Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica
A PAIXÃO NA ADICÇÃO: UM ESTUDO SOBRE
PASSIVIDADE PULSIONAL E VIOLÊNCIA
PSÍQUICA
Trecho extraído da tese, de autoria, da Dra. Vanuza Monteiro Campos Postigo:
A adicção: terminologia e definição
O termo “adicção” provém do latim addictu, dos tempos da República Romana. Adicctu, particípio passado do verbo addico, addicere, significa “escravo por dívidas”, denomina o homem que, para pagar uma dívida, se convertia em escravo por não dispor de outros recursos para cumprir o compromisso contraído (GURFINKEL, 1995, p. 109).
No Dicionário Aurélio adicção (1996), significa "adicto" – que é na verdade um adjetivo – e diz respeito a um sujeito: 1.Afeiçoado, dedicado, apegado. 2. Adjunto, adstrito, dependente; ou então 3. Em medicina é quem não consegue abandonar um hábito nocivo, mormente de álcool e drogas, por motivos fisiológicos ou psicológicos
.
Daí viria a expressão de indivíduo adicto. Joyce McDougall é quem vai cunhar a palavra na língua francesa, pois os termos addict e addiction não existiam em francês e ela os formulou para fugir da palavra 30 “toxicomanie” (MCDOUGALL, 1997, p. 200). McDougall escolheu o termo dependência da droga (addiction em inglês), ao invés de seu equivalente em francês, toxicomania (toxicomanie), por aquele ser mais expressivo do ponto de vista etimológico, destacando que addiction leva ao estado de escravo – portanto à luta desigual do indivíduo com uma parte de si mesmo – enquanto ao seu ver a toxicomania indicaria prioritariamente o desejo de se envenenar (MCDOUGALL, 1989, p. 53), pois toxicomanie significa literalmente “um desejo louco por veneno” (Id., 1997, op. cit., p. 200).
Para ela, que está em busca de uma dimensão outra que não a toxicológica ou farmacológica da patologia adictiva, o termo adicção ilustra melhor o sentido dinâmico e fantasístico da procura ao objeto, assim como a dimensão econômica e compulsiva do ato adictivo (FINE, 2003, p. 186). Ou seja, privilegia a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto da adicção, com destaque na busca desenfreada envolvida na dinâmica desta relação. Vemos então que o resgate feito do termo dos tempos romanos pretende colocar em relevo a dimensão da fantasia envolvida na busca do objeto, para além de uma concretude de uma dependência por um “envenenamento” toxicológico.
McDougall salienta também a luta interna na qual o sujeito se vê mergulhado e que ilustraria a situação de escravidão, não somente ao outro externo, mas principalmente a um “outro” dentro de si, a uma alteridade interna. Ou seja, o que se evidencia na adicção é não somente uma relação de dependência a um objeto externo, mas um apontamento para um “outro” interno que também vigora nessa psicopatologia. Vale lembrar como a palavra adicção pode ser utilizada em referência à drogadicção, como na alusão da citada referência do verbete do Dicionário Aurélio, por exemplo.
Mas queremos precisar que, em nossa abordagem, a questão não se refere a uma dependência psíquica relacionada apenas a uma droga e às suas conseqüências físico-químicas. Queremos enfatizar como a relação com o objeto, com qualquer objeto, pode assumir um papel prevalente no psiquismo do sujeito adicto, e quando, a partir de então, esse objeto “é como uma droga, não podemos passar sem” (INGOLD, 1982, p. 52). É a sujeição ao objeto que ganha ênfase em nossa abordagem da adicção e, conseqüentemente, os aspectos envolvidos nessa relação. Entende-se, desta maneira, que o modo de relacionamento adictivo pode assumir muitas formas, visto que o objeto da adicção pode se referir a um objeto tóxico (álcool, drogas), a um objeto a-tóxico 31 (comida, jogo), a uma forma de relacionamento com uma determinada atividade, a um modo de relação com uma pessoa, etc., adotando, enfim, as mais variadas configurações.
Para ela, que está em busca de uma dimensão outra que não a toxicológica ou farmacológica da patologia adictiva, o termo adicção ilustra melhor o sentido dinâmico e fantasístico da procura ao objeto, assim como a dimensão econômica e compulsiva do ato adictivo (FINE, 2003, p. 186). Ou seja, privilegia a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto da adicção, com destaque na busca desenfreada envolvida na dinâmica desta relação. Vemos então que o resgate feito do termo dos tempos romanos pretende colocar em relevo a dimensão da fantasia envolvida na busca do objeto, para além de uma concretude de uma dependência por um “envenenamento” toxicológico.
