Dependência química e
sua definição
O termo popular usado atualmente é dependência química, que
"trata o álcool e outras drogas como dois lados de um mesmo
problema".[1]
A definição de alcoolismo é
cercada de controvérsia. "Beber a
ponto de prejudicar-se" é uma norma prática sensata e comum, mas costuma
ser difícil determinar a disfunção real que varia com a quantidade, a proporção,
o propósito e as circunstâncias práticas.
A quantidade de bebida que poderia colocar no ostracismo um ítalo‑americano
pode ser normal para uma pessoa de origem irlandesa; o que pode pôr em perigo o
emprego de um motorista de ônibus, pode não constituir uma ameaça para o
trabalho de um profissional não qualificado.[2]
A dependência química
pode ser vista a partir dos aspectos: 1) biomédico, 2) genético ou 3)
psicossocial.[3] Cada abordagem tem seus proponentes
dependendo do ponto de vista profissional e comercial. Assim, consenso não é esperado, mas a
Organização Mundial de Saúde, na sua “Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da CID-10” elaborou a definição e normas mais respeitadas e
utilizadas junto com diretrizes diagnósticas:
A
síndrome da dependência é um conjunto de fenômenos fisiológicos,
comportamentais e cognitivos, no qual o uso de uma substância ou uma classe de
substâncias alcança uma prioridade muito maior para um determinado indivíduo
que outros comportamentos que antes tinham mais valor. Uma característica descritiva central da
síndrome de dependência é o desejo (freqüentemente forte, algumas vezes
irresistível) de consumir drogas psicoativas (as quais podem ou não ter sido
medicamentos prescritos), álcool ou tabaco.
Pode haver evidência de que o retorno ao uso de substâncias após um
período de abstinência, leva a um reaparecimento mais rápido de outros aspectos
da síndrome, do que ocorre com indivíduos não dependentes.[4]
CID-10 aponta seis diretrizes e, quando três ou mais estão
presentes, um diagnóstico de dependência química é confirmado:
1. Forte
desejo ou senso de compulsão para consumir a substância. . .
2. Dificuldade
em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início,
término ou níveis de consumo. . .
3. Uma
síndrome de abstinência quando o uso da substância cessou ou foi reduzido. . .
4. Evidência
de tolerância, de tal forma que doses crescentes são requeridas para alcançar
efeitos originais. . .
5. Abandono
progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso de
substâncias psicoativas. . .
6. Persistência
no uso da substância, a despeito de evidência clara de conseqüências
manifestamente nocivas. . .[5]
Com o advento da lei sobre os planos de saúde, Lei 9656, que
cita dependência química no contexto de CID-10, utilizamos esses conceitos para
definir a metodologia de Vila Serena, que em resumo é: Dependência química é uma doença. Assim também foi classificada pela Associação
Americana de Medicina, Associação Americana de Psiquiatria, Associação
Americana de Saúde Pública, Associação Americana de Hospitais, Associação
Americana de Psicologia, Associação Nacional de Assistentes Sociais,
Organização Mundial de Saúde e o Colégio Americano de Médicos.[6]
Nós também utilizamos diretrizes diagnósticas mais
detalhadas que entraram no cenário moderno de tratamento de dependência química
com “managed care” quando os médicos americanos reagiram, organizando a
Sociedade Americana da Medicina de Adicção (American Society of Addiction
Medicine - ASAM) e estabeleceram seus
critérios, baseados no DSM-IV, mas muito mais específicos. Nós vamos eventualmente incluir esses
critérios neste documento mas um resumo deles e como apresentamos dependência
química aos residentes em tratamento, é um capítulo do livro de John Burns, “O
Caminho dos Doze Passos”.
História de tratamento de dependência química
Um pouco da história do tratamento desta doença tão comum
mas de difícil caracterização pode ajudar a esclarecer porque há tantas
divergências hoje sobre seu tratamento.
