Acredito em muitas coisas de cunho científico. Acredito em muitas coisas que se encontram escritas em post do
Blog Amando Um Dependente Químico. A autora possui uma linha de argumentação respeitável.
Leio, em outros blogs e sites, tantas coisas disparatadas a respeito de drogas, uso e abuso, que não passam de meras reproduções copistas e/ou propagandas subliminares, carregadas de mentiras. Enquanto pessoas extremamente radicais, continuarem mentindo a respeito das verdades cientificas, só conseguirão desinformar, além de fortalecer o que desejam combater. Extremistas precisam de luz, de menos ódio e mais compreensão. Pensar com ódio prejudica o raciocínio. Verifico muita coisa boa que muita gente escreve e por falarem a verdade, são proscritos. Gosto do blog que visitei por conta da honestidade da autora.
Creio que mudei muito minhas opiniões, depois de ter vivido do outro lado da margem que a sociedade nos impõe como norma de boa convivência e que podemos chamar de mundo da lei. Sabe, seria muito bom tratar esta questão no âmbito da antropologia, com uma visão sociológica, sem os frequentes juízos de valor que impregna o chamado "mundo legal", com suas contradições. A favela, por exemplo é tratada como um "tumor", pela sociedade. A favela vê este "tumor" na sociedade excludente. Respeito todos os seres humanos, sou favorável ao pacto pela vida, sou contra a violência, não importa de onde ela parta.
Devo reconhecer, contudo, que o ser social, caso não seja tratado como um cidadão, mantendo-o longe da escola, sem saúde, sem instrução, sem nada, será um ser movido pelos instintos animalescos e selvagens, pois também somos animais, uns domesticados, outros não. É sempre bom lembrar que somos parte do mundo animal. Como diz o poeta: "quem vive no meio de feras, sente a inevitável vontade de ser fera também". Mas não vou divagar sobre estas coisas que tocam em feridas que a sociedade "legal" teima em não querer tratar. Então deixo essa minha ressalva, de passagem.
Bem, vamos nos fixar no blog acima referido. A autora não acredita em conselhos, diria certos conselhos, mas em troca de experiência. Isso é muito bom porque reflete que a autora possui mente aberta. Ótimo!
Bem, vou tentar pensar em algo que ela postou e tentar rememorar coisas pelas quais já passei. Faço isso à título de reflexão. Porque o mundo mudou muito e penso como um adicto limpo.
Então lá está escrito:
"Acredito que estabelecer limites para nós mesmos, como: “não aceito uso de drogas dentro de casa”, “não convivo com um adicto na ativa”, “não acordo à noite para abrir a porta para ele”,
“não saio de casa para busca-lo na rua”, "não me permito sofrer agressões físicas ou verbais" é muito benéfico para ambos."
Creio que cada adicto tem suas particularidades, seu nível de instrução e educação, sua índole, seus caracteres, algumas vezes afetados pelo uso continuado, fome, exaustão e etc. Pessoas possuem "cabeças" diferentes, formações e informações, também.
O mito do adicto agressivo, comigo não cola. Já estive pra lá de Bagdad e, sustentado pela droga, sem dormir, faminto, sedento, com a cabeça impregnada de vários tipos de drogas, estropiado, fodido, sem grana e sem querer voltar para casa com receio de ser apanhado e levado para o que, por minha experiência, chamo de centro de detenção. Não sou agressivo. O meu record em ficar desse modo foi de 7 dias e não sei como não morri. Entrava nas favelas e nelas me enfurnava. Tinha medo de tudo. Era desconfiado. Aprendi a distinguir fogos de artifícios, de detonações de tiros. Aprendi muito com o terror dos tiroteios. Algo que me parecia surrealista, mas era tudo muito real. Cometi erros por estar fora de casa, fui imprudente. Poderia ter evitado tudo isso.
Negociar e facilitar são palavras que merecem reflexão. Estabelecer limites, também. Manter o respeito, sem discussão. Penso que muitas coisas que fiz poderiam me conduzir ao rumo da recuperação e, exatamente por falta de bom senso, vivi sob risco de vida sempre que caia no mundão. Perdia dinheiro, ia para lugares estranhos, com pessoas estranhas e corria toda sorte de risco. Se, por exemplo, eu usasse a droga dentro de casa me sentiria bem melhor, pois estaria como peixe dentro d´água. Evidente que o uso teria que ser limitado. O problema estaria no "speed".
Quando cheirava muito vem aquela inquietação de sair por ai e andar e andar e andar. Então a dosagem teria que ser negociada. Conheci algumas garotas que gostavam de usar e que diziam gostar de mim. Não era verdade. Então elas, vendo o meu estado "elevadíssimo", passavam a querer me controlar. Falavam que não me deixariam continuar em determinado rítimo de uso e me propunham aplicar doses que diziam terapêuticas e eu acabei aceitando e algumas vezes me insubordinando, sem agressividade.
Não sei, mas acredito que elas estavam certas com as doses terapêuticas, o que me impacientava, mas não me descontrolava, era o incomodo da espera, o espaço de tempo entre uma dose a outra. Devo dizer que conheci muita gente boa, mas era inevitável ser trapaceado. E as garotas? A regra é "acabou o dinheiro, acabou o amor". Não era amor, evidentemente. Mas havia cuidado, também.
