segunda-feira, 14 de junho de 2010

O que são profetas e oráculos, Paulo Ghiraldelli Jr.

Portal Brasileiro da Filosofia

 O que são profetas e oráculos

Proto-história da verdade

Profetas e oráculos: a verdade como descoberta ou como fabricada

Oráculos lidam com a verdade de um modo diferente daquele dos profetas. Profecia é uma coisa, a verdade do oráculo é outra. Os profetas explicitam uma verdade que será apontada. Ao ouvinte, cabe não interpretação, mas reconhecimento da verdade quando ela acontecer. Pode-se anunciar a vinda de um salvador e, então, aguardar o momento de reconhecer ou não o salvador quando ele surgir. O oráculo não produz algo para ser reconhecido, mas interpretado. Ele diz uma verdade que permite interpretação e, mais que isso, alteração pelos que ficam sabendo da verdade, que podem então tentar controlar o destino.

Os que escutam o profeta sabem que o que ele disse ocorrerá. As disputas se dão na forma do reconhecimento. Uns podem reconhecer em um determinado evento ou pessoa o que foi profetizado e outros podem não reconhecer e, então, fazem nascer a disputa sobre a profecia. É isso que difere cristãos de judeus. A profecia sobre a vinda de um Messias é a questão. Cristãos apontam Jesus. Judeus não reconhecem Jesus como o Messias.

Os que acompanham o Oráculo sabem que o que ele disse precisa ser interpretado corretamente. Tratando-se de uma desgraça, eles tentarão evitar, mas se for algo bom buscarão tirar de cena os empecilhos. Todavia, a fala oracular, por mais simples que seja, pode ser um tipo de xarada que implica na interpretação correta. Em geral, nas histórias de oráculos, o que é dito ocorre, mas de um modo que não se esperava. Aliás, nunca se sabe se realmente ocorre, pois depois de determinado desfecho, pode-se interpretar o que ocorreu como sendo aquilo que aconteceu o real aviso oracular. É isso que se passa com Sócrates.

Sócrates escuta o recado do Oráculo dizendo que ele é sábio e, então, parte para refutá-lo, procurando outros mais sábios do que ele. Ao final, ele interpreta que aquilo que o oráculo queria dizer não era o que ele concluiu inicialmente. Inicialmente ele interpreta que ele não sabia, mas, ao menos, sabia que não sabia, enquanto que os outros acreditavam saber muitas coisas que não sabiam. Mas, já bem mais velho, Sócrates diz que a interpretação correta era a de ter filosofado como filosofou, fazendo a cidade inteira se questionar e, assim, sendo a Mosca de Atenas, ter trabalhado no sentido de conter o orgulho excessivo dos cidadãos. Ele interpreta, ao final da vida, que era isso que o Oráculo de Delfos queria dele. Assim, o que o oráculo disse se realizou, foi uma verdade, mas não do modo que Sócrates inicialmente pensou. O oráculo firmou a verdade de Sócrates como o mais sábio ao final, quando ele viu que suas perguntas não tinham resposta, mas que ser sábio não era respondê-las e, sim, fazer as indagações. Por isso, para Sócrates, ao final da vida, a frase com a qual ele fica é “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Quem pensa assim, então, é sábio.

A verdade da profecia coloca o povo que dela participa, ouvindo o profeta, na arte de um trabalho intelectual que é o reconhecimento. A verdade oracular coloca os que dela participam na arte da interpretação, um trabalho que, não raro, antes fabrica a verdade – posta na interpretação final – que a descobre. Nos dois casos, o trabalho não é exclusivamente cognitivo. A verdade do profeta é encontrada por reconhecimento, mas como reconhecer algo que nunca foi visto antes? Há uma margem de erro, portanto, nessa atividade. A verdade do oráculo é interpretada, mas não em uma atividade hermenêutica, e sim por meio da própria prática de lidar com o que o oráculo falou, ou seja, tentando refutá-lo ou então tentando evitar que ocorra ou tentando fazer com que ocorra.

No limite, a verdade da profecia é uma verdade encontrada e a verdade do oráculo é uma verdade fabricada. Ultrapassada a fase de profecias e oráculos, quando se instaura a filosofia, todo o passado retorna então crivado pela razão. Instaura-se a discussão sobre se a verdade é descoberta ou fabricada. Mas, nesse caso, sobre outras bases. Começa-se a usar a lógica, o discurso consistente. Termina a proto-história da verdade. Inicia-se a história da verdade.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ

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