A reforma, por Andrea Dip
o movimento anti manicomial nasce no Brasil nos anos 70 com o pressuposto de que um lugar que é feito para excluir pessoas consideradas "fora do padrão" é irreformável e não pode tratar ou curar, principalmente por se pautar pela vigilância, pela ideia da custódia, da disciplina."O manicômio não é humanizável.Ele é feito para alguém 'incapaz e perigoso'. É uma casa de correção, assim como a penitenciária, o reformatório. Você priva aquele que não se comporta bem de comer, por exemplo.
Então,você premia quem não é louco,e pune quem se comporta mal,que é quem precisa de cuidados", diz Paulo Amarante.
Mas quem é louco? "Encarcera-se a subjetividade de alguém, tira-se essa pessoa do convívio familiar e social e usa-se dos piores métodos possíveis para que esse louco' pare de ter comportamentos que a sociedade considera indigestos. Duas grandes questões associadas à doença mental são a periculosidade e a incapacidade.
Isso precisa ser desconstruído culturalmente", diz Patricia Villas Boas, mestre em psicologia social pela USP e uma das coordenadoras do Fórum Paulista de Luta Anti manicomial.
Tal discussão não é nova. Freud,Jung, Winnicott e outra porção de psiquiatras pensadores, em épocas diferentes, já tentavam entender o homem como ser social, que a família, a cultura e os acontecimentos vividos podem influenciar, ou até desencadear algum tipo de doença mental. Winnicott, por exemplo, dizia que as doenças psíquicas, principalmente as mais graves,tinham a ver com perturbações que ocorreram durante a fase inicial da formação do psiquismo,quando o meio ambiente da criança é constituído pelas relações familiares; e que a"loucura"pode ser aproveitada se expressa através das artes e da música,por exemplo.
Mas foi o italiano Franco Basaglia o precursor da reforma psiquiátrica no mundo. É dele a ideia de que o manicômio não é humanizável.Para Basaglia,o sujeito acometido da loucura possuía outras necessidades das quais a psiquiatria sozinha não daria conta.
Se criticava a postura tradicional da cultura médica,que transformava o indivíduo e seu corpo em meros objetos de intervenções clínicas. "A loucura é condição humana. Em nós,a loucura existe e é presente, tanto quanto a razão. O problema é que a sociedade, para se dizer civil, em vez de aceitar tanto a razão quanto a loucura, inventa a psiquiatria para tratar a loucura com a intenção de eliminá-la", dizia. A lei da reforma psiquiátrica foi aprovada na Itália em 13 de maio de 1978, e basicamente desvinculava a ideia de doença mental da periculosidade e estabelecia a extinção dos manicômios.
Basaglia morreu pouco depois,no começo dos anos 80. Mas veio ao Brasil a tempo de concluir que nossos manicômios eram verdadeiros campos de concentração". Foi inspirado na reforma italiana que, em 1989, o deputado Paulo Delgado(PT), hoje coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde,lançou um projeto de lei que propunha serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. Doze
anos depois,em 2001, foi aprovado um substitutivo, do então senador Sebastião Rocha(PDT-AP): a lei 10.216. Essa versão não obriga ao fechamento dos manicômios nem à desvinculação da loucura da ideia de periculosidade e incapacidade. "Essa arte foi excluída. Eram as duas questões mais importantes. Os hospitais foram mais fortes", lamenta a psicóloga Maria Cristina Lopes.
A rede de trabalhos substitutivos, para diminuição dos leitos nos hospitais. consiste basicamente em oferecer Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) pequenos ambulatórios nos bairros, com enfermeiros, psiquiatras, psicólogos assistentes sociais,que ofereçam tratamento contínuo e individualiza residências terapêuticas -casas para pacientes crônicos, ou que precisem de atenção 24 horas por dia, centros de convivência e cooperativas, atendimento em postos de saúde e emergência em hospitais gerais. Essa rede seria o modelo ideal, se não dependesse da boa vontade de médicos,psiquiatras, funcionários e hospitais, familiares, políticos e principalmente da transferência de recursos dos manicômios. Segundo Delgado, hoje existem 750 CAPS no país. Mas os profissionais dizem que é muito pouco para atender a demanda. "Chegamos a atender 70.000 pessoas aqui no Instituto de Psiquiatria", diz Dei Sant. "E, quando mandamos o paciente procurar o CAPS do bairro para continuar o tratamento, ele volta dizendo que não tem profissionais. "Nisso concordam todos que estão envolvidos com as doenças mentais. Do Instituto de Psiquiatria às psicólogas do movimento anti manicomial e a Paulo Amarante. E intriga o fato de a rede ser muito mais barata do que a manutenção do modelo hospitalocêntrico, quando 63 por cento das verbas da saúde ainda vão para os hospitais e apenas 36 por cento para os trabalhos substitutivos.
Texto de Andrea Dip, que é jornalista, extraído de CIDADE DOS ESQUECIDOS.
E-mail andreadip@carosamigos.com.br
Colaboraram Marília Melhado, Austregésilo Carrano e Fórum Social de Luta Antimanicomial de São Paulo.
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