quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O que foi que me aconteceu ?


Estava cuidando da minha internação junto com uma filha, a quem prometia me internar. Estava decidido a cessar o uso de modo definitivo. Esta filha, devo contar, certa feita, entrou no meu quarto para dialogar comigo e eu estava muito louco. Apesar do meu estado, nunca fui agressivo e esta foi uma marca registrada durante todo o período de minha drogadição. Fui muito receptivo e tentei alegra-la, em vão.

Minha índole é pacífica. Na juventude, era diferente. Amadureci, só isso. Aprendi que quem briga não tem nada na cabeça. 

Voltemos a minha filha. Ela entra no quarto e me diz: - você não acha que está na hora de procurar ajuda? respondi : - claro que sim!  Ela disse: - então vou adiantar sua internação. Ponderei: - Filha, quero que me ouça. estou em uma situação delicada, que preciso resolver para depois internar-me em uma clínica voluntária. 

Existiam algumas opções boas, com ótimas referências. Não acredito na involuntariedade, principalmente no meu caso. Mas, em minha conversação com ela, percebi que ela me olhava de uma forma tristonha  e afetuosa. Brinquei com ela. Tentei disfarçar o indisfarçavel. Minha cara não me permitia mentir. Estava em uso! 

Os olhos dela me comoveram e prometi que tão logo tudo fosse solucionado, ligaria para ela, sem embromação. Selamos o pacto. Tinha que solucionar uns débitos contraídos em mãos de pessoas que não tem vinculação alguma com o tráfico e estava certo de que o empréstimo, que solicitei a uma instituição financeira, me seria creditado, em tempo. Não sabia que corretores brigavam pela obtenção de comissões e, sem saber, nesta briga do mundo da corretagem, fui sendo enrolado enquanto brigavam e assim foram protelando o deposito da importância solicitada. 

O tempo ia passando e minha palavra empenhada estava sendo posta em duvida. As pessoas a quem devia deram para buscar receber o que eu devia, sem entrar no mérito desses débitos. Não irei  julgar ninguém! 

Envergonhado evitava atender telefonemas. Enquanto isso já haviam se passado doze dias, quando uma senhora me ligou. Era uma corretora informando que meu crédito seria depositado dia seguinte. Pouco depois uma pessoa me ligou para cobrar e atendi e transmiti a noticia. Sentia-me aliviado. Pouco depois uma irmã apareceu, em casa, e fiquei conversando com ela por algum tempo. Contudo, temia que alguém quisesse me pegar à força para cobrar o que eu devia. Era uma premonição!

Meu estado era de apreensão. Andava preocupado e atento a tudo. Agora restava pouco. Era uma questão de esperar o dia amanhecer. 

Sem que eu soubesse, outras pessoas da família, ignorando o acordo feito com minha filha, haviam providenciado uma equipe de resgate para me apanhar. Quando saia do sanitario, após o banho, dois sujeitos me pegaram e me imobilizaram. Eu disse, assustado:-esperem ai, já consegui a grana, vamos conversar! Os caras, com pinta de matadores, não me davam ouvidos e foram me arrastando até me colocarem dentro de um carro preto. 

O carro arrastou e eu disse, agora é encarar a morte de cabeça erguida e silenciei. De repente o cara que ia no fundo, que me assombrava, disse, em tom de pergunta: -o que foi que você andou aprontando?  respondi com uma pergunta: -para onde estão me levando? e o cara falou em um local de desova. A pergunta dele me deixou entender que eles eram policiais, mas não sabia de que nível. O carro que eles usavam era um mercedes preto. tudo indicava que iriam me conduzir para um local de extermínio. Mas o que eles estavam fazendo, na realidade, era um sequestro-resgate e, desse modo me conduziam a uma clínica involuntária.

Que horror! Também pensava: e agora, como quitarei meus débitos? Quanto tempo terei que ficar aqui e isso ninguém dizia.. Era coisa entre seis meses a um ano, de cativeiro. 

Interiormente vivia um drama particular intenso e todos se lixavam pra mim. Dizia comigo mesmo, puta que pariu, fizeram uma merda comigo! O pior é que, quando vi a quantidade de grades, disse a mim mesmo:-estou em uma Alcatraz; Tô fodido! 

Sobre a clínica penso em falar depois. Fui conduzido a dormir em um local, dormitório coletivo, que depois fiquei sabendo, era denominado como "favela", ou "carandirú". Depois de comer alguma coisa, deram-me um remédio, indicaram-me a cama e, como quem tem que aceitar aquilo, deitei e dormi. 

Cedo todos acordam para o café. Antes, porém, as celas são abertas, retiram os cadeados e descemos para o café. Eu era o estranho no ninho. 

Logo fui procurado pelos "donos do pedaço". Queriam dinheiro para aqisição de drogas. "Aqui é como nos presidios", disseram-me. Nenhum conhecido! 

Depois de algum tempo, o proprietário me falou que existia um outro quarto, melhor e se eu quisesse mudar era só falar com o monitor(GAP). Na mesma hora pedi para examinar. Vi e gostei. Apressei-me e pedi a mudança imediatamente. No quarto apenas um senhor magérrimo, com lapsos de memória impressionantes. Antes nesse quarto do que no carandiru. Fiquei aliviado! 

Sem me dar conta, no segundo dia, os caras do "carandiru" estavam em festa. Não sabia, ainda ,que haviam me furtado quatro camisas de marca e com a venda delas, compraram drogas. Como conseguiam sair e comprar? essa é outra conversa que deixo pra depois. Foram os caras mais barra-pesada que já conheci. Periculosos, mas todos, no fundo, no fundo, sofredores e com uma alma boa. Ali, para eles era uma cadeia, lá fora era a liberdade e não a droga. Muitos, contudo, não tinham mais opção, senão viver em cativeiro por imposição familiar. Viraram pássaros engaiolados, com um canto dolorido de um sofrê...

Volto quando for possível e permitido!


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