terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Tratamento e Toxicodependência

Texto do Portal de Saúde Pública

Toxicodependências



Tratamento

Em primeiro lugar é preciso entender que o factor mais importante que condiciona o sucesso do tratamento é a própria motivação do toxicodependente para resolver o seu problema. Se este toxicodependente não desejar resolver o seu problema e deslocar-se a um CAT (Centro de Atendimento a Toxicodependentes) por chantagem da família, polícia ou juiz, existem poucas possibilidades de sucesso.

Isto não impede que a família ou os amigos devam pressionar o toxicodependente a deslocar-se a um CAT, pois esta deslocação, embora possa não servir para "curar" imediatamente o toxicodependente, poderá sempre servir para quebrar o gelo entre ele e o CAT, deixando uma porta aberta para a inevitável ocasião em que ele começa a sentir a necessidade de apoio técnico adequado.

Infelizmente, também estes momentos de motivação para deixar a droga frequentemente não são genuínos, porque estão associados à dificuldade em arranjar dinheiro para comprar droga, a doenças, ou a problemas com o trabalho, a polícia e a família.

No entanto, todos estes momentos de maior motivação explícita, constituem ocasiões fundamentais para avançar uma relação de confiança entre o terapeuta, a família e o toxicodependente. Se houver recaídas porque a motivação era fingida ou apenas fraca, ao invés de desesperar, há que simplesmente mostrar que a porta está aberta para uma próxima oportunidade ...

A família tem uma influência primordial na motivação do toxicodependente devendo manter a disponibilidade, a negociação, a disciplina e o encorajamento.

O quadro seguinte diferencia alguns comportamentos positivos e negativos que a família pode ter para com o toxicodependente.

Comportamentos perante um toxicodependente

COMPORTAMENTOS NEGATIVOS DE FAMILIARES:
Perseguir para vigiar o toxicodependente.

Dramatizar os seus primeiros consumos.

Culpabilizá-lo e recriminá-lo continuamente.

Fingir que não dá importância ao problema.

Deixar-se desrespeitar pelo toxicodependente.

Permitir que o toxicodependente lhe destrua a vida.

Ceder à chantagem e às ameaças (de que se matará, vai roubar ou prostituir-se se não lhe der dinheiro para a droga).

Chantagear ou ameaçar o toxicodependente para que ele se trate.

Fazer dele apenas uma vítima.

Fazer de si próprio uma vítima dele ou do seu problema.

Esconder a droga dele ou os seus utensílios.

COMPORTAMENTOS POSITIVOS DOA FAMILIARES

Fazer ver-lhe que está disponível para o ajudar a tratar-se (e nunca para o ajudar a comprar droga).

Dar-lhe afecto e compreensão (mas sempre recusando ajudá-lo a consumir ou a destruir a sua própria vida familiar e profissional).

Dialogar e reflectir em conjunto.

Impor um mínimo de regras ou disciplina em casa.

Aplaudir pequenos sucessos.

Não acreditar nos "charlatães" que prometem curas numa semana, e pelo contrário, assumir que a recuperação é um processo de meses ou anos ...
 
Os tratamentos nos CATs baseiam-se em três processos: Desintoxicação ou ajuda no processo de eliminação do consumo sem sofrer o síndroma de abstinência.

Reabilitação psicológica do toxicodependente. Não basta que ele deixe de consumir. Aliás, a eliminação do consumo ou desintoxicação é a fase mais fácil do processo; só na reabilitação psicológica é que começa a parte difícil do tratamento. É necessário que o toxicodependente sinta que é capaz e tem razões para viver sem a droga, estimulando e desenvolvendo a sua auto-estima, os seus interesses e as suas capacidades através de diversas actividades e aconselhamento familiar.

Reinserção social é também uma parte difícil do processo. É necessário que o (ex)toxicodependente trabalhe, eventualmente constitua família, e se insira progressivamente em associações ou em actividades integradas no seu meio social.

Ainda há pouco tempo, o tratamento baseava-se numa sequência rígida que começava na desintoxicação física, e terminava na reinserção social, com o objectivo, também ele rígido da abstinência absoluta.

