CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Em nossa vida de cristãos, para sermos dignos deste nome, há uma virtude que devemos cultivar sempre: a capacidade de perdoar. O autêntico perdão é dado gratuitamente, mesmo que o ofensor não o peça, como aconteceu com a humanidade, quando sacrificou o próprio Salvador, e este se dirigiu ao Pai, dizendo: “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).
A Bíblia acentua que o perdão é divino, quer dizer, tem um acento divinal, a assistência de Deus no ato de perdoar. Os próprios judeus e fariseus tinham consciência disso: “Ninguém pode perdoar pecados, porque só Deus tem poder para isso” (Mc 2,7). Perdoar é um dom que Deus nos dá, uma sensibilidade que Ele nos faculta, pela sua própria graça, para podermos promover a reconciliação com quem quer que seja, mesmo com aqueles aos quais, normalmente, negaríamos o nosso perdão.
Excluindo alguém do perdão, também o excluímos do nosso convívio. Portanto, perde-se o senso comunitário, o que é muito grave. Deus nunca condena, a não ser que a pessoa se auto-condene. Por exemplo, na excomunhão, não é a Igreja que exclui alguém, mas é a própria pessoa que abandona a comunidade dos fiéis de Cristo, por um ato desumano, desregrado e contrário à fé e à moral católica.
Além de divino, o perdão é um ato autenticamente humano, no sentido de sua nobreza e dignidade. Perdoar sempre é nobre. Vingar-se é um ato brutal, até mesmo diabólico, destrutivo em sua essência. Por outro lado, conceder o perdão não é fácil. É uma das iniciativas mais difíceis de se levar a cabo, especialmente, diante das injúrias graves. O que nos confunde é não conhecermos a verdadeira intenção de quem age. Então, sempre se perdoe, porque não se pode julgar a intenção antecipadamente. Diz São Tiago: “Não há mais que um legislador e um juiz: Aquele que pode salvar e perder. Mas quem és tu, que julgas o teu próximo?” (Tg 4,12).
O perdão é prova de amor ao outro. A pessoa que não ama, não perdoa. Mas, tanto o amor quanto o perdão, fundamentam-se no auxílio divino. Pela ação do Espírito Santo em nós é que nos vem essa força sobrenatural. O dom do perdão nos vem da própria cruz de Cristo. Ele, para efetivar isto, instituiu o Sacramento da Reconciliação, com Deus e com os irmãos.
Para recebermos o Sacramento do Perdão, nosso primeiro ato deve ser a análise profunda e sincera de nossos pensamentos, intentos, palavras e ações, mediante critérios objetivos do Evangelho. É o chamado exame de consciência. Depois, é preciso arrepender-se, isto é, sentir dor pelo que se fez de errado, e fazer o firme propósito de rejeitá-lo, definitivamente. Nesse propósito talvez esteja o maior problema, porque exige conversão, mudança de rumo: metanoia.
O melhor exemplo disto é o chamado Filho Pródigo, citado pelo Evangelho de São Lucas (cf. Lc 15,11-32). Aquele filho ingrato, malvado, fugitivo, que pediu ao Pai a herança e foi-se embora. Cometeu, assim, seu primeiro grave erro: afastar-se do Pai, perdendo o amor e a graça, que possuía na casa paterna. Dissipou o capital que tinha, a linda veste que trajava e, até, o anel que o Pai lhe dera, sinal de sua nobre condição. Rebaixou a própria dignidade, trabalhando na pior ocupação para um judeu: cuidar de porcos. Esses animais, considerados impuros segundo a mentalidade judaica e bíblica, representam a maior degradação que existe. Quantos vivem nessa miséria, indigna de seres racionais e belos, como os seres humanos foram criados para ser! Caem na violência, na droga e na devassidão, e perdem tudo o que têm de melhor.
Mas, aquele filho, em boa hora, repensou sua situação e seu estado de vida. Enquanto isso, o Pai olhava aquela curva do caminho, onde seu filho desaparecera. Dia após dia, hora após hora, esperava o seu retorno, sem esmorecer. Esse amor do Pai, eternamente fiel, atraiu de volta o filho, reavendo-o sadio e arrependido, como conhecemos da história, narrada por São Lucas.
Esta passagem do Evangelho enfatiza, não tanto a imagem do pecador, mas a do Pai misericordioso, que nos aceita e nos perdoa. Entretanto, o próprio Jesus diz: “Perdoai, e sereis perdoados. Porque, com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos vós também” (Lc 6,37-38). Isto é muito sério. “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, rezamos no Pai-Nosso.
O perdão divino é condicionado pela proporção em que concedemos o perdão aos outros. Por isso, devemos perdoar tudo e sempre. E não guardar ressentimento. Sem isso, não há perdão. O perdão esquece a ofensa feita, como Deus o faz. Ele não encobre o mal, conforme dizem alguns. Ele o erradica. Não esquece, simplesmente, mas elimina, até, o efeito do mal que praticamos.
O perdão é caminho para a conversão. Conversão é mudança de rumo. O pecado nos faz esquecer a finalidade, a meta dos nossos atos, para nos propor uma outra finalidade: desumana e contrária à caridade e ao respeito do próximo. Assim, a conversão é o redimensionamento de tudo, para dirigi-lo ao fim que nobilita toda nossa atitude e nosso modo de proceder.
Cabe, aqui, o esclarecimento de uma aparente contradição. Jesus nos fala sobre o pecado que não tem perdão: “Todo pecado e toda blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não lhes será perdoada” (Lc 12,31). Existe alguma falta que Deus não possa perdoar? O perdão só não é concedido àquele que não quer ser perdoado; ou que não acredita na misericórdia divina; ou, ainda, que acha seu pecado tão grande, a ponto de superar a capacidade de Deus perdoar. Ele esquece que Deus é onipotente. E, se de qualquer grãozinho de areia, Ele é capaz de criar um serafim santo, inocente e generoso, muito mais pode tornar reta uma linha que se entortou em nosso modo de proceder.
Aquele que desespera pode chegar ao desatino de tirar a própria vida, num ato fundamentalmente desordenado, salvo quando induzido por um estado psicológico totalmente doentio. O desapego à vida não significa abreviá-la, qualquer que seja o motivo. Só existe um desapego santificante: quando a vida é dedicada ao bem do próximo. Arriscá-la, em benefício de outrem, torna-se um ato heróico.
Estou convencido de que todo pecador, cujo agir leva a conseqüências graves para a comunidade, para a santidade da Igreja, e para a própria sociedade, essa pessoa não sabe o que faz. Evidentemente, é culpada pelas escolhas conscientes e livremente assumidas, mas não avalia o pleno alcance de seu erro. Talvez só venha a descobri-lo, quando for tarde demais.
Rezemos sempre pela nossa conversão, a exemplo de Jesus que, no auge da ignomínia e da injustiça que lhe impuseram na cruz, clamou: “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”. Aquele foi um ato de amor infinito, derivado de um Coração completamente entregue a Deus e aos homens.
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