quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Vai ficar nessa, é? então, tá !


ELIMINAR A AUTOPIEDADE
[TEXTO DO LIVRO "VIVER SÓBRIO"]

Esta emoção é tão feia que ninguém, em seu juízo perfeito, quer admitir que a sente. Mesmo sóbrios, mantemo-nos prontos a esconder de nós mesmos o fato de estarmos metidos numa trama de autopiedade. Absolutamente não gostamos que alguém a perceba (e nos chame a atenção) e rispidamente argumentamos que se trata de outra emoção – não esse abominável “pobre-de-mim”. Ou podemos, num segundo, encontrar uma boa dúzia de motivos para, de algum modo, sentirmos pena de nós mesmos.

A agradável sensação familiar de sofrimento continua suspensa sobre nós muito tempo depois da desintoxicação. A autopiedade é um pântano traiçoeiro. Afundar nele exige muito menos esforço do que a fé, a esperança ou a simples ação.

Os alcoólicos não são os únicos assim. Todo mundo que se lembre de uma dor ou doença na infância provavelmente poderá lembrar-se também do alívio que sentia quando se lamentava e da mórbida satisfação de rejeitar qualquer consolo. Quase todo ser humano, em certas ocasiões, poderá identificar-se com o lamento infantil: “Deixe-me em paz!”.  


Uma das formas em que a autopiedade se manifesta em alguns de nós logo que paramos de beber é: “Pobre de mim!!! Porque não posso beber como todo mundo?” (Todo mundo?) “Porque isso tinha que acontecer justamente comigo? Porque eu tinha que ser alcoólico? Porque eu?

Tais pensamentos são um ótimo ingresso para o bar, pouco mais que isso.

Lamentar-se por essa pergunta irrespondível é como chorar por termos nascido nesta era e não em outra, neste planeta em vez de noutra galáxia.

É claro que não é só “comigo” que isso acontece, em absoluto! – é o que descobrimos quando começamos a conhecer alcoólicos recuperados do mundo inteiro.

Mais tarde compreendemos que começamos a fazer as pazes com essa pergunta. Quando realmente acertamos nosso passo numa recuperação agradável, ou podemos achar a resposta ou perder o interesse em procura-la. Você saberá quando isso lhe acontecer. Muitos de nós cremos já fazer idéia das causas prováveis de nosso alcoolismo. Mas, mesmo que não a façamos, permanece a necessidade muito mais importante de aceitar o fato de não podermos beber e agir nesse sentido. Sentarmos em nossa poça de lágrimas não é ação muito eficiente.

Certas pessoas mostram verdadeira paixão de colocar sal em seus próprios ferimentos. E uma proficiência feroz neste jogo inútil que freqüentemente sobrevive ao nosso tempo de bebedeira.

Podemos também apresentar um estranho talento para transformar um pequeno aborrecimento num universo inteiro de tristeza. Quando recebemos uma conta de telefone muito alta – só uma – queixamo-nos de estar constantemente devendo e declaramos que isso nunca, nunca vai acabar. Quando um suflê murcha, dizemos que isso prova que nunca pudemos fazer e jamais faremos nada certo. Quando recebemos o novo carro, dizemos: “Com a sorte que eu tenho, isso vai ser...”.

Se terminou a frase com aquele palavrão, você é dos nossos.

É como se levássemos às costas um saco cheio de lembranças desagradáveis, tais como as rejeições e as mágoas da infância. Vinte ou mesmo quarenta anos após, ocorre um revés ligeiramente parecido que vem juntar-se aos antigos. Eis a deixa para sentarmos, abrirmos o saco, retirar e acalentar, um a um, todos os velhos contratempos e contrariedades. Numa recapitulação emocional completa, revivemos intensamente cada episódio, corando de vergonha com os embaraços da infância rangendo os dentes de raivas antigas, reexpressando velhas discussões, tremendo por causa de um medo quase esquecido ou quase chorando por causa de uma longínqua decepção amorosa.

Esses são casos bastante extremos de pura autopiedade, mas que podem ser reconhecidos por qualquer um que já tenha tido, visto, ou querido mergulhar numa crise de lamentações. Sua essência é a total auto-absorção. Podemos ficar tão estridentemente interessados em mim-mim-mim que virtualmente perdemos o contato com alguém mais. Não é fácil agüentar uma pessoa que age assim, a não ser uma criança doente. Dessa maneira, quando caímos no pântano do “pobre-de-mim”, tentamos ocultar o fato, principalmente de nós mesmos. Essa não é a forma, porém, de sair dele.

Pelo contrário, precisamos sair da auto-absorção, parar e examinar-nos com toda honestidade. Se reconhecermos autopiedade pelo que quer que seja, podemos começar a fazer algo a respeito, menos beber.

Os amigos podem ajudar bastante, caso estejam suficientemente perto para podermos conversar. Eles podem distinguir a nota desafinada de nossa canção de mágoas a alertar-nos para ela. Ou nós mesmos podemos distingui-la; começamos a organizar nossos sentimentos simplesmente expressando-os em vos alta.

Outra arma excelente é o humor. Algumas das melhores gargalhadas em reuniões de A.A. explodem quando um membro descreve sua última orgia de autopiedade, e nós, os ouvintes, vemo-nos refletidos num espelho mágico. Aí estamos nós – homens e mulheres adultos – envolvidos em fraldas. Talvez seja chocante, mas a risada geral elimina muito a dor, e o efeito final é salutar.

Quando sentimos começar a autopiedade, podemos agir contra ela com uma rápida contabilidade. Para cada lançamento de tristeza na coluna do débito, encontramos uma benção para lançar na coluna do crédito. Quanta saúde temos, quantas doenças não temos, quantos amigos queridos, o tempo tão bonito, a comida gostosa, os membros perfeitos, a bondade que damos e recebemos, as 24 horas de sobriedade, uma boa hora de trabalho, uma boa leitura e muitos outros itens podem ser acrescentados para ultrapassar os registros do débito que causam auto-piedade.

Podemos usar o mesmo método para combater a melancolia de certas datas, que não são exclusivamente dos alcoólicos.

O Natal, o Ano Novo, o dia do aniversário e outros podem atirar pessoas no brejo da autopiedade. No A.A. aprendemos a reconhecer a antiga inclinação para nos concentrarmos na tristeza nostálgica ou para fazer uma ladainha por quem já partiu, por quem já não se lembra de nós, pelo fato de contribuirmos com tão pouco em comparação com os ricos. Em vez disso, registramos mais na outra parte do livro, agradecendo pela saúde, pelos entes queridos que nos rodeiam e por nossa capacidade de altruísmo, agora que vivemos sóbrios. Assim, novamente, a coluna do crédito sobressai.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

soporhoje10@gmail.com

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...