terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

"Ninguém morou, na dor que era o seu mal. A dor da gente não sai no jornal"


Na ressocialização, dei uma saída. Passava por um local em que os párias da sociedade se juntam..

Interessante observar que os grupos de adictos se formam conforme as drogas que utilizam. Os estigmas existem entre eles próprios, além dos que são oriundos do meio social, ou da sociedade. Isso os conduz  a se juntarem, pois assim sentem-se melhor ambientados e protegidos. Em "casa"!

É chato observar que os estigmas existem entre os próprios usuários. Isso mesmo, o alcoólico tolera o adicto cruzado, mas não o aceita; o pessoal do "branco" discrimina canabianos, que por sua vez rotulam os craqueiros e por ai eles caminham. São tortos falando de aleijados.

Mas eu passava exatamente por um local em que os craqueiros batiam papos "eloquentes", "filosóficos". Tinha um cara com uma garrafa de cachaça na mão e uma mulher desgrenhada, que brigava com ele para tomar a tal garrafa. Ela gritava: mê dê essa porra logo, vamos! Intimava.  Ele, naquela desconjunção típica dos aflitos, não reagia, apenas segurava a caninha dele que ela queria tomar na marra. Parecia que iriam entrar em luta corporal. O cara apanhava e eu dizia comigo mesmo, que mulher drogada corajosa, apesar de muito barraqueira e escandalosa! Será que não tem medo de tomar um chega pra lá? Qual nada, ela sabia o que estava fazendo e os outros adictos eram meros espectadores, unidos na fraqueza

Olhava a mulher e dizia comigo mesmo: como é deprimente estas situações pelas quais já passei. É tão parecido, ou são tão parecidas as mulheres em desespero de causa, com suas respectivas insanidades. 

"Loucas, pelas ruas da cidade elas andavam" e eles também, ou melhor, nós, também!

Só que aquela mulher que agredia o homem, sem ser agredida, que rasgava a camisa dele e o esganava e demonstrava uma valentia fora do normal, parecia uma craqueira. Confesso que pensei que fosse, mas não era. Percebi isso quando ela disse: - ou você larga esta merda, ou não entra mais lá (no lar, evidentemente). 

E aos gritos histérios dizia: - Nem pense mais em voltar ! 

Pensei: só poderia ser a louca de uma esposa possuída e surtada. Naquela cena ela era como minha mulher, de tão parecidas que eram. Ele desajeitado, resistia perante os companheiros de copo e de cruz. Mantinha-se altivo, mas era indisfarçável o constrangimento dele, o abatimento moral que ele buscava disfarçar. 

Aquela mulher, que parecia estar drogada, era a esposa do sujeito que não largava a garrafa. Ele só se defendia o protegia a droga dele, que naquele momento era o álcool. Ela só queria o bem dele! 

Olhei aquela mulher e vi a minha, cometendo as mesmas loucuras. Elas até se pareciam fisicamente. Estava descuidada, descabelada, com seus cabelos lisos. A fisionomia revelava uma beleza castigada pelas amarguras e decepções e, creio, foi isso que me levou a querer ver o desfecho final da cena. Ela era uma esposa como outra qualquer, de um adicto.

Era apenas uma esposa, codependente que, perdoem-me, me fez rir da cena tragí-cômica. Aquilo era a representação do mundo cão de ambos os lados da insanidade do casal desajustado pela droga. Perdoem-me, mas tive que rir, ao lembrar que passei por semelhantes situações e porque via  nela a minha própria mulher, que continua fera e é muito louca. Não tá sarada não. Me aprontou uma muito louca em local fortemente movimentado. Eu morria de vergonha. Ela surtou, por um pequeno aborrecimento. E eu absolutamente sóbrio. 

Codependente que não se cuida é capaz de ver droga até em muriçoca perdida na noite. Uma picada desses pernilongos pode dar a impressão de  "pico" na veia e dai nasce uma nova cantilena dolorosa.

Deus nos acuda a todos! 



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