sábado, 18 de junho de 2011

História de Tratamento de Dependência Química e a Metodologia de Vila Seren

Dependência química e sua definição

O termo popular usado atualmente é dependência química, que "trata o álcool e outras drogas como dois lados de um mesmo problema".[1]      
        
A definição de alcoolismo é cercada de controvérsia.  "Beber a ponto de prejudicar-se" é uma norma prática sensata e comum, mas costuma ser difícil determinar a disfunção real que varia com a quantidade, a proporção, o propósito e as circunstâncias práticas.  A quantidade de bebida que poderia colocar no ostracismo um ítalo‑americano pode ser normal para uma pessoa de origem irlandesa; o que pode pôr em perigo o emprego de um motorista de ônibus, pode não constituir uma ameaça para o trabalho de um profissional não qualificado.[2]

A dependência química  pode ser vista a partir dos aspectos: 1) biomédico, 2) genético ou 3) psicossocial.[3]  Cada abordagem tem seus proponentes dependendo do ponto de vista profissional e comercial.  Assim, consenso não é esperado, mas a Organização Mundial de Saúde, na sua “Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10” elaborou a definição e normas mais respeitadas e utilizadas junto com diretrizes diagnósticas:

A síndrome da dependência é um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de substâncias alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo que outros comportamentos que antes tinham mais valor.  Uma característica descritiva central da síndrome de dependência é o desejo (freqüentemente forte, algumas vezes irresistível) de consumir drogas psicoativas (as quais podem ou não ter sido medicamentos prescritos), álcool ou tabaco.  Pode haver evidência de que o retorno ao uso de substâncias após um período de abstinência, leva a um reaparecimento mais rápido de outros aspectos da síndrome, do que ocorre com indivíduos não dependentes.[4]

CID-10 aponta seis diretrizes e, quando três ou mais estão presentes, um diagnóstico de dependência química é confirmado:

1.     Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância. . .

2.     Dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo. . .

3.     Uma síndrome de abstinência quando o uso da substância cessou ou foi reduzido. . .

4.     Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes são requeridas para alcançar efeitos originais. . .

5.     Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso de substâncias psicoativas. . .

6.     Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências manifestamente nocivas. . .[5]

Com o advento da lei sobre os planos de saúde, Lei 9656, que cita dependência química no contexto de CID-10, utilizamos esses conceitos para definir a metodologia de Vila Serena, que em resumo é:  Dependência química é uma doença.  Assim também foi classificada pela Associação Americana de Medicina, Associação Americana de Psiquiatria, Associação Americana de Saúde Pública, Associação Americana de Hospitais, Associação Americana de Psicologia, Associação Nacional de Assistentes Sociais, Organização Mundial de Saúde e o Colégio Americano de Médicos.[6]

Nós também utilizamos diretrizes diagnósticas mais detalhadas que entraram no cenário moderno de tratamento de dependência química com “managed care” quando os médicos americanos reagiram, organizando a Sociedade Americana da Medicina de Adicção (American Society of Addiction Medicine - ASAM)  e estabeleceram seus critérios, baseados no DSM-IV, mas muito mais específicos.  Nós vamos eventualmente incluir esses critérios neste documento mas um resumo deles e como apresentamos dependência química aos residentes em tratamento, é um capítulo do livro de John Burns, “O Caminho dos Doze Passos”.

História de tratamento de dependência química


Um pouco da história do tratamento desta doença tão comum mas de difícil caracterização pode ajudar a esclarecer porque há tantas divergências hoje sobre seu tratamento.

O álcool e outras drogas modificadoras do humor sempre estiveram
presentes na história da humanidade.  "A arqueologia indica que esses
produtos naturais têm feito parte da vida humana desde antes da
história documentada".[7]  A embriaguês é um tema invariável na história documentada. Os excessos dos bacanais gregos e romanos foram censurados nos escritos do senador Plínio e do médico Galeno.[8]

Historicamente, em todo o mundo, o alcoólatra foi tratado como um
criminoso ou doente mental.[9]  Somente no século XVIII o alcoolismo começou a ser considerado como uma patologia distinta.  Aí temos uma divergência histórica, importante para nossa compreensão do tratamento atual do alcoolismo no Brasil e nos Estados Unidos.         

