamos.

De princípio, quando deixámos de beber, foi para nós um grande alívio descobrir que as pessoas que encontrávamos em A.A. – alcoólicos recuperados – pareciam ser muito diferentes. Não tinham em relação a nós atitudes de crítica ou de suspeita, mas sim de compreensão e de preocupação.

Contudo, é perfeitamente natural que encontremos algumas pessoas que nos enervem, tanto em A.A. como fora de A.A. Podemos achar que os nossos amigos que não são A.A.s, colegas de trabalho, membros da família, ainda nos tratam como se estivéssemos a beber. (É natural que precisem de algum tempo para acreditarem que deixámos realmente de beber. Com efeito, no passado eles viram-nos inúmeras vezes deixar de beber, para recomeçarmos sempre de novo).

Para começarmos a pôr em prática o conceito: "Viva e deixe viver", temos de encarar o seguinte facto: há pessoas em A.A. e em todos os outros lados, que dizem por vezes coisas das quais discordamos, ou que fazem coisas de que nós não gostamos. Aprender a viver com as diferenças é essencial para o nosso bem-estar. É precisamente nestes casos que consideramos extremamente útil dizer para nós mesmos, "Então, vive e deixa viver".

Com efeito, em A.A. dá-se grande ênfase à aprendizagem de como tolerar o comportamento dos outros. Por mais ofensivo e detestável que nos possa parecer, não vale de modo nenhum a pena beber por causa disso. A nossa recuperação é demasiado importante. O alcoolismo pode matar e na realidade mata mesmo. Temos de ter isto sempre presente.

Aprendemos que compensa fazer um esforço muito especial para tentar compreender os outros, muito em particular aqueles que nos irritam. É mais importante para a nossa recuperação compreender do que ser compreendido. Isto não é muito difícil se tivermos presente que também outros membros de A.A. fazem o mesmo esforço para compreender, tal como nós.

Com efeito, havemos de encontrar algumas pessoas em A.A. ou noutros sítios que também não morrerão de amores por nós. De modo que todos nós tentamos respeitar o direito que os outros têm de proceder da forma que escolhem (ou devem). Podemos então esperar deles que nos tratem da mesma maneira. Geralmente é o que se faz em A.A.

De um modo geral as pessoas que gostam umas das outras – num bairro, numa empresa, num clube, em A.A. – sentem uma atracção recíproca. Quando convivemos com pessoas de quem gostamos, aquelas de quem não gostamos particularmente não nos aborrecem tanto.

À medida que o tempo passa, vemos que deixamos de ter medo de nos afastar simplesmente daqueles que nos irritam, em vez de lhes permitir timidamente que se metam nas nossas vidas, ou em vez de os tentar modificar para que se adaptem melhor a nós.

Nenhum de nós se consegue lembrar de alguém que nos tenha forçado a beber. Ninguém jamais nos amarrou e nos enfiou álcool pela boca abaixo. Tal como ninguém nos obrigou fisicamente a beber, também agora temos de nos assegurar que ninguém "nos leve mentalmente a beber".

É muito fácil usar as acções dos outros como justificação para beber. Costumávamos ser peritos nisso. Mas, em sobriedade, aprendemos uma nova técnica: nunca deixamos acumular tanto um ressentimento em relação a outra pessoa, que lhe permita controlar as nossas vidas – especialmente ao ponto de nos levar a beber. Percebemos que não temos a menor vontade de deixar que outra pessoa dirija ou destrua as nossas vidas.

Um antigo sábio dizia que nenhum de nós deve criticar outra pessoa até termos andado um quilómetro com os seus sapatos. Este sábio conselho pode ajudar-nos a ter uma maior compaixão pelos nossos semelhantes. E pôr isto em prática faz-nos sentir muito melhor do que estarmos com uma ressaca.

"Deixe viver" - sim. Mas alguns de nós achamos que a primeira parte do slogan, que é "Viva", tem exactamente o mesmo valor: "Viva"!

Quando descobrimos a forma de gozar plenamente a nossa própria vida, sentimo-nos então felizes por deixar os outros viver a vida que querem. Se as nossas próprias vidas tiverem interesse e forem produtivas, então não sentimos, na realidade, qualquer impulso ou vontade de descobrir falhas nos outros e de nos preocuparmos com o modo como atuam. 
Consegue realmente pensar neste momento em alguém que o incomoda?

Se for esse o caso, tente o seguinte: adie pensar nessa pessoa ou sobre o que quer que seja em que ela o incomode. Pode explodir a seguir se quiser, mas, por agora, porque é que não tenta desligar o seu pensamento disso enquanto lê o parágrafo seguinte?

Viva! Preocupe-se com a sua própria maneira de viver. Em nossa opinião, estar sóbrio abre o caminho para a vida e para a felicidade. Vale a pena sacrificar muitos ressentimentos e discussões ... Muito bem! Você não conseguiu abstrair completamente dessa outra pessoa. Então vamos ver se a sugestão seguinte consegue ajudá-lo.

Versão portuguesa do Livro Viver Sóbrio, de Alcoólicos Anônimos

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