O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar as relações que se estabelecem nas famílias que têm em seu seio pessoas portadoras de uso pesado de drogas ou de dependência química e sua influência no comportamento funcional da família.
Abaixo apresentamos algumas definições de codependência que retiramos de alguns livros especializados no assunto:
“Codependência é a necessidade imperiosa de controlar coisas, pessoas, circunstâncias, comportamentos e situações na expectativa de controlar suas próprias emoções”.
“Codependência é uma condição emocional, psicológica e comportamental que se desenvolve como resultado da prática e da exposição prolongada do indivíduo a regras opressivas, que impedem a expressão aberta de sentimentos e a discussão direta de problemas pessoais e interpessoais”.
“Codependência são comportamentos aprendidos de derrota ou defeitos de caráter que resultam numa diminuição da capacidade de iniciar relações afetivas ou participar dela".
Em nossa opinião “codependência é uma doença psicológica e comportamental que tem como característica principal de seus portadores, uma falta absoluta de identidade própria e de auto-estima”.
Em consultório, pais de filhos dependentes químicos se apresentam como se fossem os grandes culpados de que o filho enveredou pelos caminhos das drogas, e pretendem se redimir deste fato, fazendo de tudo que lhes é possível, na tentativa de recuperar o filho de antes do uso de drogas. Culpam-se mutuamente, lembram de coisas materiais que negaram ao filho e que poderiam ter influenciado na drogadição do rapaz, culpam a escola, os amigos e colegas do bairro ou do condomínio. Culpam as instituições e a polícia que não reduzem a oferta de drogas nas ruas da cidade, e, como o filho não pensa em deixar o uso de drogas, partem para uma tentativa de controle total e absoluto do filho.
Esta necessidade de controle impede que a pessoa que sofre de codependência perceba que sua capacidade de controle é muito pequena e limitada, levando-a a esforçar-se até de forma insana, com a finalidade de controlar o incontrolável, ou seja, o destino de uma outra pessoa. Da mesma forma, nega todas as evidências claras que estão ali em sua frente, e que poderá, no futuro próximo, vir a enfrentar um problema ainda maior que suas habilidades físicas, emocionais e espirituais lhe permitem.
A codependência aparece em situações vividas por famílias de alcoólicos, dependentes químicos afetados por uso de drogas pesadas, como: a cocaína, o crack, o LSD, as anfetaminas, a heroína, e até de remédios de farmácia (tranqüilizantes, estimulantes, xaropes, moderadores de apetite).
O uso compulsivo destas substâncias cria no usuário o que se chama de Dependência Química, provocando na pessoa dependente a desestruturação de sua personalidade e perda do contato com a realidade.
Existem outras situações que desenvolvem também comportamentos compulsivos nas pessoas, e entre estas destacamos: a compulsão sexual, o trabalho excessivo, o jogo, os gastos e compras descontrolados, o comer exagerado, os quais podem levar também as famílias dos portadores a desenvolverem codependência. Por outro lado, familiares de portadores de doenças mentais, como esquizofrenia, psicoses e transtorno borderline podem desenvolver codependência, como acontece com familiares de dependentes químicos.
Em todas as famílias nas quais há codependência instalada, principalmente no caso de usuários de drogas, o familiar problemático é um indivíduo amado obcecadamente, todos seus passos são conhecidos e vigiados pela família, principalmente pelo membro codependente, seus gostos, manias e preferências estimulados pela mãe, suas listas de comidas preferidas discutida com riqueza de detalhes. Todos os membros da família sofrem por ele, tentam controlá-lo, mas como ninguém da família é capaz de controlar nem mesmo a si próprio, imagine-se tentar controlar um indivíduo doente de uso de drogas.
Pode-se dizer que a codependência é uma condição emocional, psicológica e comportamental resultante do não atendimento das necessidades emocionais básicas das pessoas, fato que as torna insensíveis, e que termina por impedir tanto a expressão aberta dos seus sentimentos, como a discussão franca de seus problemas interpessoais. Esta possibilidade de discutir sobre o que está acontecendo no seio da família, não se dá nem mesmo entre os outros membros mais sãos, nem tampouco entre o pai e a mãe do indivíduo problemático.
