Seattle, Washington
Abril de 1994 - maio de 1999
"Give me a Leonard Cohen Aftworld, so I can sigh eternally"
[Dêem-me um além Leonard Cohen para que eu possa suspirar eternamente.]
De "Pennyroyal Tea".
NA MANHÃ DE SEXTA-FEIRA, 8 de abril, o eletricista Gary Shith chegou ao número 171 do Lake Washington Boulevar. Smith e vários outros vinham trabalhando na casa desde quinta-feira, instalando um novo sistema de segurança. A policia passara duas vezes por lá e pedira aos trabalhadores que a avisasse caso Kurt aparecesse. Às 8h 40 da sexta-feira, Smith estava perto da estufa e olhou para dentro dela. "Eu vi um corpo estendido lá no chão", contou ele depois para um jornal. "Pensei que fosse um manequim. Depois notei que havia sangue na orelha direita. Vi uma espingarda estendida ao longo de seu peito, apontando para o seu queixo." Smith ligou para a policia e, em seguida, para sua empresa. Um amigo do plantonista da empresa incumbiu-se de avisar a emissora de rádio KXRX. "Ei, caras, vocês vão ficar me devendo uns bons ingressos para o Pink Floyd por isso", disse ele ao Dj Marty Riemer.
A policia confirmou que o corpo de um jovem havia sido encontrado na casa dos Cobain e a KXRX divulgou a noticia. Embora a policia ainda não o tivesse identificado, os primeiros boletins noticiosos
especulavam que se tratava de Kurt.
Após vinte minutos, a KXRX recebeu um telefonema choroso de Kim Cobain, que se identificou como irmã de Kurt, e perguntou, furiosa, por que eles estavam transmitindo um boato tão falacioso. Disseram a ela que ligasse para a policia. Kim ligou e, depois de ouvir a noticia, ligou para sua mãe. Um repórter do Aberdeen Daily World logo apareceu na porta da casa de Wendy.
Sua declaração seria passada para a Associated Presss e reproduzida no mundo inteiro: "Agora ele se foi e entrou para aquele clube estúpido. Eu disse a ele para que não entrasse para aquele clube estúpido". Ela estava se referindo coincidência de que Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt haviam morrido aos 27 anos de idade. Mas uma outra coisa que sua mãe havia dito não era noticiada em nenhum outro jornal — embora nenhum pai que tenha ouvido a noticia da morte de Kurt precisasse lê-la para saber da perda que ela sofrera. Ao final da entrevista, Wendy disse sobre seu único filho homem: "Eu nunca mais vou abraça-lo novamente. Não sei o que fazer. Não sei para onde ir".
Don ficou sabendo da morte do filho pelo rádio — ele estava arrasado demais para conversar com repórteres. Leland e Íris souberam pela televisão. Íris teve de se deitar depois da notícia — ela não sabia se o seu coração debilitado poderia suportar aquilo.
Enquanto isso, em Los Angeles, COurtney havia se tornado paciente do Exodus, depois de ter se internado na quinta-feira á noite. Na mesma quinta-feira ela havia sido detida no hotel Península depois que a policia chegou ao seu "Quarto sujo de vômito e sangue" e encontrou uma seringa, um bloco de receituário em branco e um pequeno pacote que eles acreditaram tratar-se de heroína (verificou-se que a substância eram cinzas de incenso hindu).
Depois de ser libertada mediante uma fiança de 10 mil dólares, ele se registrou para um tratamento como paciente internada, desistindo da desintoxicação em hotel.
Na manhã da sexta-feira, Rosemary Carroll chegou ao Exodus. Quando Courtney viu a expressão no rosto de Rosemary, soube da noticia antes mesmo de ouvi-la. As duas mulheres finalmente se entreolharam durante vários minutos em total silêncio até que Courtney proferiu uma única pergunta; "Como?" Courtney saiu de Los Angeles num Learjet com Frances, Rosemary, Eric Erlandson e a babá jackie Farry. Quando chegaram á casa do lago Washington, ela estava cercada por equipes dos telejornais, que colocaram lonas sobre a estufa para que a mídia não ficasse espiando o que havia lá dentro.
Antes que os toldos fossem armados, o fotógrafo Tom Reese do Seattle Times tirou algumas fotos da estufa através de um buraco no muro. "Eu achei que poderia não ser ele", lembra Reese, "Pois podia ser qualquer um. Mas quando vi o tênis, eu soube." A foto de Reese, que saiu na primeira página do Seaatle Times de sábado, mostrava o que se via pelas portas francesas, ou seja, metade do corpo de Kurt — sua perna direita, o tênis e seu punho cerrado junto a uma caixa de charutos. Naquela tarde, o legista de King County emitiu uma declaração confirmando o que todos já sabiam:
"A autópsia demonstrou que Cobain morreu de um ferimento de tiro de espingarda em sua cabeça e neste momento o ferimento parece ter sido auto-infligido". O dr. Nikolas Hartshorne fora quem realizara a autópsia — a tarefa foi particularmente comovente porque outrora ele havia promovido uma apresentação do Nirvana na faculdade. "Na época relatamos ferimento de tiro de espingarda "aparentemente" auto-infligido porque ainda queríamos colocar todos os pingos nos is", lembra Hartshorne.
"Não havia absolutamente nada que indicasse que se tratava de alguma coisa diferente de um suicídio." No entanto, devido a atenção da mídia e da celebridade de kurt, a policia de Seattle apenas concluiu a
investigação depois de quarenta dias e passou mais de duzentas horas entrevistando os amigos e a família de Kurt.
