domingo, 22 de junho de 2014

Levanta-te e resplandece!

Dalton era um sujeito de pouca conversa, introvertido e inteligente. Casado, três filhos e um trabalho estável.

Um dia, por qualquer razão, perdeu o prumo e consequentemente o rumo. Desencontrou-se e deu para beber, depois começou a usar outras drogas. Todo mundo sabe das coisas que acontecem na vida de uma pessoa desnorteada, sem bússola...

Há um chavão, relativo às drogas que diz: usar é perder!  Quem usa, ou usou, sabe muito bem que a afirmação corresponde a uma verdade, com raras exceções á regra. 

Havia em Dalton, após seu mundo ruir, pouco a pouco, progressivamente, como sua doença, a sensação de que era um perdedor, sempre nocauteado pelas drogas. Um fracassado!

Dentro dele havia uma inconformidade em aceitar as derrotas sucessivas e cumulativas infligidas pela insanidade. Ele que era um cara lutador. Não admitia ir à lona todas as vezes, numa sucessão de erros que lhe custou o rótulo de insano.

Inconformado com tantas derrotas, pois as drogas implicam em outros tipos de perda, também, tentou usar pela última vez, travando um duelo particular contra as drogas. Na verdade era ele lutando contra ele próprio.Um drama interior a ser resolvido.

Ninguém sabia em que consistia tal confronto, só ele sabia. Na cabeça de Dalton, era inconcebivel planejar algo e fazer tudo errado. Dessa inconformidade nasceu uma outra obssessão. Usar e sair sem perder, o que é uma ilusão, mas de ilusão também se vive e nem todas as ilusões são ruins. No plano das ideias estava estabelecido que só conseguiria deixar o uso, depois de nocautear a inumana droga que o escravizava pelo uso descontrolado e continuado.

Um dia, sem família, sem lar, cercado por sentimentos desconfortáveis, que só o levava a carregar a sensação de que era um naufrago na vida, resolveu partir para o tudo, ou nada.

Traçou seu plano e chegou o dia "D"!

Saiu resoluto do quartinho, em que morava, e foi até uma favela da cidade. Portava dinheiro. Fazia questão de estar com o bolso cheio de grana, pois queria ir até a boca como sempre foi à cata da droga. Deveria ser fiel em tudo que planejou, levando com ele as vestes da derrota, apenas as vestes. Ele sabia que para ganhar não poderia mais cometer os mesmos erros.

Era isso que procurava provar para ele mesmo, portanto, se auto impunha ir, como sempre foi para a biqueira. Ia mentalmente preparado para não cometer as repetidas insanidades. Dessa vez o resultado haveria de ser diferente. Um desafio louco!

Mas ele queria provar que poderia vencer a si mesmo. Saberia manter o auto controle e dominar seu comportamento, de modo a não mais permitir que ninguém lhe roubasse nada. Estabeleceu regras particulares. Compraria a droga e não se deixaria levar pelo impulso de usar nada na biqueira, em qualquer barraco que fosse. Sabia que no mundo das drogas, não existe amizade certa. Nada de dar ouvidos a ninguém, era pegar e seguir o seu caminho, sem dar lugar para ninguém lhe apertar a mente. A meta que traçou era usar e um hotel e, depois do uso, regressar para seu quartinho.

Caso conseguisse voltar com a sensação de que não foi lesado, de que sua postura foi a de quem sabia dominar a droga, sem se deixar dominar por ela, sairia dali com o sentimento de vitória, de libertação, sem vontade de continuar no uso. Assim, de dominado passaria à condição de dominador. Inverteria os papéis e retomaria sua sanidade de volta. Muito louco o desafio a que se propunha. Acabando a droga ele voltaria para casa e não para a bocada. Acabou, acabou, tinha que aceitar isso de modo consciente, mesmo sob efeitodo uso. O fato de usar era imperativo e fazia parte da luta que enfrentaria.

Para Dalton, esta era a chave da vitória, um nocaute na droga que o impregnava e uma pancada no poder superior destrutivo, que o aniquilava. Seria diferente e, mais que isso, não daria chance a revanche.

Ele carregava em silêncio este seu plano. Na cabeça dele, derrotando a droga, do jeito dele, estaria livre para sempre da mesma. Tanatos daria lugar a Eros e sua vida reiniciaria do modo salutar.Voltaria a viver com sobriedade!

Fez o que tinha que fazer. Não aceitou ser importunado. Não deu dinheiro a ninguém, sequer teve pena de quem quer que fosse. Comprou e seguiu para um hotel, onde fez uso da droga adquirida, sozinho. Amanheceu, pagou as contas e foi para a rua. Pegou um táxi e tomou o rumo de casa.

Levou seu plano à execução, com rigor. Fez tudo como havia planejado. Voltou para seu aconchego feliz da vida. entrou, fechou a porta, bebeu bastante água, depois se ajoelhou e orou. Agradeceu a Deus, a quem pediu força para segura-lo, até o efeito da droga passar.

Dalton conseguiu!

Depois de vencido pelo cansaço, durmiu; Acordou com um sonho, do qual só recordava a última frase: "levanta-te e resplandesce". Não sabia de onde vinha esta frase curta e cheia de magia. Um dia, conversando com um amigo religioso, soube tal frase era bíblica e o amigo citou tudo que acompanhava a curta frase...

Desse dia em diante, como uma estrela, Dalton resplandecia.

Até hoje, decorridos 10 anos, ele se mantém limpo, como um vencedor. Constitui mais um exemplo dessas pessoas, que, por diferentes razões, abandonam as drogas da noite para o dia. 

Para ele era uma vez uma droga difícil, que ele, Dalton, venceu, levantou e resplandeceu. Dai em diante o mundo lhe sorria. Era alvo de admiração para muita gente. Ele mostrou que é possível libertar-se do vício de modo radical. 

Houve alguém que chamou isso de despertar espiritual, mas ele não conhecia nada de NA. Outros, até hoje, falam que ele é um milagre de Deus. Para Dalton, ele é um sobrevivente vencedor, agradecido a Deus. Nunca soube o que é adicção, nem lhe perguntem, pois ele ignora a existência da doença e da palavra.

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