terça-feira, 21 de junho de 2011

Recuperação e recaída

Muita gente pensa que a recuperação é apenas uma questão de não usar drogas. Consideram a recaída um sinal de fracasso completo e os longos períodos de abstinência um sucesso total. Nós do programa de recuperação de Narcóticos Anônimos achamos essa idéia demasiado simplista. 
Depois de um membro ter tido algum envolvimento com nossa Irmandade, uma recaída pode ser uma experiência impressionante e provocar uma aplicação mais rigorosa do programa. Da mesma forma observamos alguns membros que se mantêm abstinentes durante longos períodos, mas cuja desonestidade e auto‐engano os impedem de desfrutar completamente a recuperação e a aceitação na sociedade. A melhor base para o crescimento, no entanto, ainda é a completa e contínua abstinência, o trabalho conjunto e a identificação com outros adictos nas reuniões de NA.
Embora todos os adictos sejam basicamente do mesmo tipo, o grau da doença e o ritmo da recuperação diferem de indivíduo para indivíduo. Às vezes uma recaída pode estabelecer a base para uma completa liberdade. Outras vezes só é possível alcançar essa liberdade através de uma vontade inflexível e obstinada de ficar limpo, aconteça o que acontecer, até passar a crise. Um adicto que por qualquer meio consegue superar pelo menos por um tempo a necessidade ou o desejo de usar drogas, tem livre escolha sobre seus pensamentos impulsivos e ações compulsivas.
Atingiu um ponto que pode ser decisivo para a sua recuperação. Às vezes esse é o ponto crítico da sensação de verdadeira independência e liberdade. A possibilidade de sairmos do programa e de voltarmos a controlar nossas próprias vidas é algo que nos atrai, mas parece que sabemos que o que temos hoje é resultado da fé num Poder Superior a nós mesmos e do fato de darmos e recebermos ajuda por empatia. Muitas vezes em nossa recuperação os velhos fantasmas ainda nos perseguem. A vida pode voltar a ser monótona, aborrecida e sem sentido. Podemos nos cansar mentalmente de repetir nossas novas idéias, e podemos nos cansar fisicamente com nossas novas atividades, mas sabemos que se não as repetirmos certamente voltaremos aos
nossos velhos hábitos. Se não praticarmos o que aprendemos provavelmente perderemos.
Freqüentemente essas ocasiões são os períodos de maior crescimento para nós. Nossas mentes e corpos parecem cansados de tudo. Mesmo assim, as forças dinâmicas da mudança, bem dentro de nós, podem estar agindo para nos dar as respostas que alteram nossas motivações internas e mudam nossas vidas.
A nossa meta é a recuperação através da vivência dos Doze Passos, não a mera abstinência física. Nosso crescimento exige esforço, e como não há maneira de se incutir uma idéia nova numa mente fechada, tem que haver uma abertura. Como só nós mesmos podemos fazer isso, precisamos reconhecer dois dos nossos inimigos inerentes:   a apatia e a procrastinação. Nossa resistência à mudança parece arraigada e somente uma explosão nuclear provocará alguma mudança, ou iniciará um novo curso de ação. Se sobrevivermos a ela, a recaída poderá representar o detonador do processo de demolição. Uma recaída, ou às vezes a morte de algum conhecido, pode nos despertar a necessidade de uma vigorosa ação pessoal.

Histórias pessoais
Narcóticos Anônimos cresceu bastante desde a sua criação em 1953. Os primeiros membros desta Irmandade, pelos quais nutrimos grande afeição, ensinaram‐nos muito sobre adicção e recuperação.
Apresentamos o início da nossa história. A primeira parte foi escrita em 1965 por um dos nossos primeiros membros. Histórias mais recentes de recuperação de membros de NA podem ser encontradas em nosso Texto Básico, Narcotics Anonymous.