Apesar de rumores em contrário, foi possível identificar o cadáver como sendo de kurt, embora seu aspecto fosse macabro: as centenas de bolinhas de chumbo do cartucho de espingarda haviam expandido sua cabeça e o haviam desfigurado. A policia retirou digitais do corpo e as impressões correspondiam aquelas já arquivadas no caso da prisão por violência doméstica. Embora uma análise posterior da espingarda concluísse que "quatro fichas de impressões latentes levantadas não contêm nenhuma impressão legível", Hartshorne disse que as impressões na arma não eram legíveis porque esta teve de ser retirada á força da mão de Kurt depois que se instalara o rigor mortis. "Eu sei que suas impressões digitais estão lá, porque ele estava com a arma na mão", explica Hartshorne. Determinou-se que a data da morte foi o dia 5 de abril, embora possa ter sido 24 horas antes ou depois disso. Muito provavelmente. Kurt já estava morto na estufa enquanto várias buscas ocorriam no prédio principal da residência.
A autópsia encontrou traços de benzodiazepinas (tranqüilizantes) e heroína no sangue de Kurt. O nível de heroína encontrado era tão alto que mesmo Kurt — famoso pela enorme quantidade que tomava — não poderia ter sobrevivido por muito mais tempo do que o que levou para disparar a arma.
Ele havia lavrado um feito bastante notável, embora portasse semelhanças com os de seu tio Burle (tiros na cabeça e no abdome) e os de seu bisavô James Irving (que se esfaqueara no abdome e depois rasgara os pontos): Kurt conseguiria se matar duas vezes, usando dois métodos igualmente fatais.
Courtney estava inconsolável. Insistiu para que a policia lhe desse o casaco de veludo manchado de sangue de Kurt, que ela vestiu. Quando os policias finalmente deixaram o local, e com apenas um guarda de segurança como testemunha, ela reconstituiu os últimos passos de Kurt, entrou na estufa — que ainda tinha de ser limpa — e mergulhou as mãos em seu sangue no chão, ajoelhada, ela rezou, uivou e gemeu de dor, ergueu as mãos cobertas de sangue para o céu e gritou "Por quê?". Ela encontrou um pequeno fragmento do crânio de Kurt com cabelo preso a ele. Ela lavou e passou xampu nesse horripilante suvenir. E depois começou a pagar sua dor com drogas. Naquela noite, ela vestiu várias camadas de roupas de Kurt — elas ainda tinham o seu cheiro. Wendy chegou, e mãe e nora dormiram na mesma cama, agarrando-se uma á outra durante a noite.
No sábado, 9 de abril, Jeff Mason foi incumbido de levar Courtney até a agência funerária para ver o corpo de Kurt antes de ser cremado — ela já tinha solicitado que fossem feitos moldes de gesso de suas mãos. Grohl também foi convidado e declinou do convite, mas Krist compareceu, chegando antes de Courtney. Ele passou alguns momentos a sós com seu velho amigo e desatou a chorar. Quando ele saia, Courtney e Mason foram introduzidos na sala de inspeção. Kurt estava sobre uma mesa, vestido com suas roupas mais elegantes, mas seus olhos tinham sido costurados. Era a primeira vez em dez dias que Courtney viu o marido e foi a última vez que seus corpos físicos ficaram juntos. Ela acariciou seu rosto, falou com ele e cortou uma mecha de seus cabelos. Depois, baixou as calças dele e cortou uma mecha de seus pêlos púbicos — seus adorados púbicos, os pelos que ele esperara por tanto tempo quando adolescente, de algum modo precisavam ser preservados. Finalmente, ela subiu em cima de seu corpo, abraçando-o com as pernas e recostou a cabeça em seu peito e lamentou: "Por que? Por quê? Por quê?".
Naquele dia os amigos tinham começado a chegar para confortar Courtney e muitos trouxeram drogas, que ela ingeria indiscriminadamente.
Entre as drogas e seu pesar, ela estava uma calamidade. Os repórteres telefonavam a cada cinco minutos e, embora ela não tivesse muito em condições de falar, de vez em quando atendia ás ligações para fazer perguntas, não para respondê-las: "Por que Kurt fez isso? Onde ele esteve na semana passada?". Como muitos amantes enlutados, ela se concentrava nos detalhes minúsculos para se desviar de sua perda. Ela passou duas horas ao telefone falando com Gene Stout, do Seattle Post-Intelligencer, ponderando essas cismas e declarando: "Eu sou durona e posso agüentar tudo. Mas não
posso agüentar isto". A morte de Kurt ganhou a primeira página do New York Times e dezenas de repórteres de televisão e jornais desembarcaram em Seattle, tentando cobrir uma matéria em que poucas fontes falariam com a mídia. A maioria deles enviava artigos opinativos sobre o que Kurt significava para uma geração. O que mais se poderia dizer?
Era preciso organizar um funeral. Susan Silver da Soundgarden tomou a iniciativa e marcou um culto reservado em uma igreja e, simultaneamente, uma vigília pública á luz de velas no Seattle Center.
Naquele fim de semana, uma lenta procissão de amigos chegou á casa do lago Washington — todos pareciam com neurose de guerra, tentando encontrar explicações para o inexplicável. Para aumentar o seu pesar havia o desconforto físico: na sexta-feira, quando Jeff Mason chegou, encontrou o tanque de óleo completamente seco. Para aquecer a enorme residência, ele começou a enviar limusines para comprar lenha da Safeway. "Eu estava quebrando cadeiras porque a lareira era o único meio de aquecer a casa", lembra ele. Courtney estava no quarto do casal no andar de cima, embrulhada em camadas de roupas de Kurt, gravando uma mensagem para ser apresentada na celebração pública.