segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sem subterfugios



I

Você certamente não sabe, não conhece, ignora o significado da palavra liberdade; Certamente não sabe o significado da palavra vida. Há um liame que nos liga e uma grade que nos separa. Ficamos diferentes e indiferentes em nossas atitudes egocentristas. Existe, entre nós, cercas de arames farpados e um só caminho, por onde você transita e passa, livre; estamos em campos opostos e o que nos separa, além dos arames farpados é seu ser social, submetido às loucuras alheias,determinando a consciência do ser, de um ser social frio, distante, esquecido das boas e saudáveis lembranças. O que fez e o que fizeram das suas boas recordações? Sua consciência criou um muro que nos aparta, que nos divide. Espero que este deslize seu não o conduza para o campo da direita, onde seu irmão tem estreitos nós peculiares a ele, que é um "sem noção". Refiro-me a velha direita, com seus "professores de educação moral e cívica" e que utiliza métodos pouco recomendáveis, iguais aos que empregaram comigo, quando minha vida foi entregue a vocês e acabou sendo jogada no inferno, onde filhinho geme e mamãe não vê!

Existe em mim um emudecimento nosocomial causado pela dor, por sentimentos amargos provocados pela lembrança de fatos tão desagradáveis,ainda inconcebíveis. Sinto-me abatido, perplexo, sem querer acreditar que seu comportamento pudesse ser conduzido e contribuído para que o domínio da razão cedesse espaço à insanidade dos seus acompanhantes e daquele grupo de farsantes, exploradores da boa fé dos desesperados. Nada posso dizer sobre aquele instante final, referente a sua genitora, que me considerava um sepultado vivo, pois nem apareceu conforme havia prometido. E imaginar que você acreditou que mediante reclusão, confinamento, grades, alambrado, humilhação, castigos e tortura um ser humano doente, pudesse solucionar qualquer questão de saúde, me deprimo. É neste terreno que sua razão separa-se da minha. Há questões, na qual me incluo, que merecem um tratamento diferenciado e compreendido com um novo olhar, o olhar da compreensão humana, próprio do cidadão civilizado, não aquele olhar dos tempos inquisitoriais.
(Continue)

Quanta cultura jogada fora, cuspida, lançada no lixo, em instantes de loucura, de incivilidade, de ausência de amor, carinho, afeição, doçura, praticados até a hora de sair do carro, quando, deseducadamente, sequer despediu-se do avô, carregando dentro de si tanto ódio e ressentimento, além de uma indômita frustração. Que não queira admitir esta realidade, tudo bem, mas era tempo de estar vivendo em um outro patamar de educação.

Estou reduzido a pó e do pó me reerguerei e, face a face, faremos o que propõe o "lema do psicodrama"; e você me verá com meus olhos e eu lhe verei com os seus... Nada na vida é imutável, seguro e ninguém pode dizer que amanhã não precisará de ajuda. Sou do tempo da solidariedade, do espirito fraterno, daqueles que abraçam uma causa e verifico que na estrada da vida você foi deixando de lado principios e sentimentos, mas é hora de corrigir.

O ar de São Paulo mudou sua cabeça?  o que lhe ocorreu foi uma inversão de valores que pautavam sua conduta, mas você  preferiu ser o inverso do que era, sendo sua própria negação, e você dizimou, em mim, tudo que eu imaginava de bom dentro de você. Imaginava tivesse lido Lima Barreto, pelo menos Cemitério dos Vivos, pois não estamos tão distantes do inicio do século XX, embora estejamos vivenciando o inicio do XXI, para minha maior tristeza. Lima Barreto tinha uma cabeça boa, plantada no século XIX, e escreveu este livro no começo do século 20. E ainda estamos na idade média pelos horrores que vi e senti. Entenda que seu pobre irmão, com a desmedida ambição, não é mais que um zero a esquerda, cheio de ilusões, sem previdência, sem carteira profissional, valendo-se apenas do nome e da utilização do nome do avô, que dei a ele. Sabe, muitas vezes vocês não entendem que mérito é uma coisa, prestigio e influência social é outra. Antes de você nascer, seu avô possuia amizades que imagina serem suas. Seu avô é uma legenda e seu mérito facilita que as portas se abram para você que jamais irá saber, ao certo e com profundidade, quem ele foi em matéria de reserva moral, quem foi como profissional, quem ele foi na luta pela redemocratização do país, na resistência democrática. Você é de uma geração cética, do muro de Berlim, do show da Xuxa, dos Menudos, geração nitendo e atari, mas não ficou no senso comum. Evoluiu, cresceu, chegou a realizar sonhos e não posso dizer de você o que digo do seu irmão, que se assemelha ao burro que carrega o santo, em dia de procissão, a imaginar que todos estão a reverencia-lo. Quantos amigos do seu avô é bom saber que tornaram-se seus amigos também. Os meios que frequentou e que sempre fiz questão de leva-lo  é a nata da nossa cultura e as pessoas que conheceu é o que se pode chamar, sem exagero, de classe dominante, em sua terra natal, seu leque de amizades elasteceu tanto que, com seus méritos e valor próprio, não precisou de avalista. Você tem régua e compasso. Seu aval estava na genética e sobre isso espero que não pretenda debater, senão o tomarei como o burro em dia de procissão. Hoje seu universo é muito mais vasto e seus conhecimentos são expressivos e dignos de sua amizade. Eu, no entanto, nada represento para você me fazendo ver o quanto é real a frase poética que reza ser a ingratidão uma pantera. O que faço do que fizeram comigo, em um mundo interior e exterior destroçado é manter minha sobriedade, com serenidade, coragem, sabedoria e, sobretudo, humildade.

