sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Convalescendo e me recuperando


Poucas são as pessoas que procuram saber de mim, da minha vida, da minha saúde, do meu estado físico, psíquico e espiritual.

Algumas poucas pessoas buscam informações pela via oblíqua, cheias de artimanhas que são, mas estou acordado para os treiteiros.  Essa gente, medíocre, que parece ter o carimbo da hipocrisia estampado na face consegue, infelizmente, enganar incautos, gente sincera que em tudo crê.

Vivem falando da vida de Quelé. Me lixo para este tipo de gente de pouca educação e grau de instrução. 

Detesto gente que vive de tricas e futricas, que falseiam a realidade, que inventam estorinhas e que se dizem solidários, mas não valem um tostão pois não nasceram pra dez réis. 

Pessoas secas e amarguradas, exageradas, fantasiosas, insensatas e descomedidos, que chegam ao cúmulo de, perante um familiar, dizer que torce por mim. São seres amargos, tanto quanto a ironia que destilam. Quem não os conhecem, que os comprem. Dotados de uma ironia tão rasteira, que os vejo como repteis, em pântanos enlodaçados... Esta gente compõe o quadro cômico e destoante, da sociedade composta por seres inteligentes. 

Abstraindo estas ignóbeis criaturas, do presente texto, devo dizer que o universo do adicto é muito complexo, antes, durante e após o seu rompimento com o mundo das drogas. Quem vivenciou, ou vivencia este problema, sabe muito bem o que quero dizer. Nem tudo são flores!

Não estou com a saúde plenamente restabelecida. Preciso me cuidar. Mas, o que me satisfaz é saber que estou limpo faz um bocado de tempo.

Fugi de uma "clínica" por duas vezes, correndo risco de vida, usando "Teresas" (um lençol amarrado em outros, formando uma espécie de corda), para descer do alto em que me encontrava, até chegar ao plano da rua.

A minha segunda fuga me fez ver que algumas coisas que não tinha pensado: fugi e ninguém conseguiu me encontrar, de lugar em lugar, ia me escondendo e ninguém conseguiu me pegar, então me veio à mente que, caso regressasse, para dar desintoxicar-me por um tempo, não seria mal e estaria dentro os meus planos. Se voltasse, faria isto de modo voluntário e, sendo voluntário, com certeza , conseguiria me reencontrar e dar inicio a minha volta ao mundo da sobriedade.  Então decidi voltar. Não sabia como seria recebido. Mas voltei. Bati, insistentemente na porta do local em que fiquei. Apareceu o dono, que cumprimentei e disse a ele: - estou voltando! Só isso e algumas poucas palavras a mais. 

Fui bem recebido. Tomei café. Vi alguns companheiros assustados e incrédulos com meu regresso. Voltei ao quarto que ocupava e dei começo a uma recuperação minha, que eu próprio cuidei de delinear. Lia muito, mas o tempo vai nos consumindo até, que mercê de todo esforço, chega um momento de exaustão. Um longo período de tempo pode conduzir à regressão e a pessoa recai, antes mesmo de sair. Vem o tédio, o cotidiano enfadonho...Percebi que era hora de partir, de sair da gaiola e alçar voo. Tive sorte, neste aspecto. Agora era continuar meu próprio tratamento, com base nas ferramentas que já conheço. É um estado de convalescença. de recuperação e ressocialização. 

Reconheço que foi uma luta, porque lá dentro rolava drogas e eu me recusava usar. Um filho e uma filha me apoiavam, telefonavam e me mandavam material de leitura. Minha filha e filho pegaram aviões distintos e foram me visitar. Logo partiram e deixaram muita saudade. Adicto tem bons sentimentos e não é o que a mídia sensacionalista transforma em lugar comum. Ainda se fossemos, seríamos, do mesmo modo, seres humanos inseridos em meios sociais doentes.

