Vontade de mudar, durante o processo da adicção ativa, já existia dentro de mim, mas procrastinava. Era necessário alguém, de cabeça fria, para restabelecer a ponte com a família. Minha filha, neste aspecto, foi muito importante e competente. Foi me ver, para conversarmos. Ela é linda e eu olhava ela nos olhos e via aqueles olhinhos tão bonitinhos, tão tristonhos...Eu disfarçava porque saber que ela me olhava com tristeza,piedade e compaixão, é algo desconfortável.
Ela conversava comigo, numa boa. Soube que ela disse a alguém, que nem me lembro mais, que ela sabia me enrolar direitinho. Se sabe, ou não, não me importa. O que interessa é o fato dela saber me cativar, me ganhar, e eu prometi a ela que iria me internar, voluntariamente, para desintoxicação e abstinência. Só precisava resolver uns problemas...
Recair faz parte da doença, a recuperação é uma responsabilidade minha, é uma obra minha, mas precisava de um empurrão, competente. Eu queria, mas protelava. Era questão de um, ou dois dias a mais e eu estaria pronto para me entregar por vontade própria.
Queria ir para um lugar em que, realmente, existe tratamento. Nada de clínicas Involuntárias, nada que se assemelhe a um carcere. Quando falo em tratamento eu creio muito é na ciência e sem a presença de um médico especialista e de toda uma equipe multidisciplinar, sem isso a recuperação fica complicada. O médico, depois de uma avaliação do quadro, poderia prescrever uma medicação capaz de conter a abstinência. A desintoxicação é menos complicada. Sóbrio o cara começa a enxergar os erros, os enganos, as insanidades, a burrice e vai caindo na real.
Comigo era complicado porque vivia em regime de separação de corpos e havia entre a mulher e minha mãe uma idiossincrasia absurda. Ninguém era favorável ao uso de drogas. Ninguém quer, mas é preciso entender. Não falo em facilitar, mas em negociar. Porque o cara quando cai no mundão, ele se joga mesmo. Se lhe fecham as portas e se não derem a ele o básico, ele pode dar inicio àquela loucura de se endividar, de empenhar coisas, de vender, de furtar, mendigar e assim por diante. Por isso é preciso haver uma intermediação, uma ponte, inteligente e competente, para ir preparando e persuadindo o adicto, na ativa, a se tratar, enquanto se cuida de encontrar o local mais qualificado para onde ele possa ir, sem ser enganado(a), ou sequestrado. Não há nenhum bicho de 7 cabeças. É preciso diálogo!
Minha filha era a moderadora e eu tinha que cumprir o prometido a ela. O erro foi a mãe mandar - vou amenizar - me "resgatar" e colocar em um local inadequado, de modo involuntário, antes do tempo requerido. A filhinha sai de cena...Me pegaram na marra e me levaram. Fiquei assustado pois os caras nada falavam e tinham aspecto sinistro.
O adicto quando está decidido a parar, ele pára. Interrompe mesmo o processo da própria loucura. O problema é que, muitas vezes, nesse cabo de guerra, entre nora e sogra, quem sobra é o adicto, que, em dado momento, necessita de um moderador, de alguém que possa fazer a ponte e fazer ele abrir os olhos e retornar à realidade, numa boa.
É quando mais erramos que mais precisamos de amor. Nessas horas é imperativo pensar. Sempre existe alguém que possa fazer uma "ponte"e restabelecer a conexão entre as famílias em descompasso. O importante é não desistir e, sem "queda de braço".