Também sou contra as drogas, mas não sou um criminoso, um bandido e, ainda que fosse, minha condição como ser humano me assegura direitos e garantias que merecem respeito. Não sei quem foi o ardiloso mentor de me levar a uma casa, que me falaram seria boa para minha saúde. Queria saber quem conseguiu aquele cárcere, dirigido por um louco fascista, cujo comportamento real, creio, só sabe quem fica detrás das grades do confinamento a que fui vergonhosamente submetido por mulher e dois filhos. Não preciso dizer que fui enganado e o que era voluntario tornou-se ilegalmente involuntário, configurando um crime, cometido por ambos os lados, irmananados através de um negócio jurídico que só me desfavoreceu. Até hoje não entendo porque escolheram São Paulo, porque me abandonar por cinco meses em um cárcere com título de clínica? Minha saúde não foi cuidada em nenhum aspecto e o comportamento atual do seu irmão, agressivo e ameaçador, e da sua genitora, que sumiu, demonstra o quanto me queriam bem, o quanto me queriam bom, com total demonstração tácita de insensibilidade, indiferença, insensatez, desrespeito e má conduta. Que pensar de uma pessoa que, não sendo largada, joga-se no mundo sem nada dizer, sem nada explicar, de modo tão irresponsável, quanto leviano? A farsa, no final, culminada em silenciosa fuga, condena e depõe mal contra quem sempre quis mostrar e fazer crer um bom proceder. 

Passei um mês vivendo confinado, 20 horas por dia, dentro de uma casa, apinhada de homens, todos condenados pelos familiares, protetores das respectivas saúdes e todos intimamente descrentes da instituição chamada família. Ali se produz muita mágoa, amargura, ressentimento, dor, desesperança e, até vontade de morrer, pois, como disse Danton é preferível morrer livre que viver escravo. Ali dentro éramos, também escravos, é bom saber.Naquele lugar, o trabalho forçado era chamado de laborterapia e o fiscal dos trabalhos era um fascistoide, imbecilizado, que atuava como agente repressor. Chamávamos os comandados dele, todos internos, desviados do tratamento, de GAP´s. Éramos tratados como prisioneiros, a linguagem usada era carceraria; levantávamos da cama, pela manhã, com chutes no beliche (balança mais não cai) e gritos de “VIBRANDOOOOO”. Parecia treinamento militar ianque... Era assim, tudo debaixo de grito! Adictos governando adictos, era assim!

Dia a dia eu ficava isolado, olhando, a natureza, separado dela por grades e alambrados. Observava a flora e fauna, nos raros momentos que tínhamos que esticar as pernas, fumar um cigarro, e respirar um pouco de ar, fora daquela casa, no avarandado da mesma. Fumava um cigarro atrás do outro. Olhava a pontualidade da garça, que sempre alçava voo, para determinada árvore, às cinco da tarde. perto do anoitecer ela seguia livre para local desconhecido.

Quem fica engaiolado sente um desejo infinito de buscar a liberdade e a minha terapia era sonhar com ela, com o dia da minha liberdade reconquistada e reconquistei no grito, na denúncia honesta.

Lá dentro daquele inferno há gente que chama pai, mãe, irmãos e demais parentes, de criminosos, outros, com o correr do tempo vão aplacando o rancor e ódio, mas tem os que não perdoam, os que sentem o que representou lhes retirarem um bem precioso que a vida nos confere e que se chama LIBERDADE. Ninguém sai dali tratado, porque ali só se ganha dinheiro e as famílias só jogam dinheiro fora.

