domingo, 2 de janeiro de 2011

Entrevista: Grupos de Extermínio

21 de outubro de 2007 



Segundo advogado militante dos direitos humanos, policiais fazem bico até em bordéis e desmanches; e há proporcionalmente mais bandidos na polícia que na sociedade brasileira. "Muita gente não sabe se foge do bandido ou da polícia. Isso gera uma instabilidade institucional no País e realmente abala o Estado de Direito. Na verdade o Estado de Direito não existe na periferia." afirma Ariel de Castro Alves. 

Quando algum político conservador ou policial, na tentativa de justificar excessos cometidos contra presos ou suspeitos de crimes, refere-se pejorativamente ao “pessoal dos Direitos Humanos”, muitas vezes deve estar pensando no advogado Ariel de Castro Alves. Aos 30 anos, o coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos e Secretário Geral do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana, em São Paulo) costuma ser a pedra no sapato das autoridades que, sob a proteção de seus cargos, transgridem o Estado Democrático de Direito, torturando, matando, numa inversão de papéis muitas vezes amparada por amplos setores da sociedade. “A corrupção e as práticas ilegais, como a tortura e os extermínios são generalizadas e endêmicas nas forças policiais brasileiras”, diz. Ariel tem preparo e persistência suficientes para acompanhar aqueles casos que com o passar do tempo tendem a ser esquecidos pela própria polícia, pelos jornais e pela população. Ele seguramente ainda acompanha aquela morte sem solução ocorrida na antiga Febem (hoje Fundação Casa) paulista. E sabe de cor o número de mortes suspeitas – a maioria tendo policiais como protagonistas – ocorridas após os atentados do PCC em São Paulo, no ano passado. “Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, 493 pessoas foram assassinadas no estado de São Paulo, na maioria mortas pela própria polícia. Menos de 20 desses casos foram esclarecidos”, contabiliza. Atento à ação dos grupos de extermínio, Ariel tem opiniões contundentes sobre sua formação e a aparente aprovação de parte da sociedade. “Os grupos de extermínio fazem o trabalho sujo que a polícia muitas vezes gostaria de fazer”, afirma, em entrevista à Agência Repórter Social.“Os grupos de extermínio não agem nos Jardins, só atuam na periferia. Não exterminam empresários, nem mesmo criminosos de colarinho branco. O alvo é sempre pobre, jovem e negro, que seja morador da periferia. No Brasil, a desigualdade se apresenta até na hora da morte”. 
por Alceu Luís Castilho Repórter Social 

Repórter Social - Há uma percepção, pelo noticiário, que os grupos de extermínio aumentaram. É uma percepção correta? A que isso se deve? 

Ariel de Castro Alves - A percepção é correta. Na verdade, eles sempre existiram. Em alguns momentos são mais visíveis, em outros menos. Entre 2000 e 2003, em Guarulhos (SP), 52 pessoas foram executadas pelos grupos de extermínio. Em Ribeirão Preto, também no Estado de São Paulo, foram identificadas 23 mortes atribuídas aos grupos de extermínio. Em outros estados estes grupos continuam atuando, principalmente na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, também no Espírito Santo, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Em São Paulo, o novo fortalecimento desses grupos se deve à total impunidade. São 88 mortes em chacinas esse ano, principalmente na Zona Norte da Capital. Todas apresentam indícios da atuação de grupos de extermínio. Em Ribeirão Pires, no Grande ABC, foram oito mortes, com a suspeita de participação de seis policiais militares. Em Osasco, um grupo de extermínio é suspeito de ter matado 30 pessoas, e 20 policiais militares estão sendo investigados. 

Repórter Social - A impunidade em relação à contra-ofensiva da polícia de São Paulo aos ataques do PCC, que culminou na morte de dezenas de pessoas, serviu de estímulo para grupos de extermínio? 

Ariel - Certamente. Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, após os ataques do crime organizado, 493 pessoas foram assassinadas no estado de São Paulo. Na maioria dos casos foram mortas pela própria polícia, em supostas resistências seguidas de morte, e por grupos de extermínio. Porém, mais de um ano depois, menos de 20 casos foram esclarecidos. Isso gerou uma grave certeza de impunidade, fazendo com que os grupos de extermínio - sempre com a participação de policiais, principalmente militares - continuassem atuando livremente com a omissão e até conivência do Estado. 

Repórter Social - Que características, em geral, unem esses grupos? O que prevalece é simplesmente a postura de acabar com a criminalidade matando supostos criminosos? Esse raciocínio não encontra alguma receptividade na população? 

