domingo, 10 de abril de 2011

Amar, Carlos Drummond



        Que pode uma criatura 
        senão entre criaturas, amar?
        Amar e esquecer?
        Amar e malamar
        Amar, desamar e amar
        Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
        Que pode, pergunto, o ser amoroso,
        Sozinho, em rotação universal,
        se não rodar também, e amar?
        Amar o que o mar trás a praia,


        O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
        é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
        Amar solenemente as palmas do deserto,
        o que é entrega ou adoração expectante,
        e amor inóspito, o áspero
        Um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte,
        e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
        Este é o nosso destino:
        amor sem conta, distribuído pelas coisas
        pérfidas ou nulas,
        doação ilimitada a uma completa ingratidão,
        e na concha vazia do amor a procura medrosa,
        paciente, de mais e mais amor
        Amar a nossa mesma falta de amor,
        e na secura nossa, amar a água implícita,
        e o beijo tácito e a sede infinita.

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