A SELVA

"Acorde, parceiro ! se você quer entender a razão da proliferação de drogas tem que conhecer o inferno onde as feras moram. A sociedade é injusta e ninguém se reconhece dentro dela, ninguém é responsável pela nossa miséria. Ninguém sabe o que é viver na merda. A gente tem a nossa própria lei, a nossa "empresa" e o movimento é esse. Quem está podre não somos nós, mas quem nos deixa na podridão. Sei que vivo na selva e sou selvagem também. Aqui "é nós" e não "agente". O sistema é bruto e nós sabemos disso. Não quero ver meu filho usando droga não. Sai dessa, coroa, essa não é a sua não, cara. "

Quando um cara lhe diz estas coisas, quando um bandido lhe diz: sai dessa, coroa! a ficha começa a cair. Você olha em volta e começa a entender que ali não é o seu lugar, que as drogas não servem e, no caminho de volta, começa a pensar naquilo que lhe foi dito. Então eu pensava: nem tudo está perdido, até no lixo nasce uma flor. Quer dizer, esta gente é permeável a bons sentimentos. Eles também tem um coração, mas nossas realidades são bastante diferentes.

Ninguém nasce ruim...recordei Sartre : "A existência precede a essência". E as palavras ficaram em minha mente. Não é preciso ser um cientista social, antropólogo, sociólogo, politólogo, filósofo, romancista, intelectual, ou ter outra especialização qualquer para constatar que vivemos realidades diferentes. Paralamas do Sucesso, através de Herbert Vianna cantava: "de um lado este carnaval, do outro a nudez total". 

O que falta pra melhorar este modelo de sociedade, que ninguém quer pra si, nem mesmo o próprio favelado? 

É preciso que as autoridades públicas, independentemente de partidos políticos, se unam em torno desta questão social. É no bolsão de pobreza que as drogas encontram abrigo e proteção. Lá, as drogas representam uma fonte de sobrevivência pra muita gente. Impera a lei da selva, é verdade, mas quem criou estas feras? Ninguém quer assumir a responsabilidade social deste imenso "Alagados" que flagela a Nação. 

Atuar para transformar essa realidade é necessário. Não basta ficarmos na ilusão de que o combate às drogas se resolve com a simples apreensão das mercadorias que chegam ao Brasil, ou com a prisão de um traficante...

É preciso criar meios saudáveis de vida para este enorme contingente de famélicos desassistidos. Gente que diz: "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come"... "trabalho não acho, não estou qualificado"!... "o que sei fazer, parceiro, é o que aprendi aqui"... 

As drogas proliferam porque existe um ambiente próprio pra elas. Onde o povo não tem nada. Quem não tem nada, nada tem a perder. Como é que vamos mudar esta modalidade de raciocínio? 

O traficante sabe que nos bolsões de pobreza está o mundo marginal. É seu território. É onde o traficante recruta seus soldados: os meninos do trafico, expostos por MV Bill, em documentário. Gente sem expectativa alguma. Gente que nada tem a perder.Nós apenas assistimos esse filme passar, ficamos chocados e conformados, depois silenciamos e ficamos nos queixando da policia. A policia não vai resolver nada. Na verdade o trafico não vai acabar. O que podemos fazer é conscientizar, prevenir e mudar determinadas realidades mediante ações sociais que não fiquem presas no papel. 

Ou será que desejamos que o nosso quadro social permaneça assim, com um mundo selvagem cercando áreas residênciais, de gente mais afortunada? Lá, vivem seres humanos que não sabem o que é governo, onde o que governa é a violência, onde a lei que impera é a lei da selva, a lei do crime, eles não vivem de acordo com nossos valores. Eles, os meninos do trafico, foram separados de nós. Aprenderam a sobreviver como sobrevivem os ratos e demais bichos. E, nós, o que queremos e o que faremos do que  fazem de nós? Sartre já morreu, senão ele apontaria o caminho da razão..

Chegou o momento de apelar para o bom senso dos governantes, dos meios empresariais, das classes dominantes, se é que queremos mesmo um mundo melhor.