segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Manipulações


Pediram-me para que escrevesse algo sobre a adicção e a manipulação. Pretendo falar sobre o assunto de modo tangencial, sem verticalizar o conhecimento enquanto tentarei desmistificar o mito de que só os adictos são manipuladores.

A adicção é uma doença física, mental e espiritual que afeta "todas as áreas de nossas vidas". No plano físico caracteriza-se pelo uso compulsivo de drogas e o descontrole. No aspecto mental ela se apresenta como uma obsessão, ou um desejo incontrolável, que impulsiona o ser humano adoecido ao uso, mesmo sabendo das implicações que tal uso causa à própria saúde. No plano espiritual ela vem carimbada pelo egocentrismo, que não deve ser confundido com egoísmo. 

O adicto é portador de uma doença, não de uma deficiência moral, é bom que se ressalte. Ele não é responsável pela doença, pois ninguém pede para ser adicto, como ninguém pede para ser cardiopata, diabético, ou portador de outras disfunções orgânicas. O adicto é responsável pela sua recuperação, se assim quiser compreender.

Quando familiares descobrem que possuem um ser humano preso nas garras da adicção, há um choque que pode levar os menos informados a assumirem posturas agressivas, repressivas, policialescas e injustas. Também pode vir associada a um questionamento clássico que se resume em uma indagação: - Onde foi que errei, ou onde foi que erramos? 

A visão social que se tem das drogas e do usuário é tão louca, que o usuário é desumanizado, demonizado, excluído, rejeitado e visto como um ser nocivo à sociedade. Essa visão social é tão louca que a droga, que não é humana, faz com que o seu utilizador seja desumanizado de modo impiedoso. O que posso dizer é que, o usuário nos tempos atuais, guardadas as devidas proporções de tempo e espaço, representa o mesmo drama vivido por um leproso nos tempos de Cristo. Assista Ben Hur e tente fazer uma analogia. Não é nada construtiva, ou edificante, essa visão social que está associada a inúmeras deformações, fruto, quase sempre, da ignorância e da desinformação e de preconceitos arraigados. Há casos em que é uma visão maldosa, infame, injuriosa e difamante, que visa atingir a reputação alheia. Acrescente-se a tudo isso as fofocas, as futricas, intrigas além das versões distorcidas de fatos reais, que ganham corpo e proporção de verdade. Nascem boatos e por ai prosseguem as inverdades de todos os tipos. Adicto sofre!

A família nunca se julga disfuncional, ou desestruturada, pouco importa. Mas o fato é que a mesma fica entristecida, envergonhada, desapontada, com o seu inusitado "foco" de problema. Muitas vezes busca tapar o sol com a peneira. Há uma forte inclinação em querer negar a realidade, e reluta em admitir o que a sociedade encara como uma chaga. A família teme a repercussão do fato de ter um membro usuário, ou dependente químico. Nasce um novo tipo de culpa e vergonha, que brotam e afloram sob o manto hipócrita de falsos valores, frutos de preconcepções, estigmas e rotulações que impregnam o meio social adoecido e desinformado. temos que aceitar que a sociedade, marcada por desigualdades, desinformada e manipulada, acaba adoecendo, torna-se injusta e por essas e outras é uma sociedade doentia. 

Há famílias que se revelam tão despreparadas que se revelam confusas, frustradas e nocauteadas, e terminam desertando da luta de resgatar a vida da sua "ovelha desgarrada", se quisermos enfocar a questão sob uma ótica cristã. Desiludidos e desesperançosos, familiares jogam a toalha nos primeiros "rounds" e acabam pondo um ser adoecido no olho da rua. Eis ai o como nascem os guetos dos desamparados, dos abandonados e desassistidos, que podemos resumir o seu novo lar como sendo uma espécie de cracolândia. 

Outras famílias deixam-se conduzir pelos enfoques midiáticos, fruto de um sensacionalismo abominável, que só agrava o problema e acaba transformando uma questão social, em uma questão irracional. A insanidade, que parecia ser, meramente, do adicto se revela nos bate-papos e rodas sociais; ganha corpo nos meios de comunicação, corporifica-se no seio das famílias e o mal ganha uma proporção amplificada da realidade amaldiçoada. Eis que surgem em cena os salvadores da Pátria, prometendo mundos e fundos; clínicas passam a explorar o um universo rentável. Recuperação vira negócio, um novo mercado de compra e venda. Nascem os cemitérios de vivos! Codependentes montam clínicas, enquanto outros vão apresentar programas de rádio e TV. 

Diante desse quadro alarmista que se cria, podemos observar que o adicto, mestre em manipulações, é o elo mais fraco dentre todos os manipuladores. Uns manipulam a opinião pública, outros as famílias e quase ninguém observa o novo comércio que se desenvolve paralelamente com o tráfico. Unha e carne unidos pela desgraça alheia, infelizmente. Deputados, mestres em manipular, acabam sendo manipulados e passam a assumir posturas pouco dignificantes e retrogradas. Adotam uma visão conservadora ainda mais agravada e deformada e o eleitor se deixa levar, nessa cadeia estonteante de manipulações. Também é bom que se diga que existe ordem no caos. A família adoecida também passam a atuar como manipuladora e,diante deste triste quadro social, a insanidade prospera e agiganta-se e os manipuladores, de modo geral, acabam convergindo, de modo nocivo, contra o usuário de droga. Seres humanos doentes são tratados na base da porrada, castigos e até de execuções sumárias. E se o tráfico fosse legalizado e normatizado do mesmo modo que o álcool e o tabaco? Bem, esse é um outro papo.

Quem assiste este triste espetáculo, no deprimente show da vida, vai poder perceber as distorções e deformações, além de interesses escusos; Engolimos as "faxinas e higienizações" de humanos, retirados de um campo e concentrados em outros, longe das vistas da imensa plateia que aplaude a insanidade, tipicamente nazistas.

Chato constatar a postura de certos governantes e até de membros do judiciário, que buscam mascarar a realidade, visando esconder da opinião pública a sua incapacidade e incompetência em solucionar problemas humanos e que, por serem humanos, mereceriam um tratamento condizente, visto que adictos não são um problema de policia, mas uma questão de saúde. Nesse embalo a verdade fica comprometida e acaba sendo manipulada. Mussolini deve fazer festa no inferno, assistindo chamarmos o "Senhor Deus dos desgraçados", enquanto grita: - "o povo é fêmea, gosta de macho"... Coisa de totalitários!

Então como atribuir ao adicto todas as mazelas que cercam o problema, quando o verbo manipular é conjugado em todas as pessoas, no presente do indicativo?

No inicio deste escrito coloquei ,entre aspas, que a adicção é uma doença que afeta "todas as áreas de nossas vidas". A manipulação também !

Pena que o pior cego é aquele que não quer enxergar a verdade. O adicto, tido como mestre em manipulação, acaba como uma grande vítima de tantas outras ignóbeis manipulações.

Até quando?!

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