domingo, 28 de agosto de 2011

A memória que não quero

Muita gente me sugere que escreva sobre fatos que me ocorreram enquanto adicto na ativa, mas o que  quero não é lembrar, ficar recordando o que passou. Não existe nada de interessante no mundo de um drogadicto. Nada, absolutamente nada. 

Tudo é triste e desprezível. Evidente que há um lado humano que frutificou durante esse período de experimentação. Uso esta palavra porque não creio que meu objetivo fosse o de me deixar prender como um escravo das drogas, mas como alguém que, movido pelo poder destrutivo, porquanto ciente de todos os males que a droga seria capaz de produzir, em função do uso, resolveu conhecer este outro lado da vida, este outro lado desumanizado que existe em nós, como uma cidade fantasma, como uma obra inacabada, como um terreiro dominado por ervas daninhas, como o solo rachado do sertão seco e agreste, como um mundo despovoado. 

Existe em nós um mundo tão fantástico que poderíamos chama-lo de paradisíaco, mas existe um outro lado do nosso cérebro que ainda não clareou e que permanece em nós como uma zona escura, onde parece só haver inverno. Não que eu não seja capaz de ver beleza no inverno, porque existe beleza nos raios e nos trovões, além do medo que infundem, e em tudo mais que nos desperte bons sentimentos, mas me refiro ao lado devastador do inverno, que traz consigo marcas indeléveis de destruição. Há em nós um território inexplorado, como áreas desconhecidas do cérebro que precisam ser melhor exploradas. 

Não me queiram mal pois pensar no que passei nada edificará e não pretendo escrever nada que fortaleça este território do mal. Nós existimos para sermos felizes e para construirmos uma civilização verdadeiramente humana e os doze passos, para mim, é como estar ocupando os vazios desse território até então desconhecido, cheio de ferocidade, fincando bandeiras brancas e levando ao mesmo uma mensagem de esperança, paz, amor, amizade, fraternidade, solidariedade e igualdade. Isso dentro de nós, sem esquecermos que, fora de nós também existem muitas coisas que merecem nossa atenção e compreensão. 

Dentro de nós precisamos de ingredientes que nos dão a certeza de que é possível realizar boas mudanças, mas o que esta fora faz parte de uma cultura milenar sedimentada, que exige muito de todos nós, que depende de uma mudança coletiva, mas que só será alcançada mediante um trabalho de lapidação interior, que depende de uma aprendizagem individualizada e de um novo despertar espiritual. 

Enquanto alienado poderia imaginar que me ocorreram coisas boas, mas prefiro ver o que resta de lembrança considerada "boa" como algo fictício, fruto da imaginação alucinada. O que quero saber é do que me restou de humano e o que devo fazer para, dia a dia, ser o mais humano possível, deixando o que é ruim numa lixeira que precisa ser limpa e esvaziada pelo esquecimento, além de buscar esquecer que um dia usei drogas, que frequentei lugares e convivi com determinadas pessoas, talvez isso possa me ajudar a viver como se este mundo auto-destrutivo  nunca tivesse existido. 

Sim, sei que é impossível, mas preciso me anistiar e me perdoar, além de tantas outras coisas que deverei fazer, pelo meu próprio bem e pelo bem da humanidade. Não sou contra quem pretende escrever suas memórias. Gostaria de ler. Quanto a mim, pessoalmente, não quero lembrar de nada que me faça mal. Tenho evitado pessoas, mediante julgamentos subjetivos, mas são pessoas que, ainda que não queiram, me causam mal estar, então devo evita-las. Isso não significa que devo desmerecê-las.

No mais eu quero seguir vivendo e sei que pessoas precisam de pessoas, que sozinho não posso, mas que alguém pode me ajudar se eu me permitir e esta concessão já fiz, sob forma de decisão, pois entreguei minha vida e minhas vontades a Deus e nele confio meu futuro rogando que me livre de todo mal, sempre.

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