O codependente é um sofredor eterno, um depressivo, possui baixa auto-estima, uma forte compulsão a tentar ajudar pessoas, mas, ao mesmo tempo, também deseja controlá-las. Além do mais apresenta uma predisposição básica ao sofrimento. Acredita poder resgatar todos problemas que assolam a humanidade, e quando cai em si, percebe que é totalmente incapaz de ser feliz. Com o tempo se tornam também pessoas problemáticas para toda a família.
Devido à sua maneira de agir, para o codependente não há a exigência da troca amar e ser amado, somente ele quer oferecer amor, não necessita haver retorno, e como conseqüência aparece o seu isolamento de todos os outros membros da família. Muitos codependentes acreditam achar refúgio em suas carreiras profissionais, com a finalidade de protegerem seus sentimentos disfuncionais, outros acreditam achar seus mundos em festas, encontros sociais, práticas esportivas, e outros locais onde podem receber, ao menos, atenção de outros seres humanos. Seus outros filhos não dependentes químicos se queixam que foram esquecidos pelos pais codependentes e muitas vezes, passam a se drogar para assim, receberem as mesmas atenções que o irmão problemático.
Alguns outros codependentes enveredam por envolvimentos amorosos complicados e tumultuosos, com pessoas difíceis e distantes, mas sempre por detrás destes amores, estão seus reais conflitos. Os amores escolhidos são sempre retratos fiéis de seus conflitos internos, ou seja, a mulher que sofre de codependência de seu pai alcoolista, procura seu amor num homem mais velho, amante da boa vida e, em muitas vezes, também alcoolista. Ela buscou em seu amor um modelo igual ao de seu pai, não seria porque conhece, ou acredita conhecer como lidar com o modelo do pai alcoolista?
Em casamentos nos quais se desenvolveu um problema compulsivo, um dos cônjuges pode se tornar obsessivo pela idéia de não ter feito as coisas direito, e na tentativa de superar suas culpas e medo, vai aumentando sua obsessão, esforçando-se mais e mais, naquilo que deu errado. Passa a querer controlar a vida do outro, e a frustração que sente, pode até acabar com sua alegria de vida. O codependente experimenta um constante fracasso, pois todas suas tentativas de controle não dão certo, isto faz com que haja uma realimentação de sua culpa e uma nova tentativa de controle, seguida de um novo fracasso, e sua vida parece estar para sempre embaraçada em amarras que não consegue cortar.
A convivência da família com um dependente químico é cruel para toda a família, pois seus comportamentos inesperados, indiferentes, desonestos, desenvolvem em todos ao seu redor uma dependência emocional que equivale à dependência química. Todos vivem em função das atitudes do dependente químico, sendo esta situação estranha e paradoxal.
Algumas pessoas acreditam que os codependentes sejam tão insanos como os usuários de drogas ou álcool, enquanto estes usam drogas para saírem do mundo real que os afoga e os oprime, os codependentes suportam suas dores sem os efeitos anestésicos da droga ou do álcool. Talvez se possa dizer, sem medo de errar, que a droga dos codependentes é o filho drogado.
Negar a existência da dependência química do familiar é uma maneira usual de fuga do problema, fato que serve para aliviar a ansiedade que ela provoca. Esta negação aparece em toda família disfuncional, e de uma forma ou de outra, todos seus membros negam os fatos que são tão evidentes para os que a observam do exterior. Se alguém pensar em mostrar para eles a realidade que todos estão vendo e sentindo, ou mesmo simplesmente sugerir que algo precisa ser feito, sofrerá severas críticas do núcleo doente da família, e correrá até o risco de ser posto de lado e marginalizado, pois se tornou uma ameaça à suposta integridade da família.
