sexta-feira, 15 de julho de 2011

Diário de um Interno I



Resolvi escrever algo muito pessoal sobre minha passagem por uma clínica. Utilizava, enquanto interno, duas modalidades de escritos. Escrevia, em folhas arrancadas, cartas que deveria entregar aos meus familiares, quando estes fossem me visitar e, em um caderno escrevia, abstraindo do texto tudo quanto acontecia de absurdo na clínica, sem grandes prejuízos para minha segurança. Meu instinto de preservação me fez agir dessa maneira. As cartas eu as guardava no bolso e não me separava delas. Ia escrevendo na medida do possivel. Não podia vacilar. O que escrevia no caderno descrevia como eu me sentia, falava do frio e dos meus sentimentos e inquietações. No "quarto" em que fiquei haviam dois beliches, portanto 4 pessoas. Não era própriamente um quarto, pois ficava numa passagem por onde circulava todo mundo, o que era incômodo. Resolvi, hoje, pinçar algumas coisa que escrevi sob forma de diário e postar. Mas aviso que efetuei muitos cortes, que só me servem à memória: 
Cheguei à C.R. dia 12/05/11. A noite foi fria e amarga. Os dias se sucedem ao sabor do insuportável frio que me acomete e me deixa nocauteado.

No dia do meu aniversário, 15 de maio, só não recebi o telefonema de C. . Desconheço o motivo. Sinto falta de todos e fico ansioso esperando a rápida passagem dos dias até que chegue o momento em que me será permitido receber telefonemas semanais... (continuava, mas cortei)

18;05 - Hoje o sol apareceu e pouco demorou, foi encoberto pelas nuvens. Enquanto durou o céu despontou azul, como até então não via. A paisagem se revelava mais aprazivel sem o tom cinza das nuvens. Sei que o outono finda e o inverno não custa chegar. (novo corte)

19/05 - Minhas solicitações, passadas ao monitor, não foram encaminhadas a C. Ainda não sei a razão pela qual não telefonou, vez que é muito atencioso. Como estarão meus pais? ... J. , um interno idoso, tirou minha pressão que estava 18 por 10! Ele me deu um Atenolol para tomar. Não há médico, nem enfermeira.

21/05/11 - Ontem (20) não deu para escrever pois não havia caneta. A natureza, contudo, me proporcionou um lindo espetáculo de tucanos, cerca de 10, voando de árvore em árvore. (...) Hoje o sol continuou com sua fantástica aparição. As baixas temperaturas diminuem, mas preocupa-me o inverno...
22/05/11- Acordei às 4 horas da madrugada, mas só posso sair quando a ordem é dada. Sinto-me desalentado e sem ânimo. Dia de sol, graças a Deus!

27- A expectativa dos telefonemas foi frustrante. Terminei parando em uma longa reunião, com todos os povoadores da casa. Meus filhos não sabem raciocinar bem! Terminei sendo humilhado na reunião.

28/05/11 - Põe-nos para dormir até as 4 horas da tarde e perdemos o sol. Experimentei lá  fora um vento gélido que me conduziu a pôr várias camisas, umas sobre as outras, mesmo assim o frio é intenso... Tive calafrios durante o banho e a sensação de que tudo vai se repetir (calafrio, clausura no quarto coletivo)...

29/05/11- Domingo. Ontem, após o café, o frio me levou para a cama, onde tive calafrio. A garganta doia. Hoje escarrei sangue. Passei a manhã e a tarde na cama. Não almocei... O termometro acusa 10 graus centigrados e sei que o frio mata; meus filhos não pensaram que ficarei internado em pleno inverno, torturado e castigado pelo frio. Temo morrer. Tenho rezado muito...

31/05/11 - (cortado um pedaço) Amanhã é aniversário de E.  e não sei se poderei ligar para ela. Sinto-me terrivelmente triste e preocupado com os efeitos do frio e chegada do inverno. (corte). Não compreendo porque escolheram um modelo de clínica que é inadequada pra mim. Fui enganado! sei que querem meu bem, mas foram imprevidentes. O segredo da minha recuperação está na mãe deles e, é com tristeza, que verifico o quanto são insensíveis no "querer bem". Sinto-me desterrado, engaiolado... não sou nenhum criminoso.

01/06/11 - O dia amanheceu com forte neblina. Não deu para comer o almoço servido. Pedi aos GAP´s,  T. e G. para ligar para E.. O pastor esteve na casa. Tomara que E. entenda e aceite minha ausência, caso não ligue pra ela...

