Texto por Roberto Dantas
Trago uma reflexão sobre um assunto muito em voga na atualidade, a dependência. Talvez os aspectos sociais e políticos do capitalismo tenha muito a ver com o crescimento dos vícios em geral as drogas, ao jogo, ao sexo, entre muitas outras formas de adicção.
Neste texto, quero refletir com o leitor, uma forma especial de adicção, a adicção ao outro, a um ser humano, seja ele um indivíduo específico, ou simplesmente uma outra pessoa. Trata-se do que chamarei aqui de dependência emocional, ou dependência ao outro. Utilizarei alguns fragmentos clínicos para ilustrar o posicionamento do paciente perante a vida e perante a si mesmo.
Lucas quando criança não tinha muitos amigos na escola, e queria sempre passar (como ele mesmo dizia) ” invisível”. Sempre timido, às vezes se escondia no quarto quando tinha visitas na sala. Era muito ligado à sua mãe e a acompanhava sempre ao mercado, à feira, ou mesmo em visitas às amigas dela, ficando sempre ao seu lado, quase nunca largava sua mão. Hoje aos 35 anos, ele me diz : “- Era meu jeito de manter-me vivo, de sentir-se eu mesmo. Tinha medo e insegurança em me relacionar”.
Sei que não posso continuar assim, e sei que sou dependente mesmo, mas não consigo ser diferente. E não adianta as pessoas dizerem : “Você não pode ser assim, seja independente !, pois isso não funciona. Eu sei que estou sendo dependente, mas não sei ser diferente, não consigo… Queria me sentir melhor, ser mais livre, realizar meus sonhos e objetivos, mas sempre me travo.” Lucas não se sente valorizado, e precisa estar aderido a alguém. Quando está sozinho se sente desconfortável, e deixa seu quarto desarrumado, suas coisas sempre bagunçadas, já quando está ligado a alguém, pelo menos se sente mais tranqüilo e seguro.
André era uma criança muito extrovertida, tinha muitos amigos, sempre dava um jeito de participar dos times de futebol que se formavam no intervalo entre as aulas, se dispondo a aceitar os piores papeis no time, como zagueiro ou goleiro, já que todos os meninos queriam ser atacantes.
Hoje, aos 43 anos, André fala “- No trabalho, nunca dou opiniões em reuniões, fico na minha, mas sempre comento as ideias dos outros, sempre elogiando e confirmando com a cabeça. Não suportaria ter minha opinião tida como ridicula, e quero ser visto como uma pessoa boa e confiável”.
Não suporto ficar sozinho, e preciso do feed-back dos outros, sei que estou errado, que isso é ruim pra minha vida, mas é assim que sou e não consigo ser diferente. Me sinto às vezes como um “boneco” manipulado pelas pessoas, uma máquina de agradar meus amigos, mas não suporto a possibilidade de não ser aceito, de não ser admirado por ser um rapaz certinho e honesto”.
André não consegue reconhecer seu valor, e pra isso, precisa da aprovação das outras pessoas, por isso as agrada, numa atuação típica de um obsessivo, espera inconscientemente um retorno, uma compensação, que muitas vezes não vem.
Estas duas vinhetas ilustram como a dependência emocional se manifesta no discurso latente em sujeitos com estruturas diferentes.
Personalidades que diferem no seu comportamento, mas têm muito em comum nos aspectos ligados às causas metapsicológicas de sua dificuldade. Uma pessoa pode ser tímida ou extrovertida, agressiva ou extremamente passiva, e mesmo assim manifestar a dependência emocional.
Eis mais alguns fragmentos que exemplificam formas diferentes de manifestar a dependência :
Maria G. recém separada após um casamento de 13 anos, antes de conhecer o marido, viveu até seus 42 anos com a mãe, de quem era muito amiga e cuidava (talvez até obsessivamente). Logo após a morte da mãe, ela se casa e vive uma relação de 13 anos de forma regular. Depois deste tempo, o marido pede o divórcio.
Maria G. entra em estado depressivo, com traços de sindrome do pânico. Diz ela : “Minha vida acabou. Ele acabou com a minha vida. Eu não sei o que fazer agora, não sei pra onde ir, estou sozinha e não sei me virar… Não sei o que fazer, se ainda minha mãe estivesse viva, eu iria morar com ela cuidar dela, mas agora… Não sei como viver sozinha. Estou completamente perdida…” A insegurança de Maria G. se apóia na presença de outra pessoa ao seu lado, situação em que ela se sente “apoiada” e segura para levar sua vida.