Sentia, com tristeza, o vil abandono, o não atendimento dos meus clamores, a roupa para frio e óculos, para eventual leitura, não enviados. Aonde ficou o discurso humano da martir, da minha redentora, cheia de contradições ? Ler o que se minha miopia não permitia?

E só de imaginar a minha alegria e felicidade em ir para tal lugar, ao lado da sua mãe, seu irmão mais velho e você, para cuidar da minha saúde, me encheu de contentamento. Como fui ingênuo! Acreditei em todos vocês. Falavam-me coisas belas. A viagem me fez um enorme bem. Estava alegre, brincava e sorria. A família, exceção de uma filha, estava ali, junta, unida...Toda despedida é triste e nas minhas circunstâncias, confesso, chorei. Muitas vezes chorei, sozinho, escondido. Havia uma dor que ia lá no fundo da alma e me castigava muito.

As visões e insights me provocavam a razão e me levavam a pensar. Só para lembrar, em um dado momento, antes de tudo me acontecer, dentro do hotel São Roque, disse-lhe, não sei se recorda, que ao soltar em Guarulhos, sua mãe e seu irmão me deram a impressão ruim de que eu era um embrulho qualquer, que deveria ser despachado. Não sabia que tal sentimento era verdadeiro. Impossível acreditar na maldade humana partindo de entes queridos e eu me achava querido. Mas talvez o querer de vocês tenha um lado dantesco, desconhecido por mim.

Sentia-me um pacote em mãos de sua mãe e do seu irmão. Não queriam sequer que fosse ve-lo; protestei e ví. Fomos a uma cervejaria; comemos pastéis, especialmente feitos para nós. Só não sabia que estava ali, diante de atores, que me preparavam o absurdo que o filme BICHO DE 7 CABEÇAS DENUNCIA.

Só o que conspira a seu favor é o fato de seu irmão e sua mãe não terem feito muito esforço para não me permitir que fosse vê-lo, ou que você me visse. Queriam rapidez! Porquê, é interessante saber, mas agora já não importa mais. A máscara de muita gente caiu.

Como crer que isso fosse possível? Como conceber que uma alma inteligente pudesse acreditar nas grades, na reclusão, no confinamento, no isolamento, no abandono, no distanciamento, no frio da natureza e na frieza humana, como aliados da saúde? Nisso reside minha inconformidade. E me vinham pensamentos tristes e muitas vezes eu me afastava de todos, ficava isolado, enquanto algumas lágrimas corriam pelo meu rosto. Como crer que, mulher e filhos pudessem me causar tanto mal, imaginando que me estivessem fazendo o bem? Era esta a indagação comum a todos, órfãos das respectivas famílias, lá dentro, e todos com a mesma revolta interior.

Eram muitas as indagações e sentimentos e, inadaptado àquele regime de clausura e padecimentos, vendo gente ser torturada, por ter intentado uma fuga, em busca de um bem sagrado, que insisto repetir que se chama LIBERDADE, só me causava mal estar.

Olhava, dia após dia, a garça voando, os tucanos e os periquitos em revoada e imaginava seus predadores naturais. Voltava-me para o inferno em que me achava e olhava meus predadores, ali dentro, à espera de um vacilo meu. Vinha-me a idéia da seleção das natural e eu tinha que ser, obrigatoriamente, forte, mas chegava a noite e eu estava desprotegido do frio e buscava me resguardar na cama, tão logo fosse permitido. Era mais o frio do abandono, das roupas não fornecidas e já compradas. Porque?

O termômetro marcava que estava frio e aliada a este vinha uma corrente de ar gelado que me fazia doer os ossos. Alguns reclusos me avisavam que no inverno seria muito pior, que me cuidasse. Meu pai já havia comprado roupas de frio, pra mim, e as mesma não haviam chegado. Isto era mal sinal. Não se compadeceram dos maus tratos que o frio pode causar a um ser humano, inclusive com a morte por hipotermia. Tive calafrios horríveis, na minha triste reclusão.

Vocês estavam todos ocupados, cada qual em seu cantinho, levando a vida que sempre desejaram ter. Insensíveis e mostravam a todos que se preocupavam com a minha saúde e o que fizeram, na prática, é imperdoável. Bicho de sete cabeças!

Hoje, ainda tem meliantes, com racionalizações, manipulações, agindo contraditoriamente, em uma fuga covarde e que não se explica, nem se justifica pelo fato de ter reconquistado minha liberdade. A fuga silenciosa já havia acontecido há mais tempo. Era o abandono desrespeitoso de quem não tem sequer, consideração consigo mesmo ou auto-respeito. A covardia alheia, quando nos afeta, tem que ser dita, doa em quem doer. Eu ainda estava confinado...

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