McDougall salienta também a luta interna na qual o sujeito se vê mergulhado e que ilustraria a situação de escravidão, não somente ao outro externo, mas principalmente a um “outro” dentro de si, a uma alteridade interna. Ou seja, o que se evidencia na adicção é não somente uma relação de dependência a um objeto externo, mas um apontamento para um “outro” interno que também vigora nessa psicopatologia. Vale lembrar como a palavra adicção pode ser utilizada em referência à drogadicção, como na alusão da citada referência do verbete do Dicionário Aurélio, por exemplo.
Mas queremos precisar que, em nossa abordagem, a questão não se refere a uma dependência psíquica relacionada apenas a uma droga e às suas conseqüências físico-químicas. Queremos enfatizar como a relação com o objeto, com qualquer objeto, pode assumir um papel prevalente no psiquismo do sujeito adicto, e quando, a partir de então, esse objeto “é como uma droga, não podemos passar sem” (INGOLD, 1982, p. 52). É a sujeição ao objeto que ganha ênfase em nossa abordagem da adicção e, conseqüentemente, os aspectos envolvidos nessa relação. Entende-se, desta maneira, que o modo de relacionamento adictivo pode assumir muitas formas, visto que o objeto da adicção pode se referir a um objeto tóxico (álcool, drogas), a um objeto a-tóxico 31 (comida, jogo), a uma forma de relacionamento com uma determinada atividade, a um modo de relação com uma pessoa, etc., adotando, enfim, as mais variadas configurações.
A marca da adicção é a busca obrigatória pelo objeto, qualquer objeto, que designará nessa busca a repetição dos atos suscetíveis de provocar prazer, porém marcados pela dependência a um objeto material ou a uma situação buscada e consumida com avidez (PEDINIELLI, ROUAN & BERTAGNE, 1997).
Essa avidez, esse caráter compulsivo, aparece de forma violenta na adicção: trata-se de uma relação na qual existe uma escravidão de um sujeito a um objeto, que possui um caráter “imperativo”, obrigatório, que domina a relação e compele o sujeito a buscar incessantemente um mesmo objeto.
Esse caráter compulsivo explicita a dependência ao objeto, que deve ser sublinhada, já que É de um estado de dependência – real ou pressentida – que nasce a adicção, mas a dependência ao objeto da adicção está estreitamente ligada ao outro.
Desde o início é o outro, o objeto, que faz surgir este temor da dependência, esta forma particular de sofrimento na qual o outro aparece como impossível de dominar, rebelde a qualquer controle e como fonte de movimentos pulsionais internos que fazem vacilar a identidade (PEDINIELLI & ROUAN, 2000, p. 88.
A tradução é nossa). Essa dependência configura um quadro clínico onde a relação com esse objeto assume lugar de destaque e de prevalência na vida do sujeito, e esse é um aspecto fundamental na adicção.
Vemos também como a adicção se apresenta como uma tentativa de enfrentar o domínio do objeto, de reagir a essa “escravidão” ao outro ao qual fica submetido: a adicção não é um fenômeno bruto e unívoco, mas uma verdadeira montagem da qual cada elemento, cada movimento, introduz um novo equilíbrio às conseqüências potencialmente destrutivas.
Sua lógica se situa ao lado da restituição e da tentativa de se libertar de uma dominação.
Para tentarem evitar o assujeitamento ao Outro, para fugirem do insuportável da dependência psíquica, para tentarem se produzir como sujeitos, as vítimas da adicção têm recorrido paradoxalmente a um objeto ou a um ato que conduz de fato à sua destituição desta posição de sujeito, e os mergulham numa dependência – biológica, social, material e psíquica – indubitavelmente mais importante ainda (Id., ibid., p. 87.
A tradução é nossa.). A escravidão, a dependência, a submissão, a repetida e compulsiva busca ao objeto apresentam-se como os principais elementos no quadro da adicção.
Mas vamos destacar essa dimensão compulsiva, da ordem do agir, característica marcante na patologia da adicção e que se insere em um campo de estudos que vem merecendo dedicada atenção: o campo dos estados limites.
Satisfeita em encontrar meu texto sendo refletido e discutido, aproveito para informar que esta tese se tornou um livro, pela Eitora Juruá.
ResponderExcluirConvido todos a conhecê-lo.
Grande abraço,
Vanuza
Parabéns, Vanusa, pelo seu êxito em transformar sua tese em livro, pela editora Juruá. Procurarei conheçe-lo.
ResponderExcluirForte abraço e, desejando, o Blog está a sua disposição.