Ninguém sabe o que vivi e não estou aqui para esmiuçar a minha vida, mas vivi perigosamente e o mundo da favela me protegia, sem que eu fosse um bandido. Por muitas ocasiões achava que muita gente tinha pena de mim e isso me envergonhava. Nem mesmo sair de um barraco para circular na favela eu queria sair, porque sentia vergonha de mim mesmo. Também achava que até as viaturas policias, que passavam por mim, tinham pena. Doideira! Mas sei que também tinha gente querendo minha pele para tamborim. Porquê, nunca soube e nunca procurei saber. Erro de pessoa, é possível. É um mundo de muitas paranoias.
Esse mundo de drogas é muito confuso para um usuário. Ainda, tem as políticas de facções, que nunca quis entender porque era usuário e nada mais. Se alguém viesse querer falar algo além do que eu julgava que devia, posto que não queria saber de outras coisas, salvo usar, pedia para mudar de assunto.
Tinha medo de dormir, de tomar banho. O cara não perde o desejo sexual, mas fica sem tesão e isso me livrou, certamente, de contrair doenças. Sei que perdi bons pedaços de mal caminho, mas, olhando sob uma outra ótica, foi melhor que fosse assim. Muita gente morreu...
Existem momentos em que extasiado, depauperado, fodido, em todos os aspectos, joguei a toalha e pedi ajuda e como resposta o que ouvi era uma espécie de "VÁ SE FODER", "FODA-SE", "SE VIRE", "PEGUE UM TÁXI", "DEVE? PROBLEMA SEU", "MORRA". Vem o sentimento de revolta, fruto da rejeição e o cara fica pior. Como fica pior após cada internação involuntária, dessas que não tem nada a ver com imposições judiciais.
Andei por ai andei, de favela em favela. Andei longas distâncias, quase sem me aguentar de tanto andar, com fome e sede. Andei com o pé esfolado, pisando em pedras. Sinceramente, não sei como estou vivo. Mascarados de brucutu queriam minha cabeça e eu me apavorava. Fui defendido. Sobrevivi. Mas ninguém dizia uma só palavra sobre o ocorrido e eu sempre fiquei sem nada entender. É melhor assim, tem coisas que é melhor não querer entender.
Então eu creio que nem tanto, nem tão pouco. Algumas vezes - de ambos os lados - alguém deve abrir um, ou mais de um, precedente, para evitar coisas semelhantes àquelas que passei, porque ninguém merece. Eu não dava notícias minhas. Não telefonava porque todo mundo tem bina no celular. Eu não gostava mais de celular. Então não me comunicava. Não queria deixar pista, nem minha localização. É complicado esse "mundão".
Vou finalizar dizendo que creio que deve haver flexibilidade. Esses radicalismos de codependentes acabam fodendo a vida do adicto. Há que haver um minimo de compreensão, um meio termo, pelo menos experimental. Foi em um momento desses que fui convencido em me ajudar a sair do vício.
Bem, não escrevi tudo o que gostaria, nem argumentei do modo que deveria argumentar. No mundo da adicção, as regras não devem ser muito fixas, os codependentes precisam entender que é bem melhor ter o seu familiar dentro de casa, com respeito, regras e disciplina (isso pode até resultar em um bom acordo para que as dosagens comecem a cair até chegar ao nível zero da abstinência e, evidentemente, começar um tratamento, com acompanhamento especializado) do que jogado pelas ruas. Só Deus sabe como a vida lá fora. O sistema é mesmo bruto!
Vou finalizando por aqui, escrevo e nem paro para ler o que escrevi. Só quero que me leiam como se estivessem ouvindo alguém falando serenamente, posto que é dessa maneira que penso e me exponho através da escrita e não há, aqui, neste texto, qualquer ironia, zanga, rancor, nada contra ninguém.
Só penso nas situações que vivi e nos extremos a que cheguei, sem apoio algum de parte de familiares, na fase crônica. Os que mais me defendiam eram meus pais e ninguém poupava eles. A grosseria contra eles, que são longevos, é algo imperdoável. Covardia e desrespeito contra idosos, não! Até podem racionalizar me acusando, para reverter este quadro insano, dos ditos normais.
Adictos e codependentes vivem comprimidos entre retas paralelas. Um de um lado, outro do outro e a região central é a região, onde ainda é possível dialogar. Mas esta região central representa muito mais o vazio entre seres adoecidos; são como fronteiras imaginárias. O centro seria a zona de conversação, da busca do entendimento, mas existem essas margens paralelas, que separam uns dos outros, como cercas que separam quintais, e o trem da vida quando passa sobre os trilhos, põe cada qual no seu devido lugar. Tudo é imaginário e a vida continua, com a cegueira da audição e as contumazes deformações de sentidos e interpretações de problemas. Não existe espaço para cantos de ossanha; auto-afirmação é a negação do que se busca afirmar, com ênfase...
Mas, finalmente, há limites para tudo. Hoje entendo muita coisa, embora outras tantas se mantenham sob forte cerração.