É bom para um adicto sentir apoio, sentir que não foi totalmente desumanizado, quer pelos estigmas quer por rotulações, ou, ainda, pela ignorância que versa sobre a doença, quer pelo preconceito e vergonha de familiares pequeno burgueses. Sentir-se apoiado dá ânimo e força para lutar. Cria motivação e restabelece laços afetivos. Mas o apoio é restrito a poucas pessoas. A maioria cumpre a mera formalidade, que a consciência do dever obriga, mas o adicto sente a segregação, o afastamento e a exclusão, a falta de calor humano, ausência de noticias. Enfim, percebe que uma parte da família resolveu sepulta-lo de seus corações. Não vai haver mais aquele "alô, como vai"...

Sentir-se apoiado é saber que nem tudo acabou, que a sensação de abandono não é total e, assim sendo a esperança dentro do adicto se fortalece, mas aos poucos ele vai verificando que dentro dele algumas pessoas se deixaram sepultar pela ausência... Ninguém se recupera sozinho e pessoas precisam de pessoas. Não se sentir sozinho e abandonado é uma força que impulsiona afirmativamente. Eram dois filhos e nada mais, além de um, ou outro telefonema. Eles dois era o que me restava, naqueles momentos difíceis.

Achei tão bonito o gesto deles de saírem das suas respectivas zonas de conforto para me visitarem.

Bem, das minhas tristezas recordo uma: tinha uma bíblia, que me furtaram em minha segunda fuga e, de tudo que perdi, foi a perda que mais me chocou. Que o bom ladrão faça bom uso dela!

Mas voltando a minha saúde, tenho que cuidar dela direitinho para me considerar quase 100% saudável.  Mesmo assim, no plano físico, espiritual e mental, sinto-me bem. Vez por outra acontece uma quebra de harmonia e isso gera pequenas discussões e algumas escaramuças. Todas controláveis e contornáveis. Coisas que antes me impulsionariam para sair do ambiente desarmonizado, para por meus pés na rua e, daí, cair nas garras da adicção ativa. Devo dizer que não sei para onde estou indo, mas sei que não estou perdido. Penso e oro por muita gente e minha vida está nas mãos do meu poder superior, conforme o concebo.

Não posso ainda dizer que me sinto feliz, porque, por mais que eu tente viver na base do só por hoje, vivendo um dia de cada vez, esquecendo o passado e o futuro, volta e meia emergem situações que me são desagradáveis, do passado amargurado. Também pintam preocupações com o futuro, com o refazimento da minha vida. Por vezes sinto uma bipolaridade e reajo.

Hoje sinto a falta de um blog que muito estimava e percebi que a perda dele me deixou abatido. Então digo a mim mesmo que é necessário reagir e reajo. Não vou me entregar!

Existem tantas coisas que gostaria de escrever, talvez em tom de desabafo, pondo em prática minha honestidade comigo mesmo, mas sinto-me amarrado pela consciência, que me obriga o comedimento de tantas coisas e, assim procedendo, evito as más interpretações do que teria a escrever, de verdades que silencio. Também gostaria de falar de infâmias e injúrias. De mentiras ditas a meu respeito. De imputações falsas, de coisas atribuídas a mim. Como disse, no mundo da drogadição, tudo é muito complexo e eu precisaria ter em meu derredor, um circulo íntimo, capaz de compreender que tenho reparações a fazer, com toda humildade, mas sinto dizer que reparações e defeitos de caráter, imperfeições e muitos tipos de mazelas, não são marcas apenas de adictos, vez que acomete a todos, indistintamente.

Os mais puros, são os que foram se auto lapidando, corrigindo imperfeições, é o que faço e é o que gostaria que todos fizessem, que fossem humildes, sinceros e honestos consigo mesmo, como busco ser de igual modo. 

Então o que tenho a dizer é que vou muito bem, obrigado a todos os que me apoiaram e me deram a mão e que me sinto com a alma mais leve, mais purificado, e que a sobriedade me traz de volta um outro cara e é esse cara que pretendo ser, com as novas lições aprendidas na vida cotidiana e prática. 

De resto, aquele abraço de um cara que sabe que a felicidade mora dentro dele.  Sigo limpo, esta é a meta que defendo!

SPH

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