Ariel - Geralmente os assassinos atuam encapuzados, com armamento típico da Polícia Militar, matando jovens que em boa parte dos casos já têm passagens criminais ou estão em situação de risco e de marginalização. Os grupos de extermínio fazem o trabalho sujo que a polícia muitas vezes gostaria de fazer nas suas ações cotidianas, mas muitas vezes não pode, porque existe algum controle, mesmo que seja mínimo. Os membros dos grupos sabem que podem matar porque não haverá o interesse de esclarecimento dos casos por parte de seus próprios colegas ou superiores. Além disso, pelo perfil das vítimas, quase ninguém vai se importar, inclusive a própria sociedade. A população tem a ilusão que os grupos de extermínio contribuem com a sociedade e com a diminuição da criminalidade. O trabalhador que hoje aplaude a atuação desses grupos pode se tornar vítima amanhã. Se não for ele, mais tempo ou menos tempo, poderá ser seu filho, sobrinho etc. Para poder se tornar vítima desses grupos, basta ser pobre. Os grupos de extermínio não agem nos Jardins, só atuam na periferia. Não exterminam empresários, nem mesmo criminosos de colarinho branco. O alvo é sempre pobre, jovem e negro, que seja morador da periferia. 

Repórter Social - As milícias cariocas, os grupos de extermínio, são uma prova do descontrole da sociedade para com os órgãos de segurança pública? 

Ariel - Claramente mostram a total falência do Estado na área de segurança pública e social. Os grupos de extermínio, os traficantes, as facções criminosas e as milícias formam o Estado paralelo que consegue espaço exatamente em razão da ausência do Estado oficial. Infelizmente a polícia, ou os maus policiais, têm influência na existência deste Estado paralelo. O maior problema da segurança pública no Brasil está em suas próprias policias, além, é claro, das questões sociais e da enorme desigualdade e concentração de renda que temos no País. A corrupção e as práticas ilegais, como a tortura e os extermínios são generalizadas e endêmicas nas forças policiais brasileiras. Antes do filme "Tropa de Elite", as entidades de direitos humanos sempre denunciaram essa realidade da polícia brasileira, mas as imagens valem mais que mil textos e palavras. Outro problema grave é a privatização da segurança. A polícia brasileira está desmantelada e miserável. Para que os policiais recebam "caixinhas" e os batalhões, distritos policiais e quartéis recebem material mínimo para manter as viaturas e os computadores, precisam prestar serviços para comércios, bancos, indústrias etc. Além disso, a pratica do "bico" é disseminada até onde a polícia deveria combater, como em boates de prostituição e desmanches de veículos. As empresas privadas de segurança também são, geralmente, de propriedade de policiais, inclusive das cúpulas das policias, que, na prática, investem na insegurança pública para vender serviços de segurança privada. Diante dessa tragédia que vivem as policias brasileiras, não adianta ter PAC da Segurança e tantos planos. Falta o plano para legalizar as policias! Também falta orçamento para a área social. Se não continuaremos tentando enxugar o chão com a torneira aberta. 

Repórter Social - Qual a dificuldade do Estado em combater esses problemas de criminalidade dentro da polícia? 

Ariel - Historicamente, o próprio Estado, a polícia e a Justiça no Brasil sempre serviram para proteger os ricos e massacrar os pobres. Não existe vontade política para combater as mazelas nas policias. Muita gente ganha com isso. O Estado só combate esses problemas pontualmente quando há veiculação na mídia. Se não, não há o mínimo interesse. Para as classes dominantes e para boa parte dos políticos interessa esse tipo de polícia, para manter os privilégios e para promover ações de impacto nas vésperas das eleições, gerando uma aparente sensação de segurança com megaoperações e assassinatos, mas que na prática, efetivamente, não diminuem em nada a criminalidade e não geram a resolução de crimes. Proporcionalmente, existem mais bandidos dentro das polícias brasileiras do que na sociedade. O corporativismo é muito grande. Enquanto a polícia investigar a própria polícia, jamais teremos punições sérias e exemplares. Só em casos isolados. Além disso, o Estado tem dificuldade em combater os crimes da polícia já que os criminosos que se beneficiam da corrupção policial não vão mesmo denunciar; as vítimas e testemunhas são ameaçadas ou mortas, e uma boa parte da sociedade é conivente com a corrupção e a violência policial, tanto que o capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, está virando herói nacional. 

Repórter Social - Uma das grandes dificuldades para punir crimes como os praticados pela polícia está no medo das testemunhas. O Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana) tem identificado alguma melhora no sistema de proteção às testemunhas? 

Ariel - Existem alguns programas de proteção a testemunhas como o Provita (Programa de Proteção às Vítimas e Testemunhas) - uma antiga reivindicação das entidades de direitos humanos. Porém, esses programas têm poucas vagas, não atendem a demanda. Também impõem tantas limitações e dificuldades para a vida da pessoa, que poucas resolvem colaborar com a Justiça. Eu mesmo não gostaria de integrar esses programas. É até melhor correr riscos ou deixar de denunciar. Esses programas precisam ser reformulados e precisam se tornar mais acessíveis. Uma das testemunhas de uma chacina praticada por grupos de extermínio no Parque Bristol, em São Paulo, em maio do ano passado, foi assassinada logo após sair do hospital. O governo tinha sido avisado e nada fez. E agora ninguém é responsável por nada. 

Repórter Social - Qual a conseqüência disso tudo para a percepção que as pessoas têm do Estado Democrático de Direito? É muito comum na periferia se ter mais medo da polícia que dos bandidos? 

