quarta-feira, 16 de março de 2011

Desligamento com Amor


Uma das primeiras coisas que ouvi num grupo de ajuda mútua a familiares de dependentes químicos foi o Desligamento com Amor, foi difícil entender como eu poderia me desligar do adicto com amor.

No começo a única coisa que conseguia era me desligar por rancor, e frases do tipo “Ah, eu não ligo”, ou “ Problema é seu”; era o que eu conseguia fazer, mesmo assim com muita dificuldade e dor. Era difícil ver o adicto seguindo por caminhos que não eram aqueles que eu havia escolhido pra ele, ou que eu achava sensato.

Com o tempo aprendi que outra frase me ajudava mais: Eu lhe amo, mas odeio sua adicção! Afinal a adicção havia transformado meu “príncipe encantado” em algoz, que “só me fazia sofrer e não me dava valor” (sentiram a auto piedade, rs). Tentava de tudo, tentava me desligar e a cada segundo em que eu pensava em desligamento mais ligada eu ficava.

Com muita ajuda, e muito esforço, aos poucos, de gotinha em gotinha mesmo, fui conseguindo pequenas vitórias: dormir uma noite inteira, sentir o gosto de um almoço (pois eu vivia ligada no 220 v, engolia a comida ao invés de ter o prazer de uma alimentação), sorrir, fazer amizades, cumprimentar os vizinhos.

O que me ajudou muito foram as reuniões, pois foi nelas, que percebi que não era só na minha casa que acontecia; com a ida às reuniões que descobri que eu podia a cada semana reavaliar se eu estava caminhando ou empacada, se eu estava deixando a adicção afetar novamente meu equilíbrio, ou não.

Há pouco tempo, percebi que mesmo, evoluindo muito no desligamento emocional, eu ainda me sentia muito responsável pelo meu familiar adicto, ainda sentia aquela auto piedade horrorosa de achar que ainda o adicto fazia as coisas pra me atingir.

Reformulei todo meu casamento, e decidimos nos separar, faz poucos dias, e parece que todos a nossa volta estão com aquele jeito de velório, mas mesmo sendo uma decisão difícil e dolorosa, eu sinto uma imensa sensação de leveza, parece uma redenção, foi preciso a separação, foi preciso que nos afastássemos pra que eu pudesse perceber realmente que eu não sou responsável por ninguém, e pra que meu familiar também sentisse a leveza da libertação, ele também está se sentindo liberto afinal não tem alguém lhe dizendo o que fazer, como fazer, quando fazer.

Não estou sugerindo a ninguém que se separe, ou que “expulse” alguém, da família, de casa, não é isso. Estou dividindo o que conquistei, ninguém tem o direito de se sentir DONO de ninguém, nem de se achar tão importante a ponto de pensar que o outro decidiu se matar usando drogas por sua causa.

As pessoas têm escolhas, eu escolhi ajudar meu familiar adicto, decidi lhe dar forças e lhe estender as mãos quando ele pedia ajuda, escolhi pedir ajuda também a outras pessoas que como eu sabiam o que era realmente viver este problema familiar, escolhi participar, escolhi abrir mão do meu orgulho pra curar minha dor, escolhi por chorar ao invés de fazer “fachada de família feliz”, escolhi por pessoas que me entendiam ao invés de “amigos” que só faziam críticas, e escolhi por libertar o que nunca foi meu, e o que nunca será, porque pessoas não são objetos, fomos feitos para o social e não para a escravidão.

E você? O que escolheu?

2 comentários :

  1. Lí, gostei e acho que agora sei, mais, ou menos, o significado do "desligamento com amor". Se estou certo é um desligamento emocional, um momento de libertação, com amor. Se estiver errado, por favor, me repare. Quando diz: "eu não sou responsável por ninguém", apenas ficou sem dizer, salvo eu própria, não é verdade?

    Vi o vídeo que revela o diálogo do pequeno príncipe com a raposa, o que me fez refletir sobre os limites das nossas responsabilidades. Reflita.

    Depois, quando o pequeno príncipe vai embora, será que é possível caracterizar um desligamento emocional, com amor?

    Essas leituras infantis portam muitos lances que passam despercebidos pelos adultos...

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  2. Realmente sou responsável apenas por mim, obrigada, é bom saber que existem olhos atentos a aos detalhes perdidos...
    Hoje vejo o desligamento com amor como o ato de libertar um passaro e deixar que sua gaiola permaneça aberta, sabemos que ao sair da gaiola o passarinho terá o mundo a sua frente, que ele pode passar fome, se machucar, ou atér ser preso novamente, mas tendo a atitude de deixar a porta aberta libertamos o passarinho de nós mesmos, entregamos a ele sua vida, que aliás nunca nos pertenceu de verdade. Se queremos realmente ajudar devemos nos colocar no lugar de colaboradores e não de controladores.

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soporhoje10@gmail.com

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