sexta-feira, 18 de maio de 2012

PROPAGANDA E CLÍNICA ENGANOSA

Na tarde do dia 15 de maio percebi que aquela casa não era lugar para ninguém estar ali. Aquilo não era uma clínica, mas um local de confinamento, de reclusão. Se prestasse, ninguém tentaria fugir e fugir era o que a maioria desejava fazer. No terceiro dia, pela tarde, vi a chegada de um cara que havia fugido, arrancando uma das grades do quarto em que estava recolhido. Chegou carregado e ainda tomando porrada. Levaram ele para o "quartinho do pânico". Do quarto de passagem, onde dormia, até o quarto do terror, havia apenas um banheiro, sempre sujo, a nos separar. O banheiro, com seu fedor nauseabundo, incomodava o sono. Respirar um ar fétido é horrível. O sanitário só ficava limpo durante a limpeza matutina.

Do quarto em que ficava podia ouvir o camarada chorando (R.) e chamando pela mãe. Não seria o primeiro, nem o último a ser espancado e amarrado na cama. Houve outro que também sofreu muito e chorou bastante, foi o Fa...; Fazia dó ouvi o choro do mesmo. No momento não recordo a causa pela qual F. foi conduzido até aquele local.

Finda a primeira semana, eis que surgiu uma psicologa. Fui chamado. Comecei a conversar com ela as coisas erradas que vinha observando, na vã tentativa de que ela pudesse ajudar a modificar alguma coisa, mas era uma pobre dependente do emprego e da função que exercitava contrariando a própria profissão de fé e a ética. Ela tinha muitas fichas, individualizadas, mas meio bagunçadas. Queixei-me e ela disse que tudo era um problema de educação e que a educação no Brasil ia muito mal. Para finalizar ela disse que o ensino deveria voltar a ser como era antigamente, quando o professor colocava o aluno de joelhos sobre caroços de milho. Pra mim isso foi o fim da picada.

Buscava me manter sereno. Era difícil, mas necessário. Deveria evitar promiscuidade, amizades...não dava brecha para ninguém brincar comigo. Era desconfiado e de pouca conversa. Por dentro uma amargura e uma angústia me devoravam, me consumia, incomodava, ardia, e eu rezava muito. Mais de três vezes por dia. Ia muito cedo para a cama, umas 19 horas, mais, ou menos... Jantava, fumava um cigarro e, depois, ia para o quarto de passagem morrendo de frio. Cobria-me e rezava. Pedia a Deus que me tirasse daquele inferno. Pedia pela mulher e filhos, pelos meus irmãos e por meus pais. Ficava imaginando o que seria de mim se, por um acaso, um dos meus pais viesse a falecer. E me vinha a sensação de impotência. Rezava muito. Escrevia escondido as irregularidades observadas.

A comida era horrível, preparada por adictos como eu, pobres coitados, todos indefesos. Se submetiam a fazer aquela merda apenas para ficarem fora das grades e comer algo mais que nós outros. Dei para escrever cartas secretas, para serem entregues no dia da minha visita. Como eu ansiava por este dia.

Usava um livro e fazia de conta que copiava alguma coisa do mesmo, evitando uma inspeção, com minhas verdades expostas em pedaços de papel de caderno. Lá um dia, conheci um poeta, A.M., que vivia dopado e que me emprestou um livro de sua autoria, então eu copiava poesias de verdade e, ao mesmo tempo, ia escrevendo coisas que desagradariam muito o pastor, caso levassem ao conhecimento do mesmo, e o resultado seria imprevisto. 

Logo nos primeiros dias, dois senhores, ambos mineiros, se aproximaram de mim e puxaram conversa. Em dado momento eles começaram a me dar toques. Eram cinquentenários, de cabelos brancos. Começaram dizendo que quando houvesse qualquer reunião que eu não contestasse o pastor e ouvisse tudo calado... Eles diziam, baixinho: "eh, tem umas coisinhas erradas por aqui mas você vai ter que se conformar". Para mim estava tudo dito. Aquilo ali era um regime ditatorial e ao mesmo tempo um regime carcerário, em que a voz do pastor era inconteste. E este sujeitinho, nas preleções de araque, obrigava as pessoas a concordarem com ele, pronunciando alto a palavra "amém". "Certo ou errado gente", indagava ele, e o coro repetia: certo! "Gente, vocês concordam comigo?" e a resposta do coro era: sim! Então ele dizia algo e em seguida dizia "amém' e todos deveriam endossar o amém dele com um amém geral. Eu ficava de boca entreaberta, mas não dizia amém. Ficava altivo, cabeça erguida e, esta maneira de manter minha postura levou o pastor, numa discussão que tivemos, a primeira, a dizer que eu me julgava melhor que todos os demais ali dentro. Não era nada disso, era a minha maneira de me defender, de me resguardar de intrigas e fofocas, que rolava muito.  Sou um cara calejado, gato escaldado. 