Ariel - Muita gente não sabe se foge do bandido ou da polícia. Isso gera uma instabilidade institucional no País e realmente abala o Estado de Direito. Na verdade o Estado de Direito não existe na periferia. Geralmente as pessoas só conhecem o Estado paralelo: o crime organizado; a polícia violenta e corrupta e a total ausência de políticas públicas de inclusão social, geração de renda, habitação etc. As pessoas não acreditam nas instituições, por isso temos visto com freqüência os linchamentos, homicídios e outras formas de violência que poderiam ser evitadas se a polícia e a Justiça tivessem maior atuação e credibilidade. Além disso, a impunidade no Brasil é muito grande. Só 2% dos crimes são esclarecidos e os responsáveis punidos. Com relação aos homicídios, só 5% são resolvidos. Muito se fala em mudar as leis, mas o que inibe o criminoso não é o tamanho da pena e sim a certeza de punição. No Brasil é o contrário, é a certeza de impunidade. Se a vítima for pobre as chances de resolução do crime são ainda menores. Podemos ver pelos casos do Carandiru, que completou 15 anos, o Massacre dos Moradores de Rua de São Paulo, Carajás, Corumbiara, Candelária, Baixada Fluminense e tantos outros. As autoridades tratam as vidas dos pobres como descartáveis. Pobre no Brasil só é lembrado nas eleições. Depois, nem na hora da morte o Estado dá valor. 

Repórter Social - No que se refere aos políticos, há a questão eleitoral. Direitos humanos não dão voto, e pesquisas mostram que a população apóia esse tipo de barbárie. Um caso emblemático foi o de José Genoíno, do PT, falando de pôr a "Rota na rua" (expressão conhecida como quase uma senha para a polícia matar mais), na campanha para governador de São Paulo, em 2002. O pragmatismo político perpetua essa situação? 

Ariel - Não é nem pragmatismo, é oportunismo e demagogia. Tentam iludir a população, mas quando estão no poder, seja no parlamento ou no executivo, pouco fazem para diminuir a violência. Defendemos a reformulação das policias, a unificação da Polícia Militar com a Polícia Civil; um forte investimento em formação, plano de carreira e salários dignos aos policiais; controle externo e punições exemplares de maus policiais que prejudicam seus colegas, geram mortes e uma péssima imagem às instituições. A maioria dos policiais são honestos e pais de famílias, eles deveriam se unir para acabar com a "banda podre". A polícia precisa de estrutura para trabalhar, não pode ficar com o chapéu na mão pedindo favores de comerciantes. Precisa de viaturas, armamentos, coletes, treinamento. Há um sucateamento das forças policiais. Pouco se investe no trabalho de inteligência, nos Institutos de Criminalística, nos Institutos Médicos Legais (IMLs), nas polícias investigativas e técnico científicas. Só o policiamento de rua não tem eficácia no combate ao crime. A Polícia Federal tem dado bons exemplos, sem nenhum tiro, tem esclarecido crimes e detido criminosos de alto escalão, como o traficante colombiano preso recentemente, depois de três anos, supostamente, pagando propina para policiais civis de São Paulo. Agora, sobre a violência policial, muitas pessoas defendem até serem atingidas diretamente. O policial violento e corrupto pode vitimar qualquer pessoa. 

Repórter Social - O jornalista Amaury Ribeiro Jr. foi baleado recentemente, no entorno de Brasília, quando apurava reportagem sobre extermínios delegados pelos chefes do tráfico aos adolescentes. Foi a principal notícia do último mês em Brasília, como não poderia deixar de ser. Mas não há uma percepção, entre os pobres, de que só vítima "bacana" e da elite vira notícia? 

Ariel - Temos que entender qualquer atentado contra um jornalista como um atentado contra toda a sociedade, às instituições e à democracia. O repórter estava fazendo uma reportagem visando modificar a situação que ele estava constatando. O caso é tão grave que há risco até em tentar apurar. Nesse caso a violência repercutiu por ser um atentado contra toda imprensa e deveria mesmo repercutir. Assim como esperamos que isso nunca mais ocorra. Temos que lembrar da barbárie que atingiu o Tim Lopes. No Brasil ser jornalista ou defensor de direitos humanos, se tornaram missões de alto risco. Defender as leis e a Constituição está muito arriscado. Isso mostra que realmente estamos no fundo do poço. Agora, sabemos que quando as vítimas são pobres, poucos clamam por Justiça. A repercussão é pequena. As mortes de jovens, pobres e negros se tornaram cotidianas e foram banalizadas. Muitas das chacinas na periferia são justificadas pelas autoridades como brigas por drogas, como se os usuários de drogas devessem morrer. Nesses casos, além da pequena repercussão na mídia, não vemos passeatas pela paz, muito menos investigações imediatas. Agora, quando as vítimas são de classe alta, a imagem é sempre de pessoas altamente idôneas. Gera uma grande comoção social e todos policiais em serviço e mesmo os que estavam de folga são empregados no esclarecimento urgente do crime. Passeatas e caminhadas são realizadas. No Brasil, a desigualdade se apresenta até na hora da morte. 

fonte: Da Agência Repórter Social (www.reportersocial.com.br) 

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