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Nós realmente nos recuperamos Embora “dois bicudos não se beijem”, como diz o ditado, foi a adicção que nos uniu. Nossas histórias pessoais podem variar no padrão individual, mas no fundo todos temos a mesma coisa em comum. Essa doença ou distúrbio em comum é a adicção. Conhecemos bem as duas características da verdadeira adicção:  obsessão e compulsão. A obsessão é aquela idéia fixa que nos leva sempre de volta à nossa droga de preferência ou a algum substituto, na procura do bem‐estar e do conforto que um dia experimentamos.
A compulsão existe quando iniciamos o processo com um pico, um comprimido ou um drinque e não conseguimos mais parar apenas com a nossa própria força de vontade. Devido à nossa sensibilidade física às drogas, caímos nas garras de um poder destrutivo maior do que nós.
Todos nós enfrentamos o mesmo dilema quando chegamos no fim da linha e descobrimos que não conseguimos mais funcionar como ser humano, com ou sem drogas. Que nos resta fazer?
Parece haver apenas esta alternativa: ou continuar, da melhor maneira possível, até o amargo fim (prisão, instituição ou morte), ou encontrar uma nova maneira de viver. Poucos adictos no passado chegaram a ter esta última opção. Os adictos de hoje são mais afortunados. Pela primeira vez na história um caminho simples vem sendo seguido por muitos adictos e encontra‐se ao alcance de todos. Trata‐se de um simples programa espiritual, não‐religioso, conhecido como Narcóticos Anônimos.
Não existia NA há uns quinze anos atrás, quando a minha adicção me levou ao ponto de total impotência, inutilidade e prostração. Encontrei o AA, e naquela Irmandade conheci adictos que também achavam que o programa era a solução para o seu problema. Mas nós sabíamos que muitos ainda estavam no caminho da desilusão, degradação e morte, pois não se identificavam com os alcóolicos de AA. Sua identificação dava‐se apenas em relação aos sintomas aparentes e não no nível mais profundo das emoções ou dos sentimentos, onde a empatia é uma terapia para todos os adictos. Em julho de 1953, formamos o que ficou conhecido como Narcóticos Anônimos, com vários outros adictos e alguns membros de AA, que tinham muita fé em nós e no programa.
Sentimos que agora o adicto encontraria desde o início toda a identificação necessária para se convencer que podia ficar limpo, através do exemplo de outros adictos que vinham se recuperando há vários anos. Com o passar dos anos ficou provado que isto foi realmente necessário. Essa linguagem sem palavras, do reconhecimento, da crença e da fé, chamada empatia, criou uma atmosfera na qual podíamos sentir o tempo, tocar a realidade e reconhecer os valores espirituais há muito perdidos para a maioria de nós. Nosso programa de recuperação está crescendo e se tornando mais forte. Nunca antes tantos adictos limpos por sua própria escolha e em livre associação puderam encontrar‐se onde quer que fosse para manterem a sua recuperação em total liberdade criativa.
Acreditávamos na divulgação de uma lista de reuniões, sem nos escondermos como outros grupos. Havia até adictos que diziam que o que tínhamos planejado não era viável. Acreditávamos que nosso método era diferente de todos os outros tentados pelos que defendiam.
                                                
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NT 1: Nas primeiras edições o Texto Básico brasileiro não contém histórias pessoais.um longo afastamento da sociedade. Achávamos que, quanto mais cedo o adicto enfrentasse seus problemas na vida cotidiana, mais rapidamente ele se tornaria um cidadão realmente produtivo. Mais cedo ou mais tarde teremos que caminhar com as nossas próprias pernas e enfrentar a vida como ela é. Por que não fazê‐lo então desde o início? 
Evidentemente muitos recaíram e outros se perderam completamente. Mas muitos permaneceram e outros voltaram após a recaída. O importante é o fato de haver muitos de nossos membros com longos períodos de total abstinência e em melhores condições de ajudar os recém‐chegados. Sua atitude, baseada nos valores espirituais de nossos passos e tradições, é a força dinâmica que traz crescimento e unidade ao programa. Agora sabemos que a velha mentira “Uma vez adicto, sempre um adicto” não será mais tolerada, nem pela sociedade nem pelo adicto. Nós nos recuperamos.

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