Principais características dos codependentes
Abaixo destacamos diversas características das pessoas codependentes:
julga-se responsável por outra pessoa, por seus sentimentos, pensamentos, ações, escolhas e vontades e sente-se compelido a ajudar os outros.
culpa aos outros pela codependência que vive.
quase sempre é proveniente de família problemática, reprimida ou não funcional, mas nega veementemente que sua família seja problemática.
tende a se sentir e a se mostrar sempre como vítima, é eternamente insatisfeito com tudo que faz.
gosta de provar que é bom para com os outros.
são pessoas rígidas e aparentemente controladas, sentem-se ansiosos em relação a problemas e pessoas, ficam muitas vezes frustrados e furiosos.
tentam controlar pessoas por meio de culpa, ameaças, conselhos e manipulações, ignoram os problemas que vivem ou fingem que os mesmos não estão acontecendo.
não buscam a felicidade, satisfação ou tranqüilidade com sua própria vida, gastam dinheiro de forma compulsiva, mentem para si mesmo.
buscam desesperadamente amor e aprovação, procuram amor em quem é incapaz de amar, continuam mantendo relacionamentos que já não funcionam.
mente para se proteger e encobrir aqueles a quem ama. Reclama, culpa, torna-se intolerante, sente-se apavorado, ferido e furioso, mas não faz nada para mudar o que sente.
mantém relações sexuais mesmo quando não deseja. Perdem o interesse pelo sexo. Em muitos casos mantêm complicados romances extraconjugais.
é um grande deprimido, ansioso, introvertido, retraído e isolado. Pensa que morrendo ou se suicidando, poria fim à sua angústia
Possui amplas características de se tornar um dia um dependente químico de álcool e drogas.
Mas há solução para tudo que foi dito até agora? Há atitudes a serem tomadas que abrandariam a fome de controle dos codependentes? Como se deve lidar com o problema das drogas que afeta parcela significativa da população do mundo em que vivemos?
O tratamento da codependência
O primeiro passo a ser tomado é a aceitação de que ele, o codependente, não é tão forte como pretende ser, ou como os outros gostariam que fosse. Deve deixar que a realidade atue e lhe mostre caminhos, e a partir deste fato, não precisará mais fugir daquilo que está ali na sua frente para ser visto e vivido. Quando conseguir olhar para dentro de si, refletir, enxergar e aceitar sua falta de culpa do que aconteceu ao seu ente querido e aprender que não pode controlar a vida de outra pessoa. Ao atingir este estágio, descobrirá que os fatos do cotidiano que lhe surpreendem, mesmo de maneira desagradável, servem para engrandecer sua pessoa, através do aprendizado que será útil em situações posterior. A idéia básica do processo é crescer à custa da experiência adquirida
Um segundo passo é filiar-se a algum grupo de apoio, local onde interagirá com pessoas que sofrem dos mesmos males que ele, mas que estão conseguindo mudar o rumo de suas vidas, graças ao apoio que recebem. Pais de dependentes químicos que freqüentam grupos de apoio têm muito mais possibilidades de verem seu problema resolvido que pais que acreditam poder resolver seus problemas sozinhos.
Um terceiro passo é procurar terapia com profissionais do ramo, e que tenham experiência de como cuidar de pessoas codependentes. O profissional escolhido reunirá os membros significativos da família do dependente químico e trabalhará as soluções viáveis do problema que todos enfrentam, e cobrará dos membros codependentes a aceitação do estado vigente na família, e as mudanças que precisam ser feitas.
Um quarto passo a ser tomado por pessoas codependentes que necessitem tratamento contra depressão, ansiedade, síndrome do pânico é procurar um bom psiquiatra e se medicar, tentando voltar a ter a mesma capacidade anterior aos fatos que geraram sua codependência.
Quando o codependente para com suas manipulações sobre o dependente químico, este também nota claramente a modificação de como seu problema está sendo encarado pela família, e começa a sentir-se responsável por sua vida, mas ainda continua com o direito de escolher se deve continuar nas drogas ou não. Começa a ver o alto preço que paga para se manter fora da realidade, e do esforço que todos estão fazendo para auxiliá-lo.
A tarefa do cônjuge e dos pais não é modificar ou endireitar a vida do membro da família que está fora de rumo, mas sim cuidar de sua própria felicidade, melhorá-la, lutar para estar bem consigo mesmo e, assim, estar apto a poder ajudar quem necessita de sua ajuda. Somente quem tira alguém das drogas é o próprio dependente químico, pois é com um balanço de perdas que teve e está tendo, que chegará à conclusão que tem de mudar. Ao mesmo tempo verá que perdeu o controle de sua vida para as drogas; que perdeu a sua condição de ser humano, tornando-se um quase boneco; perdeu a liberdade, aquela pela qual sempre lutou, tornando-se hoje em dia um escravo das drogas.
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