O álcool e outras drogas modificadoras do humor sempre
estiveram
presentes na história da humanidade. "A arqueologia indica que esses
produtos naturais têm feito parte da vida humana desde antes
da
história documentada".[7] A embriaguês é um tema invariável na história
documentada. Os excessos dos bacanais gregos e romanos foram censurados nos
escritos do senador Plínio e do médico Galeno.[8]
Historicamente, em todo o mundo, o alcoólatra foi tratado
como um
criminoso ou doente mental.[9] Somente no século XVIII o alcoolismo começou
a ser considerado como uma patologia distinta.
Aí temos uma divergência histórica, importante para nossa compreensão do
tratamento atual do alcoolismo no Brasil e nos Estados Unidos.
Na Europa, a psicoterapia, especialmente a hipnose, foi
usada no tratamento do alcoolismo.[10] Dado os fortes laços intelectuais do Brasil
com a Europa, principalmente com a França, essa tradição de tratar-se o
alcoolismo com psicoterapia predomina no Brasil de hoje,[11] apesar de Freud nunca ter analisado um
alcoólatra. Entretanto, nos Estados
Unidos, no final do século dezenove, o alcoolismo tornou-se um problema
religioso. Surgiram organizações de temperança como os Washingtonians, Band of
Hope, Cold Water Army, Lincoln Legion, Anti Saloon League, Francis Murphy
Movement e, principalmente, o Womens’ Christian Temperance Movement que pressionaram a favor da interdição nacional,
que ocorreu entre 1920 e 1933.[12] Foi no vácuo da pós-interdição, que muitos
grupos religiosos continuaram a tratar o alcoolismo nos Estados Unidos. Alcóolicos Anônimos nasceu nesse clima.
O tratamento profissional mais inovativo e popular do
alcoolismo nos Estados Unidos nasceu quando um psiquiatra, Dr. Nelson Bradley,
e um psicólogo, Dr. Dan Anderson,[13]
desenvolveram um programa que era um "afastamento radical da tradição
psiquiátrica no entendimento convencional do alcoolismo".[14]
O programa baseava-se nos princípios de AA e era conduzido,
não por profissionais da saúde mental, mas por "conselheiros em
alcoolismo", alcoólicos em recuperação e membros de AA.[15]
Isso veio a ser conhecido como o Modelo Minnesota e é a
metodologia de tratamento predominante nos Estados Unidos atualmente. Não é considerado um modelo
psicoterapêutico.
A fundação de Vila Serena foi incentivada pela empresa
Johnson & Johnson, que buscava um tratamento para seus funcionários, que
utilizasse o Modelo Minnesota, além de
outras empresas americanas no Brasil que tinham o mesmo interesse e também pelo
fato de um dos fundadores de Vila Serena, John Burns, ter sido tratado num
centro baseado no Modelo Minnesota. Como
resultado, foi o modelo que Vila Serena
adotou no Brasil.
[1] Scanlon, W. F. (1983-6), “Alcoholism and Drug Abuse in the Workplace”. New
York:
Praeger, página 3.
[2] Bean, M. H., Khantzian, E. J.,
Mack, J. E., Vaillant, G. E., Zinberg, N. E. (1981), “Dynamic Approaches to the
Understanding and Treatment of Alcoholism”.
New York: Free press. , página. 14.
[3] Bean, et
al., 1981, página. 103.
[4]
“Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10”, Artes
Médicas, página 74.
[5] Op cit, página 75.
[6] Vaillant, G., “The Natural History
of Alcoholism – Revisted”, 1995, Harvard University Press, página 4.
[7] Royce, J. E. (1981) “Alcohol
Problems and Alcoholism - A Comprehensive
Survey”, New York: Free Press, Royce, 1981, página 35.
[8] Pittman, B (1988) AA “The Way It
Began”. Seattle: Glen Abbey, página 1..
[9] Op cit página 4.
[10] Op cit
página 51.
[11] Ramos,
S. de P., & Bertolote, J. M. (1990) “Alcoolismo Hoje”. Porto Alegre: Artes
Médicas. Páginas 163, 164.
[13] Dr. Dan
Anderson, um dos fundadores da Hazelden, e mentor de Vila Serena, a qual ele
visitou no começo dos anos 90.
[14] McElrath, D. (1987) “Hazelden - A
Spiritual Odyssey”, Center City, Minnesota: Hazelden página 71.
[15] Op cit,
páginas 74-78.
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