sábado, 7 de janeiro de 2012

Contos do confinamento - Clínicas involuntárias

- Ele vai ter o que merece !  disse a filha ao marido, com a voz dura e seca, no momento em que deixava o pai muna clínica involuntária. O pai ainda estava sob efeito do álcool, mas era bom de prosa. Os internos sabiam que ali dentro cigarro era ouro e logo aproximaram-se do novo interno. Cerraram o cigarro daquele senhor, cuja ficha não havia caido.
Havia um negro alto e forte, que falava fluentemente e possuía vocabulário rico. Estava no lugar a 09 meses. Já deveria ter obtido a liberdade há muito tempo. As placas do rapaz estavam coladas e ele, certa feita, desesperado fez um apelo veemente e comovente. No final ele dizia que caso acontecesse algo de grave na "casa" ele não teria qualquer responsabilidade. Estava desesperado. Vivia catando bagas de cigarro no lixo. Não era assistido pela família e, diziam, só não obteve a liberdade por conta das cunhadas e cunhados. Os irmãos queriam, mas os conjuges não. Assim sendo, melhor não seria morrer livre do que viver da inclemência do cidadão "civilizado". Como bem disse Danton, antes morrer livre do que viver escravo. Ah, como é bom respirar a liberdade com sobriedade na cabeça!

Aquele rapaz que me recomendaram cuidado carecia de cuidados psiquiátricos especializados e não de um recanto de confinamento. Vez em quando ele, do nada, partia para cima de alguém e sentava a madeira. Dizia que era esquizofrênico. Filho de pais ricos e desnorteados..

Me chamou muito a atenção a situação de um cego. A cegueira dele foi fruto da diabete. Vivia deitado numa cama, no calor, coberto e suando. Só era acordado para comer e beber água. Os internos o conduzia de ida e volta ao quarto. Contavam ser o mesmo rico negociante que bebia muito, então a família decidiu unir o útil ao agradável e livraram-se dele que continua como um resto de esperança morrendo no leito de uma cama, sem tratamento algum. Em nome da adicção o pobre diabético vive privado dos cuidados médicos necessários. Quem cuida das finanças dele e de outros?

Sr. E. chegou motivado, alto astral, dizia que só ficaria uma semana pois a mulher dele era boníssima. A ficha não havia caído e quando caiu deu para andar triste e cabisbaixo. Pedia aos que partiam para telefonar para a esposa pedindo para retira´lo de lá. pobre coitado, não sabe como é que as coisas funcionam do outro lado. Creio na bondade da esposa que não ouvia o grito de socorro. Ela e ele eram impotentes e, até então, não sabiam.

Um dia um sujeito que vivia pensando em fugir mudou completamente de comportamento. Passou a pôr a Bíblia debaixo do braço. Nas reuniões exaltava Cristo e o poder Superior. Elogiava a casa e deu para ser amistoso demais com os monitores, que não eram nada bobos. Lá um dia ele disse diante de mim: - vou dar pano!  Fui dormir quando me acordaram dando a noticia:~N. fugiu!  A maioria ficava feliz em ver um companheiro fugindo, ganhando a liberdade e todos, ao mesmo tempo, torciam para que ninguém voltasse ao uso. 

Como em todo lugar sempre existem os caguetes. Lá não faltavam pulhas desta espécie. Sobressaía-se, contudo, o Gordo. Assim procedia esperando fosse diminuído seu tempo, ou "sentença" como se dizia por lá. Vivia apanhando de todo mundo. Antes de sair verifiquei que o mesmo vivia chorando, fazendo coisas que só os loucos fazem... Era só um garotão. O pai e a mãe viviam prometendo ao mesmo que iriam tira-lo de lá. Um dia a promessa se cumpre.

Depois coloco uma citação de Lima Barreto tirada do Diário do Hospicio - Cemitério de Vivos

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