quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dependentes da dependência, parte II


Os tipos de co-dependentes

Salvador ou consertador – a auto-estima destas pessoas passa a depender da capacidade de ajudar ou “salvar” outras pessoas, especialmente as “vítimas”, aquelas que não querem se responsabilizar pelos próprios problemas.
Agradadores – estão sempre preocupados em agradar, pois não acreditam que as pessoas com as quais convivem possam achá-los interessantes – com base numa auto-estima negativa os agradadores estão sempre se achando inoportunos ou impróprios.
Inadequados ou perdedores – sentem-se como os agradadores – imperfeitos, “defeituosos”, “errados” – mas desistiram de fazer qualquer esforço para agradar. Ao contrário, envolvem-se em situações difíceis ou desastrosas apenas para confirmar o papel de perdedores.
Perfeccionistas – acreditam que serão amados ou reconhecidos apenas se forem “perfeitos”. Perfeccionistas são extremamente críticos e severos consigo mesmos e com os outros, o que gera relacionamentos conflituosos e estressantes.
Superempreendedores – são escolhidos como “heróis” da família, aqueles que irão encobrir as dificuldades, humilhações e derrotas do passado através de grandes feitos – tornaremse cientistas renomados, empresários de sucesso, artistas conhecidos. Têm compulsão pelo trabalho, e pouco tempo para si e para os outros.
Narcisistas – são extremamente inseguros e apresentam baixa auto-estima, que encobrem com uma fachada de autoconfiança elevada e com a grande capacidade que têm de manipular e iludir os agradadores, “inadequados” e superempreendedores. Não aceitam ser questionados ou criticados, e precisam ser sempre o centro das atenções.



Famílias disfuncionais usam os filhos para preencher as próprias necessidades emocionais


CO-DEPENDENTES DEPENDENTES
É aqui que a Co-dependência merece nosso foco. Originalmente, o termo “co-alcoólatra” foi designado para caracterizar a mulher do alcoólatra, a qual, na década de 1970, passou a fazer reuniões paralelas à do marido no AA – Alcoólicos Anônimos. Nelas, as mulheres perceberam possuir um denominador comum: toda a sua vida familiar girava em torno do dependente. De acordo com Sergio Nicastri, Coordenador do Programa Álcool e Drogas do hospital Albert Einstein, temendo perder o controle do sujeito subordinado, o co-dependente chega até a comprar ou pagar o vício do dependente. “Daí a necessidade de tratar tanto o alcoólatra como a sua família”, explica. São dependências paralelas. Da mesma maneira que um dependente desenvolve uma ligação com a droga que não consegue controlar, o co-dependente estabelece uma relação de sujeição com o outro que não consegue controlar, como explica Jorge Jaber, especialista em dependências químicas.

"O CO-DEPENDENTE MANTÉM UMA RELAÇÃO DE SUJEIÇÃO COM O OUTRO QUE NÃO CONSEGUE CONTROLAR, COMO O VICIADO COM A DROGA"

Ziemer diz que nas famílias disfuncionais, em que os pais usam seus filhos para preencher as próprias necessidades emocionais, as crianças logo aprendem que sentimentos positivos sobre elas mesmas (auto-estima) dependem do estado de humor dos adultos à sua volta. “Esse tipo de relacionamento, gradativamente, vai minando a autoconfiança da criança, estabelecendo as bases para um indivíduo dependente, inseguro, ‘escravo’ das necessidades e desejos alheios.” Segundo ele, crianças extremamente obedientes, desejosas de agradar, que facilmente cedem aos desejos alheios, são freqüentemente avaliadas como “crianças exemplares”. Ao contrário, aquelas que não se deixam moldar a este padrão são rotuladas de “ruins”, “más” ou “egoístas”, podendo receber todo tipo de ameaças e castigos. “Na verdade, há vários tipos de co-dependentes [veja quadro Os tipos de co-dependentes], e um dos mais comuns, pouco reconhecido, é o ‘salvador’”, acrescenta.

DEPENDENTE SALVADOR 
O “salvador”, como bem diz Ziemer, depende da capacidade de ajudar ou “salvar” outras pessoas, especialmente as “vítimas”, aquelas que não querem se responsabilizar pelos próprios problemas. Esse co-dependente se apresenta como uma pessoa que se dedica a ajudar outros dependentes. Dá palestras sobre o tema, exemplifica o seu sofrimento, recebe elogios e consideração dos outros, está sempre atento (e ao telefone) para auxiliar as famílias de dependentes (e aos próprios), possui uma história de significativas perdas laborais, familiares, sociais; está vinculado a centros de tratamento onde é sempre considerado e estimado; tem sempre uma história triste para contar a respeito de si mesmo e de seu familiar “viciado”; está, invariavelmente, atrás do seu dependente, freqüentando clínicas de recuperação e mostrando sempre seu lado bom e sofredor. Ele é sempre muito bem-visto por sua “capacidade” de estar resignadamente ao lado do seu ente querido.
A figura do cuidador é sempre muito
bem-vista por sua capacidade de estar 
resignadamente ao lado do seu ente querido


É preciso, entretanto, olhar além disso. O co-dependente neste caso, que não se julga codependente, possui, como já relatado, a autoestima no pé. Ao legar sua agenda de vida ao dependente, passa a estar sujeito a ele. Ballone reforça a afirmação: “Os profissionais com prática no exercício da clínica psiquiátrica sabem das dificuldades existenciais dessas pessoas co-dependentes; parece que os co-dependentes ficaram órfãos, de uma hora para outra, perdidos e sem propósito de vida; não é raro que passem elas, as pessoas co-dependentes, a apresentar problemas semelhantes àqueles dos antigos dependentes de que cuidavam; uma expressão que representa bem a maneira como o co-dependente adere à pessoa problemática é atadura emocional; diz-se que existe atadura emocional quando uma pessoa se encontra atrelada emocionalmente a coisas negativas ou patológicas de alguém que o rodeia”.

"AS CRIANÇAS LOGO APRENDEM QUE OS SENTIMENTOS POSITIVOS SOBRE ELAS MESMAS (AUTOESTIMA) DEPENDEM DO ESTADO DE HUMOR DOS ADULTOS À SUA VOLTA"

O salvador talvez seja o mais “patológico” dos co-dependentes. Isso porque projeta todas as suas frustrações e incompletudes no dependente. Para todos, parece que o co-dependente é um cuidador extremoso, dedicado e empenhado. Emocionalmente, entretanto, é um predador que usa a patologia do ente querido para se desvencilhar das próprias dificuldades, não enxerga suas limitações e ganha o reconhecimento das pessoas, o que mostra a distorção de sua auto-imagem e de sua autoconfiança. Ele se vale da doença do dependente para sobreviver. Seu papel, totalmente disfuncional, que “se pretende prender” unicamente à tarefa de se dedicar à recuperação do dependente, é, na verdade, fazer do dependente seu modo de viver e de conviver, não com o dependente, mas consigo mesmo. Emocionalmente ele acredita que está empenhado em cuidar do dependente, mas o que sobrevém mesmo é sua necessidade de ser reconhecido e ser aceito por esse “desprendimento”.

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