segunda-feira, 11 de julho de 2011

No cativeiro, lutando pela liberdade



A última página do diário de um interno foi escrita em 08 de junho de 2011. Neste diário, o autor nada poderia escrever contra a clínica, evitando, assim, eventuais sanções. Os reclusos já o haviam informado como era que o pastor procedia e o advertiam para que não desse nenhuma mancada. Para os confinados era impossível sair daquele inferno. Diziam:
 - este homem é o diabo. Você não sabe do que ele é capaz. Ele pode cortar as ligações dos seus familiares caso note algo de desagradável que tenha feito. Pode até cortar suas visitas. Ele tem argumentos para tal procedimento e já adquiriu prática. Ele sabe que somos desacreditados e este é o maior sustentaculo que tem, seu argumento mais persuasivo.

Era bem pior do que imaginava que fosse. Não tinha ética alguma. Nas reuniões citava nome de pessoas, de famílias, dizia aonde residiam, fazia comentários sobre ex-reclusos, tratando-os como verdadeiros marginais. Falava que a dona de uma empresa telefônica havia internado o filho, que ele achava um saco e a mãe também. Todo dia ela ligava para   saber como o filho estava sendo tratado e se propunha a levar profissionais capazes de ajudar o filho a se recuperar rapidamente. Isto até o dia que ele resolveu "expulsar" o rapaz, conforme relatou.


Os depoimentos dele não são próprios de uma pessoa centrada. Denota ressentimentos.Revela insanidade.Vez ou outra interrompe seus depoimentos para humilhar e ofender algum recluso, chamando um de ladrão, outro de veado, outro de "gazelinha". Falava de que um gaucho havia furtado dinheiro do cunhado dele... Não havia respeito e por ai ele ia conduzindo as loucas reuniões que fazia. Para G., um excepcional, ele dizia:  "você cale a boca porque você é o último a falar e o primeiro a apanhar"; em frente da esposa disse, referindo-se a G.: "se você quer ser veado que vá dar o cú na casa da porra. Aqui não! Aqui eu exigo respeito. Se quer dar o cú corte o tronco de uma árvore e enfie o mesmo nela". A esposa achava muita graça e ria abundantemente dos devaneios do marido, como se fossem exatamente iguais no plano mental. O excepcional não era usuário de drogas.Estava ali, pasmem, para corrigir o seu comportamento. Era criado pela avó. Tinha um jeito efeminado e uma idade mental próxima dos 12 anos e, em uma clínica de restauração, o minímo que se pode esperar é respeito a dignidade de cada um dos pacientes e o pastor foi homofobo ao extremo. Contudo, observando bem, ele tem uma fixação quanto a sexualidade alheia, que desperta dúvidas.
Para ele, fulano e sicrano, que ele levava para expor na frente de todos, era um "animal", "um bosta", e por ai seguia no rol de adjetivos que desqualificavam seres humanos que ali estavam em busca de recuperação. Dai ele misturava seus impropérios com leituras da bíblia. Um louco!

Fui aprendendo com os confinados que ele não permitia que ninguém dissesse nada pelo telefone à familia e as ligações eram monitoradas através do viva-voz, sempre acionado. Qualquer palavra impensada, que pudesse depor contra o que ele chama de clínica, provocava a interrupção do telefonema e mudança de interlocutor. Era acionado a tecla mute e o recluso era levado de volta ao confinamento. Dai, o pastor, naturalmente, explicava que procedeu o corte porque assim determinava o tratamento, que o sujeito queria manipular, que estava sob efeito de determinada medicação, ou apresentava um quadro mórbido qualquer, além de outras tantas desculpas inventadas.

Fui orientado a me manter bem comportado para não ter minha visita cortada e eu estava reunindo meus esforços para o dia da minha visita e não poderia estraga-la por nada.