Só poderia receber telefonemas depois de 15 dias, mas, meu filho ligou e o pastor mandou me chamar. Estava naquele lugar cerca de 12 dias e já não suportava mais a opressão. Era um sufoco. Então foram me chamar e fui, livre das grades, conduzido até o escritório. O pastor me falou "seu filho ligou e vai voltar a telefonar, pois quer falar com você". Tudo bem!  O celular do pastor tocou, ele atendeu e, antes de me passar o aparelho, colocou no viva voz. Meu filho queria saber como eu estava, se estava gostando e eu respondia dizendo: -´precisamos conversar com urgência! compre uma passagem para você e sua mãe e venham aqui, com a máxima urgência, pois quero conversar com vocês. Meu filho estava preparado para achar que tudo que eu fizesse e dissesse era manipulação, provocada pela abstinência e o forte desejo de usar. Insisti em dizer que tinha um assunto particular para conversar com ele. O pastor arrebatou o telefone de minha mão, desligou o viva voz... Antes, porém, teve um momento em que eu, irritado, comecei a dizer para meu filho: - ouça as perguntas que irei fazer ao pastor e ouça as respostas que ele vai dar. Que loucura esta minha! Perguntei: - Pastor, o senhor tem cozinheira, ou são os internos que preparam a comida que nos é servida? foi ai que ele tomou o celular da minha mão. Depois quis saber de mim o que é que eu tinha a falar com urgência com meus filhos e eu respondi que isso não era da conta dele. O clima ferveu e acabei dizendo que tinha que assinar uma procuração. Dai o FDP mandou me recolher.

Sai dali esperando o pior, pois o pastor mandou chamar todos os residentes, sem faltar uma única pessoa, dentro daquele recinto fechado. Então ele, por volta das 22 horas, apareceu sorrindo e saudando todos como se fosse um deputado em campanha eleitoral. Eu sentado esperando a cacetada. Sério pra caralho. Nervoso, mas sem querer demonstrar. Intimamente me dizia que não podia responder nada. Não deveria reagir as esperadas agressões. Pois bem, o pastor começo a preleção dele, fazendo um gesto obsceno, enquanto dizia: "bem, gente, hoje vou mostrar pra vocês o que é que existe debaixo do tabuleiro da baiana e, simultaneamente fez o gesto. E por ai ele foi falando merda, disse que eu tinha esculhambado os internos que trabalhavam na cozinha, que havia me queixado da comida e, ainda foi dizer que em minha casa talvez não tivesse sequer empregada. Ai, puta que pariu, eu abri a boca e disse: - não tem uma só não, pastor, tem duas e a comida é de qualidade e muito boa. Hoje são três! O FDP ficou embasbacado por alguns segundos, com cara de bundão, vez que não esperava minha reação. Fez outra tímida agressão e, eu, pedi a palavra para responder a ele, com serenidade, algumas pequenas coisas, serenamente, mas fervilhando por dentro. Jurei pra mim que ele receberia a resposta, no momento certo, sobre o que é que existe por baixo do tabuleiro da baiana, o que cumpri no meu último dia, quando desabafei, esbravejei... Eles viram e ouviram as minhas respostas e minhas acusações frontais.

Naquela primeira reunião ele sentiu que eu não era o babaca que ele imaginava. Então começou a ler salmos e falar besteiras religiosas, que eu debateria com ele, por horas e horas a fio, contestando-o. Lá pra meia noite terminou a reunião. O pessoal me disse: ele pegou leve com você! conte o que foi que você fez de verdade? não ligue pra intriga que ele fez, porque aqui todo mundo conhece os métodos dele. Contei aos interessados o que houve e eles me falaram para me cuidar, Não fui castigado.

Minha irmã, quando chegou de retorno da Europa, telefonou e, mais uma vez mandaram me chamar. Ela iniciou a conversa comigo como quem faz um interrogatório. No momento em que ela me perguntou sobre a medicação eu ia dizer como funcionava aquela merda toda, dai, o secretário do pastor, ex usuário de crack, que se dizia limpo, mas vivia acelerado demais, sempre com papo da ativa, arrebatou o telefone da minha mão e começou a mentir e eu faleu pra ele falar a verdade. Falei alto pra ver se minha irmã reagiria, não sei explicar, até hoje, a razão dela não ter reagido. O ex viciado então foi contar ao pastor e a esposa o ocorrido, o que resultou em nova sessão de espinafração. Contudo, ele estava com a esposa e tinha pressa. Então resolveu retirar o meu cigarro por dois dias e me deu o castigo denominado "do sofá". Consistia em ficar o dia e a noite sentado em um sofá, em um corredor. Pra meu azar, coincidentemente, o castigo ocorreu quando chegou uma frente fria. Não tinha cobertor e ali ficava tremendo de frio. Dois companheiros foram solidários e me trouxeram um cobertor espetacular, trazido pelo rapaz do Paraná que dormia no mesmo quartinho que eu, também na parte baixa do outro beliche. O pai dele fabricava tais cobertores. Ele foi parar naquele lugar por conta da "Mary Jane". Eu ficava pasmo com tanta caretice. Mas o frio passou e, dia seguinte, perto do entardecer, anteciparam minha saída do castigo. Pensei: poderia ter sido pior! Tinha que engolir aquelas humilhações e fui me preparando. Rezava muito. Fazia minhas cartas de denúncia.