Adalberto é gêmeo com sua irmã, hoje aos 38 anos, ele ainda é solteiro e mora com a mãe. Trabalha e ocupa seu tempo todo com atividades ligadas a um grupo religioso do qual participa desde os 8 anos de idade. Adalberto é muito prestativo e acompanha a mãe em tudo, desde mercado à médicos ou visita à parentes. Ele nunca namorou e diz que sente necessidade sim, mas que quando pensa nisso, já vizualiza-se no futuro, casado, longe da mãe, de quem não consegue se desligar.
É difícil e delicado falar de dependência ao outro, principalmente porque entra em jogo os padrões culturais ligados ao amor romântico, a paixão, o altruísmo, virtudes que se confundem com aspectos da dependência emocional.
A paixão como é descrita pelos poetas, mais se parecem com dependência, romances famosos como Romeu e Julieta, ilustram formas patológicas de amor, que poderiam ser identificados como uma dependência emocional ao outro. A dependência ao outro é muito comum na vida de todos nós. Quando bebês, em nossa constituição como sujeitos, fomos dependentes de nossa mãe ou quem fazia esta função. Uma vivência saudável nessa etapa da vida poderia teoricamente evitar a dependência no adulto. Outro aspecto é o estrutural, mais complexo, e que define como sustentamos nossa dinâmica psíquica regredindo a esta etapa do nosso desenvolvimento, e vivendo imaginariamente este script no momento atual. Alguma falha no desenvolvimento, segundo Winnicott, seria a causa de fixações nesta etapa, ou regressão à ela como formas de nos defender de angústias interiores causadas na vida adulta.
A dependência é patológica, não só quando nos tira do nível da normalidade, e nos diferenciamos dos outros, mas também, e principalmente, quando nos traz sofrimento.
Ocorre que a dependência emocional é um comportamento natural do ser humano. Nascemos num estado que chamamos de “neotenia”, ou seja, o ser humano, diferente de muitos animais, nasce sem as condições de sobrevivência necessárias para buscar seu alimento por si só, ou se proteger dos perigos da natureza. Além disso, o ser humano dotado de emoção, precisa da vivência aderente a um outro ser humano, para assim, se “humanizar”.
A mãe é nosso principal elo de ligação com o mundo real, tanto que nos primeiros meses de vida, nem conseguimos diferenciá-la de nós mesmos. Nos meses seguintes, inicia-se o processo de individualização, onde através das frustrações inerentes à vida, o bebê vai percebendo que a mãe não é ele e vai aprendendo a criar sua autonomia, que segundo Winnicott é sempre uma dependência relativa, e rumo à independência, mas esta última é sempre uma utopia.
zSomos seres sociais por natureza, e nunca poderemos ser autônomos, mas um equilíbrio entre autonomia e dependência ao “outro”, é importante e vai definir nossa qualidade de vida tanto psíquica como social. É natural que sejamos em alguns momentos dependentes, e em outros independentes, mas é patológico quando não alternamos entre estes dois estados, vivendo intensamente um dos dois, por fixação.
É importante observar os momentos em que ficamos sós, para ver o que sentimos, como nos portamos e quais as sensações que temos desta situação. Em muitos casos somente a ideia de ficar só, traz pavor, pois ali estaremos em contato direto com nossos próprios pensamentos e isso pode ser assustador.
Momentos de solidão são importante e saudável para todos nós, mas por outro lado, a necessidade constante de periodos longos longe das pessoas, pode ser um sinal de problemas sérios. Sentir necessidade de sempre no meio de um grupo de pessoas pode ser uma atitude saudável mas também pode ser um sinal de uma “fobia social ao contrário”, ou à dependência emocional e psíquica ao outro.
Um tratamento terapêutico, sobretudo com base psicanalítica é o tratamento de fundo para a dependência. Deve-se buscar as motivações inconscientes a tais comportamentos e angústias, que podem em grande parte dos casos estar em vivências na infância junto à família. Uma terapia breve pode assegurar que se adquira recursos de forma rápida, para lidar com o seu dia a dia, trazendo assim um alívio a curto prazo, e uma melhor qualidade de vida ao paciente.
Créditos Roberto Dantas.
Hoje passei por algo nada interessante com uma pessoa que sofre com esse problema, que pode vir a acarretar problemas com terceiros, já que não há um controle sobre suas frustrações.
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