Sabia, através dos reclusos que ele e esposa assistiam as visitas, não permitindo qualquer manifestação de liberdade. Caso acontecesse ele argumentava sempre que com trinta dias a pessoa ainda está sob efeito da sindrome de abistinência e que, qualquer pedido para sair, era movido pela necessidade do uso. Sabia que ele arguia que com menos de 5 meses ninguém se trata. E o tratamento da clínica dele é uma piada indescente. Diz possuir professor de EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA, pasmem! diz ter psicanalista. Não diz ter enfermeira, mas anúncia pela internet, que tem ENFERMAGEM. Diz que tem uma equipe MULTIDISCIPLINAR e são tantas as inverdades, que qualquer um poderia desmoraliza-lo... mas ele é o demônio, é ousado em suas ações manipuladoras.
Ameaçava e fez isso comigo, de apresentar de 40 a 50 testemunhos para desdizer "quem ousasse falar mal da clínica dele", que, em ato falho dele, disse, em reunião, ser a clínica dele "das PIORES a melhor", pois o quartinho do pânico dele diferia das demais, explicava o motivo.
Nos meus últimos dez dias as coisas estavam desandando pro lado dele. Um monitor saiu na porrada com um terapeuta, que ensina que não se deve perder o controle, mas perdeu. Em reunião o mesmo confessou seu erro e disse, que naquele momento, o da briga, ele havia retomado a vida dele das mãos de Deus e por ai foi se explicando. Era um cara competente, mas sem recursos pedagógicos.
Não havia na clínica um quadro de funcionários e os reclusos era aproveitados para realizar o trabalho dos profissionais habilitados devidamente. Viravam GAP´s, auxiliares de cozinha...  Ele era econômico e optava atribuir funções de funcionários para ex usuários de crack, que ele próprio desqualificava em reuniõs. Se contratação, carteira de trabalho assinada, pagamento de salário, ou alguma promessa desconhecida, não posso afirmar, mas os reclusos de muito mais tempo diziam: - porra nenhuma, não paga nada a ninguém. É tudo trabalho escravo!

Estava, então, imaginando como seria o meu encontro com a família, com a esposa e com dois filhos e, face a um pedido especial que fiz, com meu pai. Ele era essencial a minha libertação vez que eu já estava convencido de que minha família nuclear estava em conluio com o pastor. Tal visita aconteceria no dia doze, mas não aconteceu. Dia seguinte, nada. Já estava imaginando que o pastor havia cortado minha visita. Na terça feira eu já estava meio desesperançado, pois não fui avisado de que teria visita. Perto do meio dia, de uma terça-feira, dia 14/06, fui chamado pois minha visita havia chegado. De longe vi meu pai, minha filha, mue segundo filho, o primeiro já se encontrava com o pastor. Surpreso verifiquei a ausência da esposa, que não compareceu à visita, não mandou justificativa e, dias após ter sido libertado, descobri, por conta própria, que a mesma havia abandonado o que eu denominava como sendo um resto de lar. Nunca mais deu notícias. Nunca telefonou, ao menos, para queixar-se de mim, para dizer que cansou, que esgotou a paciência. Nada. Simplesmente foi-se embora e, hoje, vive no interior. O que aconteceu eu não quis saber, pouco me importam os motivos e racionalizações dela. O silêncio é significativo e mais que isso, denota incivilidade, desrespeito, desconsideração, desumanidade e, sobretudo covardia. Que conviva o resto dos seus dias com sua consciência, com sua própria desonestidade, com a trama que me conduziu ao estado de São Paulo para me deixar trancafiado. O pastor comunga a mesma religião que ela abraçou e que a família dela pertence. Os filhos precisam acreditar muito nela, é imperativo. Mãe é mãe. Mãe é perfeita. Toda mãe é boa e infalivél. Verdadeiras heroinas. A sindrome do São João e a sindrome do Natal sempre levaram ela a fugir, a brigar, a arrumar pretextos para as sucessivas fugas empreendidas, sempre racionalizadas e justificadas com uma série de acusações que sempre foram aceitas pelos filhos moderninhos. Foi melhor assim. Foi melhor pra mim, ao menos estou livre de mais uma droga e, como já disse, estou na tolerância zero, sem chance para as drogas, sem chances para recaídas e sem chances para ela. Que fique com suas mentiras e as leve para a sepultura, lugar comum a todos os mortais. Aquela clínica, nunca mais. Aos filhos, aquele abraço.

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