quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dependentes da dependência III

CONTINUAÇÃO... Parte III

José Antonio Mariano é psicanalista e 
jornalista especializado em saúde mental. 

O uso de substâncias psicoativas contribui 
para a desestruturação da personalidade do 
dependente e da família

FUGA PARA DENTRO DE SI MESMO

Trata-se de uma pessoa com a qual todas se condoem. Vive melancólica, acabrunhada, sempre contando a última que seu dependente aprontou. Não consegue disfarçar uma ponta de orgulho de tudo o que vem sofrendo, o que, não percebido pelos ouvintes, soa como fortitude. Orgulha-se de estar sempre à disposição de outros dependentes, numa atitude típica de fuga para dentro de si mesma já que não consegue auxiliar o próprio ente querido. Apresentase como uma vítima da situação, reforçando o caráter dependente e algumas vezes marginal do usuário de drogas, já que o pensamento vigente comum é “como alguém (o usuário) pode maltratar tanto uma pessoa tão boa como essa?”. O que fica claro nesse tipo de comportamento é que há interação e troca na relação entre o dependente e seu co-dependente. Há, provavelmente, na história dos dois, permissividade, violência, arrogância, falta de limites...

Tome-se como exemplo o pai permissivo e ausente. O filho, sem limites, sem proteção, sem aceitação no seio da família, procurará um grupo que o aceite. Mais tarde, lá na frente, esse pai tentará recuperar o que deixou para trás tornando-se resignado e com uma presença “opressiva-ausente”. Sua ausência “opressiva-ausente” se caracteriza pela constante necessidade de tentar controlar o uso de drogas pelo filho, com o exercício de uma “suave opressão”, que parece até um cândido cuidado, mas na verdade é uma tentativa de recuperação da ausência de tempos atrás. Talvez mesmo uma tentativa de recuperação de uma “potência paterna” não exercida. Existem pais que, autoritários na infância do filho, e por causa de sua incompetência – fruto de sua imaturidade, auto-imagem, autoconfiança e auto-estima rebaixadas, originadas também de traumas de sua infância –, tentam minimizar os efeitos deletérios exercidos sobre o filho na infância, agindo, no mínimo, com leniência.

O que ocorre de mais perverso nessa situação, que obviamente é profundamente emocional, é a não reconstrução do dependente. O co-dependente, “dependendo da dependência do dependente”, agindo como age, não permite – emocionalmente – que este se trate e tampouco ache o equilíbrio. Há, por parte do codependente, o medo terrível de que, com a parada do uso de drogas do dependente, ele, o co-dependente, cesse seu papel. Se o usuário conseguir efetivamente cessar o uso, o pretenso cuidador não terá mais como usá-lo como vitrine de seu narcisismo enrustido, de seu egoísmo. Dessa forma, o cuidador boicota todos os esforços do dependente em parar o uso, seja pagando suas dívidas, seja acobertando seus deslizes, seja levando-o para clínicas reconhecidamente sem condições de tratá-lo, seja passando a mão em sua cabeça para contar aos outros como sua vida é sofrida apesar de todos os seus esforços.


Para Jung, o princípio do mal prevalecente 
no mundo conduz as necessidades espirituais

BUSCA ESPIRITUAL

A família, por si só, pode ser um fator exponencialmente perigoso para o dependente. Dizer “o doente é ele” é comum nas famílias, que constituem um empecilho poderoso para recuperação do dependente. A exemplo dos casos apresentados, a família disfuncional não admite sua desestruturação e deposita no dependente todos os seus traumas. As doenças presentes na família – alcoolismo do pai, depressão da mãe, drogadição dos filhos – não são reconhecidas. Quando um sintoma ou outro aparece, o que se depreende é que a causa seja o usuário. E não é. Os “defeitos” por assim dizer, já existiam e só esperavam uma válvula – o dependente que expressou sua dependência – para explodirem. Assim, é fácil entender por que 50% dos pacientes dependentes químicos que saem de centros de tratamento voltam a usar drogas três meses depois e 70%, seis meses depois. O que ocorre é que a família, com todas as suas disfunções, alimenta emocionalmente a dependência do usuário para ele continuar disfuncional e não mudar nada.

O que se pergunta é o que busca o dependente, com seu abuso crônico de drogas, e o co-dependente, com sua dependência do dependente. Uma das explicações mais instigantes e intrigantes está com Jung. O controvertido e sempre estimulante psicólogo suíço trocou cartas com Bill Wilson, o fundador do AA–Alcoólicos Anônimos. Em resposta a uma missiva de Wilson, Jung diz (em 30 de janeiro de 1961): “Estou firmemente convencido de que o princípio do mal prevalecente no mundo conduz as necessidades espirituais, quando negadas à perdição, se ele não for contrabalançado por uma experiência religiosa ou pelas barreiras protetoras da comunidade humana. O homem comum desligado dos planos superiores, isolado de sua comunidade, não pode resistir aos poderes do mal, muito propriamente chamados de demônio. Mas o uso de tais palavras nos leva a tais enganos que temos de nos manter afastados delas, tanto quanto possível. (...). Veja você, “alcohol” em latim significa “espírito”, e você, no entanto, usa a mesma palavra tanto para designar a mais alta experiência religiosa como para designar o mais depravador dos venenos. A receita então é “spiritus” contra “spiritum”.


"SE O DEPENDENTE DEIXAR DE USAR DROGAS, TANTO ELE COMO A FAMÍLIA TERÃO DE LIDAR COM AS PRÓPRIAS DIFICULDADES. E PARA ISSO ELES NÃO ESTÃO DISPOSTOS"

Co-dependência: o transtorno e a intervenção em rede

Co-dependência, expressão que originalmente designava a relação entre cônjuges alcoólatras, hoje expressa uma situação mais ampla e institucionalizada na qual, em linhas gerais, alguns favorecem sistematicamente a manutenção da dependência de outros, que tendem a permanecer imaturos. É com este enfoque que trabalha Maria Aparecida Zampieri. Ela apresenta a fundamentação científica de sua visão de co-dependência como um transtorno de personalidade, e sua proposta é que ele seja oficialmente reconhecido e classificado como tal. No livro, a autora mostra critérios para diagnóstico e sugere formas de intervenção em rede, com exemplos de aplicações e de resultados. Ela aborda os mais variados casos, como dependência conjugal, familiar, grupal, social, institucional e sexual. Em sua argumentação, lança mão de conceitos da neurofisiologia, do Psicodrama – de Moreno aos autores contemporâneos –, da teoria sistêmica e da física, matérias que ela domina graças a sua ampla formação. Profissionais das mais diversas categorias das áreas de saúde e relações humanas se beneficiarão deste livro preciso e original. “Enfim, ler para crer. Com o aval seguro e incontestável de Maria Aparecida Junqueira Zampieri, nossa querida Tina, luz de Rio Preto a iluminar com o novo vãos ainda obscuros e inexplorados do Psicodrama”.

Crédito: link de Ciência & Vida, click AQUI!


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