terça-feira, 11 de maio de 2010

Meu primeiro passo foi mais ou menos assim:

Primeira parte:

Fui relutante. Realmente imaginei que poderia controlar a minha vida, do meu jeito, achava-me suficientemente forte para vencer a luta. Mas não é assim, do nosso jeito.

Reconheci isto, solicitei ajuda e pedi para ir até uma clínica de recuperação. Já estava aceitando a idéia de que minha vida estava descontrolada, mas não me reconhecia incapaz. Chegando na clínica a negação e a racionalização me fizeram voltar prá casa.

Decorridos quinze dias estava de volta à clínica, disposto a me tratar, de verdade.

Desconhecia a palavra adicção e adicto. Nada sabia sobre o que era a doença, nem que a mesma era incurável, progressiva e fatal (podemos controla-la,não se assuste,nem se impressione com esta revelação.

Não somos um "caso perdido"!

Os primeiros dias são dolorosos. É um período de adaptação, de abstinência total.

Ao entrarmos na clínica ficamos limpos; literalmente limpos, até nossa identidade fica guardada na administração. Aceitei isso sem reclamar, afinal, precisava de uma nova identidade, mesmo.

Nos dão um tempinho para nos recuperarmos e logo se inicia uma nova rotina em nossas vidas, com inúmeras atividades coletivas. 

Acordávamos cedo. Tomávamos café até 8:15. Passou da hora, perdeu! Todos nós tinhamos uma tarefa específica. Tinhamos que manter os quartos de dormir limpos, asseados e forrávamos nossas camas.

No ínicio achavamos duro, mas , aos poucos, vamos nos adaptando,enquanto vamos aprendendo.

Ouvimos companheiros partilhando um monte de coisas, que não nos eram estranhas.

Estava mal pra falar e sequer podia articular o pensamento na hora de falar. Era como se estivesse com o pensamento desconectado da fala. Imaginei algo tipo um "curto-circuito" mental. Meu pensamento estava preso, detido na minha cabeça, querendo sair e não saia. E horrivel sentir-se assim.

Comecei a imaginar o quanto havia me permitido estragar.

A impotência estava estampada em mim e, ainda assim, tinha resistências em aceita-la.

Mas, aos poucos vamos ficando permeáveis ao tratamento e vamos nos permitindo aprender.

Nessa altura já estamos mais ou menos ambientados. 

Engordei 5 quilos em cinco dias... Fiquei contente!

Fiquei chocado quando soube o que era adicção e eu era um adicto.

Mas logo compreendi como fui afetado, mental, espiritual e fisicamente falando.

Sentia muita culpa, vergonha e saudade dos meus familiares. E duro observar o que havíamos aprontado. 

Telofonemas só nas quartas à noite, ou no domingo, pela manhã. Todo mundo ficava na espectativa, esperando a hora de falar com os entes queridos.

Dizem que a liberdade começa a partir do conhecimento da necessidade que temos de recupera-la. É verdade!

O primeiro passo é como acordar durante um pesadelo.

Queria me livrar da experiência passada, realidade dantesca, cruel e chocante. Ficava abatido só em lembrar.

Os companheiros falavam e quase tudo era igual e as drogas até pareciam as mesmas.

Uns tinham ido muito além, outros, felizmente, ficaram no muito menos, outros nem 8, nem 80.

Mas todos temos algo em comum, que é fruto da doença, que vai saindo pela boca, enquanto a cura vai entrando pelo ouvido. No meu caso, parece que sela saia pela boca dos companheiros e a cura chegava através do que ia ouvindo deles.

Não é moleza, não ! logo somos levados a trabalhar a mente e o corpo. O tempo fica totalmente ocupado com várias atividades terapêuticas.

Pareciamos internos em colégio de padres e freiras. O regime é de respeito total. A disciplina é algo que se impõe e temos que retomar nossas vidas readiquirindo bons hábitos e bons costumes. Temos que recuperar a auto estima.

Começamos o primeiro passo e vamos descobrindo como éramos obssessivos; reconhecemos as compulsões; sentimos vergonha e culpa, compreendemos o que vem a ser a fase do luto, da negação, da raiva, dependência química... 

Até o dia em que adimitimos e aceitamos  que éramos impotentes perante nossa adicção e que tinhamos perdido, mesmo, o controle de nossas vidas.

Curioso é que sentimos de verdade um vazio interior. 

Sabemos que sózinhos não podemos, mas alguém pode...

Quando chegamos a jogar a toalha cessa a luta e tudo começa a ficar mais fácil e aí saltamos para o segundo passo. Mas é uma fase de muita aprendizagem.

Finalizo dizendo que usei muito a primeira pessoa do plural, quando deveria falar apenas sobre mim. Então compreendam que este é o meu relato pessoal, do que foi o meu primeiro passo; sem dúvida, o mais dificil de todos. O segundo é menos dificil.

Hoje me acostumei com aquelas coisas que repetia todos os dias antes de falar (EU, fulano...) e ouvir os companheiros retornarem (OI, fulano... valeu, Fulano) calorosamente;essa apresentação, vira ato repetitivo e necessário.

As reuniões familiares são importantes e interessantes. Aprendemos logo a respeitar o próximo.
É um passo de muitas lições de vida e que imaginava muito diferente; prejulgava achando que iria estar junto a um montão de pacientes psiquiátricos e, de modo preconceituso, no meio dos loucos, como um louco, também ; não é nada disso. 

O meu tratamento não foi medicamentoso. Remédio só quando prescrito pelo médico.

Demorei, mas cheguei ao segundo passo.

Enquanto os dias se passavam íamos vendo os novatos chegando e cada novato era considerado a pessoa mais importante, até chegar um outro novato. 

É a pessoa mais importante porque os novatos são como nós diante de um espeho. Foi assim que chegamos ali... É tudo muito parecido.

Eu, LS,  limpo há 4 meses, 4 dias, 9 horas !

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