Actualmente, compreende-se que, muitas vezes, não se pode começar pela desintoxicação mas sim pela reabilitação psicológica ou a reinserção social, mantendo-se preferivelmente estes toxicodependentes em programas de substituição (baseados na disponibilização gratuita de drogas de substituição, com menos riscos para a saúde, de forma a promover a diminuição dos consumos das drogas mais nocivas).

Também a abstinência absoluta já não é o único objectivo. Objectivos intermédios como a diminuição dos consumos, a diminuição dos riscos associados aos consumos promovendo condições higiénicas de consumo mais saudáveis, a diminuição da delinquência, etc., são também objectivos muito importantes que têm uma característica que os diferencia do objectivo rígido e único da abstinência: são possíveis de alcançar em todos os casos... enquanto a abstinência imediata só é possível para alguns. Efectivamente, pedir a um heroína dependente que comece o seu tratamento pela abstinência é frequentemente tão surrealista como pedir a uma criança de um bairro de lata, sem água e saneamento, que lave os dentes depois das refeições ...

Existe uma visão errada, que vem do entendimento passado que tínhamos da toxicodependência, e que ainda hoje se exprime por opiniões como "os tratamentos são ineficazes porque são raros os sucessos". De facto, isto é verdade se entendermos "sucesso" como o atingimento da abstinência imediata e sem recaídas futuras. No entanto, se entendermos "sucesso" como a diminuição imediata do consumo, dos riscos associados, da marginalidade e até, a abstinência após alguns anos de recaídas, então poderemos dizer que os CATs, actualmente, conseguem obter sucesso com muita frequência!

Em 1999, foi realizado uma consulta às fichas clínicas dos utentes dos CATs do Algarve. Neste estudo verificávamos que mais de 35% dos utentes mudaram os seus comportamentos e, destes, 63% mudaram para a abstinência e 34% foram inseridos em programas de substituição (metadona e LAAM). Se tivermos em conta que muitas das fichas clínicas não tinham informação de mudanças de comportamento simplesmente porque foram mal preenchidas, e se tivermos em conta que muitos destes utentes foram consultados em anos tão recuados como o de 1988, em que ainda não havia muitas alternativas terapêuticas, poderemos afirmar que, actualmente, as mudanças positivas são certamente muito superiores aos 35% referidos atrás.

Por outro lado, as recaídas, embora sejam um fenómeno frequente na toxicodependência, não são seu apanágio original porque todas as doenças crónicas se caracterizam por recaídas. Um exemplo clássico é a hipertensão: a maioria dos doentes hipertensos têm recaídas (especialmente quando deixam de fazer o tratamento), necessitam de tratamento médico durante toda a vida, e nunca deixam de ser hipertensos. Se isto não nos faz duvidar da necessidade de tratar estes doentes, porque será que temos dúvidas sobre o sucesso e necessidade de tratamento dos toxicodependentes?

A recaída, aliás, é uma experiência de aprendizagem terapêutica se for alvo de reflexão entre o terapeuta e o toxicodependente, fundamental para a reconstrução das suas defesas, contra a substância, ao longo da vida. Algumas situações que poderão desencadear a recaída são:

A frequência de locais e amigos associados ao consumo de droga;

Ouvir músicas, ou ler livros, ou sentir odores que lhe lembrem a droga;

Estar ocioso;

Início de depressão, tristeza, angústia, agressividade, impaciência;

Desequilíbrios ou mudanças da rotina familiar (zangas ou morte de um familiar) ou profissional.

Para evitar a recaída é importante apoiar o ex-toxicodependente, especialmente nos momentos mais críticos, fazendo-lhe lembrar os benefícios de não consumir e os prejuízos de consumir, os sucessos conseguidos frente à família e à sociedade, e possibilitando-lhe actividades que o preencha espiritualmente.

No entanto, antes que estes momentos se verifiquem, é importante ajudar o ex-toxicodependente a reflectir abertamente sobre quais serão para ele as situações de risco e como reagir adequadamente perante elas. Desta forma estaremos a dotá-lo da preparação necessária para enfrentar estes momentos de maior vulnerabilidade.

António Paula Brito de Pina © Portal de Saúde Pública, 2000

Crédito: Portal de Saúde Pública

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