Na Europa, a psicoterapia, especialmente a hipnose, foi usada no tratamento do alcoolismo.[10]  Dado os fortes laços intelectuais do Brasil com a Europa, principalmente com a França, essa tradição de tratar-se o alcoolismo com psicoterapia predomina no Brasil de hoje,[11]  apesar de Freud nunca ter analisado um alcoólatra.  Entretanto, nos Estados Unidos, no final do século dezenove, o alcoolismo tornou-se um problema religioso. Surgiram organizações de temperança como os Washingtonians, Band of Hope, Cold Water Army, Lincoln Legion, Anti Saloon League, Francis Murphy Movement e, principalmente, o Womens’ Christian Temperance Movement que  pressionaram a favor da interdição nacional, que ocorreu entre 1920 e 1933.[12]  Foi no vácuo da pós-interdição, que muitos grupos religiosos continuaram a tratar o alcoolismo nos Estados Unidos.  Alcóolicos Anônimos  nasceu nesse clima.

O tratamento profissional mais inovativo e popular do alcoolismo nos Estados Unidos nasceu quando um psiquiatra, Dr. Nelson Bradley, e um psicólogo, Dr. Dan Anderson,[13] desenvolveram um programa que era um "afastamento radical da tradição psiquiátrica no entendimento convencional do alcoolismo".[14]

O programa baseava-se nos princípios de AA e era conduzido, não por profissionais da saúde mental, mas por "conselheiros em alcoolismo", alcoólicos em recuperação e membros de AA.[15]

Isso veio a ser conhecido como o Modelo Minnesota e é a metodologia de tratamento predominante nos Estados Unidos atualmente.  Não é considerado um modelo psicoterapêutico. 

A fundação de Vila Serena foi incentivada pela empresa Johnson & Johnson, que buscava um tratamento para seus funcionários, que utilizasse o Modelo Minnesota,  além de outras empresas americanas no Brasil que tinham o mesmo interesse e também pelo fato de um dos fundadores de Vila Serena, John Burns, ter sido tratado num centro baseado no Modelo Minnesota.  Como resultado,  foi o modelo que Vila Serena adotou no Brasil.


[1] Scanlon, W. F. (1983-6),  “Alcoholism and Drug Abuse in the  Workplace”. New
York: Praeger, página 3.
[2] Bean, M. H., Khantzian, E. J., Mack, J. E., Vaillant, G. E., Zinberg, N. E. (1981), “Dynamic Approaches to the Understanding and Treatment of  Alcoholism”. New York: Free press. , página. 14.
[3] Bean, et al., 1981, página. 103.
[4] “Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10”, Artes Médicas, página 74.
[5] Op cit, página 75.
[6] Vaillant, G., “The Natural History of Alcoholism – Revisted”, 1995, Harvard University Press, página 4.
[7] Royce, J. E. (1981) “Alcohol Problems and Alcoholism - A   Comprehensive
Survey”,  New York: Free Press, Royce, 1981, página 35.
[8] Pittman, B (1988) AA “The Way It Began”. Seattle: Glen Abbey, página 1..
[9] Op cit página 4.
[10] Op cit página 51.
[11] Ramos, S. de P., & Bertolote, J. M. (1990) “Alcoolismo Hoje”. Porto Alegre: Artes Médicas. Páginas 163, 164.
[12] Pittman, B (1988) AA “The Way It Began”. Seattle: Glen Abbey, página 55.
[13] Dr. Dan Anderson, um dos fundadores da Hazelden, e mentor de Vila Serena, a qual ele visitou no começo dos anos 90.
[14] McElrath, D. (1987) “Hazelden - A Spiritual Odyssey”, Center City, Minnesota: Hazelden página 71.
[15] Op cit, páginas 74-78. 

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