Teve um dia que pedi, mediante oração, a Deus, para falar com meu pai e, por incrível que possa parecer, no momento final da reza, quando terminava de me benzer, apareceu um GAP (este era do nosso lado, mas fingia ser do outro, simulava, era a luta pela vida). Então ele me disse:- tem alguém querendo lhe falar pelo telefone, vamos lá?! Pulei da cama, bati a cabeça no beliche, e fui apressado. Era meu pai. Deus é mais, mesmo. Começamos a conversar, ainda não havia chegado aos 15 dias. Ele fez as perguntas de praxe. Todos fazem a mesma pergunta: TÁ GOSTANDO? claro que não, mas disse que mais ou menos e mudei de assunto, falei do frio, da falta de roupas apropriadas e muito pedi a ele para aparecer naquele lugar no dia da minha visita. Implorei a vinda dele. Ele prometeu que viria. Disse que me mandaria roupas com urgência e as roupas nunca chegaram.

Passei a desconfiar dos meus filhos e da mulher. Mesmo assim rezava por eles. Sentia, era sintomático, que eles estavam conspirando para me deixar naquele inferno o máximo de tempo possível e a salvação minha era meu pai, que nunca me faltou. O resto eu sabia que era tudo quinta coluna.

Veio o dia dos telefonemas, e, voltei a reiterar meu pedido a meu pai, para me visitar. Ele me garantiu. Perguntou se as roupas que ele havia comprado tinham chegado e ao saber que não, quase chorou. Meu pessoal além de não mandar a roupa, senti, não queriam que ele fosse me visitar e trabalharam em cima disso. Mas Deus é maior que tudo. Nova reza e um novo telefonema. desta vez era minha filha. Perguntei a ela se meu pai viria me visitar e ela respondeu que só no dia 12 de julho. Dois meses depois, ai eu pedi a ela que pelo amor de Deus convencesse meu pai a comprar a passagem dele e vir, senão eu ficaria muito mal e, com certeza, ficaria. Seria uma frustração e um desastre.

O que acontecia fora da "clínica" eu não sabia. Mas a ligação de minha filha me deu muito ânimo e tudo que eu vinha pensando estava acontecendo. Meus familiares são previsíveis. O resto conto depois, mas ninguém pode imaginar o que é ficar internado. Tem os que se auto-convencem de que devem pagar por ter usado droga e cai no conformismo, na auto-flagelação, outros engolem o discurso da culpa e se acomodam e vivem elogiando a clínica. Os terapeutas perguntam, isso é básico para testar o interno: - quem está gostando em estar aqui? Quem se sente feliz? Quem dizia que estava gostando, ou feliz, se fodia, porque na verdade ninguém fica feliz longe da família, da mulher, do  seu habitat natural, confinado, mal nutrido e com inúmeras restrições, e os terapeutas, quase todos eles ex-adictos, em recuperação, conhecem muito bem as manhas dos adictos...

Os fatos aqui narrados podem estar cronologicamente desordenados. Ninguém pode imaginar o quanto eu já vi em matéria de sofrimento. Vi caras que eram super-machos, desses que nunca choram, chorando feito criança. Vi filhos odiando os pais e irmãos. Sabe, cada qual com sua dor e seus gemidos. Vi homens acordando aos gritos, outros falando e brigando dormindo; vi, principalmente que os casados, os que possuíam companheiras, com muitas queixas delas. Grande número de homens traídos pelas  esposas. Tinha um que era especialista em infidelidade, sujeito muito engraçado e que um certo dia chorou como uma criança. Ele me dizia que, nunca havia imaginado na vida dele, passar tanta humilhação. Teve seis esposas e todas seis traíram ele. Mas ele debochava delas. Sujeito gozado. Era um detetor de corno. O pior é que ele iniciava conversa com novatos e ia explorando o cara com perguntas até chegar ao parecer final: É corno! e ria muito... Daria para escrever um livro com tantos personagens impressionantes que conheci, mas a mente prefere ir esquecendo de tudo isso. Me irrita profundamente, ouvir alguém elogiando o inferno em que me depositaram. Mesmo sabendo das medidas rigorosas adotadas pela OAB e Ministério Público. As providências, além do inquérito instaurado, ordenava aos variados conselhos, de medicina, enfermagem, psicologia, acrescidos da Prefeitura Municipal, Corpo de Bombeiros e ANVISA de vistoriarem o local, com prazo determinado para elaboração de relatórios que fariam parte dos autos processuais.
SPH !

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