02/06/11 - hoje é quinta. Amanheceu com 9 graus. Meu receio cresce. Sinto a sensação de abandono. Não pude falar com minha esposa. Dia 05 é aniversário de L. E a minha lindinha P. , como estará? tenho rezado por todos... Tem momentos que me vem uma tristeza dilacerante. tenho resistido conforme C. pediu, mas o frio penetra nos meus ossos. Silencio as dores de dente pois não posso fazer nada. Sinto que minha saúde esta depauperada. Drogas nunca mais...

EXPLICAÇÕES:
Deixo o restante para outro momento. Os três primeiros dias de internação é chamado de "AXÉ" o que significa dizer que pode-se fumar à vontade, dormir até mais tarde, comer na frente de todos. Mas o café da manhã era meio copo de nescau frio, ou gelado devido as baixas temperaturas. G., um interno, protestou e foi castigado. Mas terminou sendo atendido e passaram a servir o nescau morno. Antes do nescau tem que passar uma hora de relógio ouvindo textos biblícos, textos do livro SÓ POR HOJE e leitura do livro azul do NA. Depois de uma hora em jejum é que forrava o estomago.

No texto referi-me a frustrante expectativa em relação a dois telefonemas que recebi dos filhos homens. O telefone ficava no viva voz do celular dele e eu comecei a me queixar da clínica. Falei mal da comida e o resultado foi o pastor encerrar meu diálogo com meu filho, pois ficou incomodado quando eu disse que a comida era ruim e que nem uma empregada, como cozinheira, ele tinha na casa. Quem cozinhava era um interno (J.), auxiliado por outros internos. Não posso dizer que foram desviados do tratamento porque inexiste tratamento. Em seguida o pastor mandou que um GAP me conduzisse de volta ao confinamento, enquanto ordenou que todos fossem reunidos na sala pois ele iria falar. A sala ficou lotada, até a esposa dele compareceu e achava graça das bobagens que o mesmo dizia no afã de humilhar pessoas. Sou baiano e ele começou, com um gesto obsceno, falando que ia "mostrar o que é que a baiana tem", em franco desrespeito e preconceito com a Bahia e os baianos e baianas. Foi uma reunião longa e ele queria demonstrar equilíbrio mas não encontrava as palavras para me ofender e tergiversava ofendendo outros internos, quando queria me ofender fazia mediante indiretas, que todos compreendiam. Me jogou contra todos os internos e contra o pessoal que fazia a comida. Suportei de cabeça erguida as humilhações, mas tive que me deter quando falei que na clínica se empregava o golpe conhecido como "mata-leão" senão quem ia acabar no "mata leão" seria eu, que ali estava indefeso.

Revelo um estado de espírito de inadequação ao ambiente de confinamento e meu desajuste com o frio, com ausência de roupas apropriadas que não chegaram, apesar de solicitadas.

Não permitiram que eu ligasse para a esposa, nem para o filho. Faz parte do tratamento que o pastor, em suas inúmeras colocações, disse inexistir: "aqui eu não trato de dependência química". Noutras ele tirava uma de médico: "não gosto de empregar o Rivotril. Há remédios melhor para usuários de crack que eu custumo substituir pelos que o psiquiatra passa". Isso é uma loucura pois configura exercício ilegal da profissão, pois não é médico. Deixo frases soltas nas entrelinhas, revelo minhas preocupações, mas tudo quanto me amargurava estava escrito nas cartas.

Na família ainda tem gente RACIONALIZANDO a mancada praticada e, afirmando que não quero me tratar. É uma modalidade de defesa, quando muito empregada, vira rotina e aparenta contornos de verdade. Mas, na prática o que se vê é um cara que tem muita fé e garra. Vou devagar mais vou; estou limpo, só por hoje, com a graça de Deus. Não usei e não pretendo usar. Deixei de fumar cigarro, não tem chance alguma para recaída e é sem chance para drogas e essa minha disposição está em negrito, escrita faz tempos: "drogas nunca mais". Interessante observar que, dia 02/06 eu dizia estar sentindo uma sensação de abandono, que se configurou, ao final de tudo, numa grande verdade.

                                                    Em outro momento mais será revelado!

Um comentário :

  1. Companheiro, acompanho este blog faz um bom tempo. Muito me acresce e ajuda a tratar o meu filho que tem problemas com a maconha.
    Vejo que você tem uma vida bonita e que não tem nada a esconder. É transparente. Continue assim. Lamento o que passou e aceite minha solidariedade.
    Guilherme

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