Universidade do Contestado – Concórdia/SC (Brasil)
Crédito: http://psicolatina.org/Siete/passos.html
Apresentação
Este trabalho tem como objetivo realizar uma leitura dos três primeiros passos do programa de 12 passos de Narcóticos Anônimos a partir de um raciocínio psicodinâmico. Esta proposta foi baseada no interesse de investigar o processo pelo qual o drogadito se beneficia deste programa segundo uma coerência psicodinâmica, ou seja, transformando a linguagem original numa linguagem comum ao universo psicológico.
A leitura deste trabalho deverá ser iniciada a partir dos seguintes princípios: 1 - A análise realizada aqui considera que o drogadito esteja entrando em contato com o programa pela primeira vez, 2 - como a proposta do Programa de NA é manter este processo de recuperação por toda a vida, é sugerida uma leitura que corresponda á imagem de uma espiral, onde a cada recomeço do programa, novos recursos e mais eficientes vão sendo adquiridos, possibilitando, assim, um progressivo amadurecimento egóico.
Para uma melhor compreensão dos argumentos psicodinâmicos e da evolução de cada Passo, foram inseridas frases contidas no livro-base de Narcóticos Anônimos (1983) para ratificar e clarificar a idéia psicodinâmica que se expõe. Estas citações serão literais e serão identificadas pelas páginas no decorrer do texto. Inicia-se o estudo com a contextualização do quadro da drogadição através da exposição de algumas característica peculiares a este fenômeno seguindo a exposição de cada um dos Passos propostos pelo Programa.
Introdução
O adicto possui uma debilidade egóica que o torna incapaz de suportar a depressão, tendo que recorrer a mecanismos maníacos para sua sobrevivência. No entanto, "a reação maníaca só pode ter êxito com a ajuda das drogas, porque para a produção da mania se requer certa fortaleza egóica" que o adicto não tem (ROSENFELD, 1978). A repetição deste movimento com conseqüência satisfatória (êxito), ou seja, a manutenção de um estado maníaco e anulação (temporária) da angústia, promove uma debilidade cada vez maior do ego, pois seu repertório de defesa contra a angustia e a depressão, que já era pobre, vai se tornando cada vez mais ineficiente quando comparado ao recurso defensivo externo (droga). Este maior empobrecimento ocorre pelo fato do recurso droga provocar alívio imediato, não exigir adiamento da gratificação, capacidade de espera e elaboração de soluções mais eficientes, ou seja, não possibilita que o ego faça uso de seus recursos mais sofisticados. O que é estimulado, portanto, é o uso de "mecanismos de defesa de baixo nível" em detrimento a "mecanismos de defesa de alto nível" descritos por Otto Kernberg (1976). Os últimos vão ficando cada vez mais escassos na economia psíquica, promovendo um funcionamento cada vez mais regredido. É acionado, portanto, um modo de funcionamento primitivo (processo primário), a linguagem (entendida a linguagem como o modo de expressão no mundo) utilizada é a do princípio do prazer que, com a sistematização e progressão dos episódios tóxicos vai se tornando característica de personalidade, modo de funcionamento imperante. O processo secundário de funcionamento vai se tornando cada vez mais difícil de ser resgatado.
Percebe-se, portanto, que este processo, é um processo de escolha narcísica, ou seja, a escolha dele por um "ele melhor". Exemplificando este argumento com a literatura de NA (1983): "A parte espiritual de nossa doença é o total egocentrismo" (pág. 22). É a escolha do ego (por identificação projetiva) pelo ego ideal numa tentativa mágica de incorporação do ego ideal através de um objeto ideal (droga). Toma a si mesmo, seu próprio corpo (ego ideal) como objeto de amor (FREUD, 1914). Não há relação de amor com objetos externos. O objeto externo é usado para um gozo narcísico. Vemos identidade com esta leitura na literatura de NA (1983) onde se diz: "Nossa doença nos isolava das pessoas, a não ser quando estávamos obtendo, usando e arranjando maneiras de obter mais" (pág. 4), ou seja, o outro (como no bebê), era visto como instrumento de uso para gratificação. A "relação" com o outro era um meio e não um fim em si mesma. (Poderíamos aqui, pensar o porquê desta regressão a um modo de funcionamento tão primitivo, recorrendo à teoria de relações de objeto em Melanie Klein (1945), onde, na relação com o outro o bebê se frustra e, mediante a incapacidade de lidar com esta frustração, regride a um funcionamento já conhecido onde a gratificação predominava. No entanto, refletir sobre a causalidade deste fenômeno nos distanciaria da proposta inicial. Deixemos, então estas reflexões para um outro momento).
Há, portanto, um progressivo desinvestimento libidinal dos objetos externos (família, trabalho, etc..) paralelo a um progressivo investimento libidinal no ego ideal (si mesmo alucinado). Este estado geral é parecido com o estado do bebê que, nos primeiros meses de vida reconhece a mãe como uma extensão de seu próprio corpo. A mãe é concebida como veículo de gratificação e alívio, ou seja, o self materno fortalece o self do bebê (WINNICOTT, 1964). Proporciona prazer e reduz o desprazer. Não é uma unidade diferenciada dele e, qualquer evidência do contrário é negada alucinatóriamente para não causar dor e sofrimento. Identificamos congruência com a literatura de NA (1983) quando é dito: "Alguns de nós começaram a ver os defeitos da adicção nas pessoas mais próximas. Dependíamos muito delas para nos arrastarem pela vida. Sentíamos raiva, frustração e dor quando elas encontravam outros interesses, amigos e pessoas queridas" (pág. 7). Esta situação é similar a do bebê. No entanto, este precisa ser "arrastado" por sua evidente ausência de recursos para sobreviver. O drogadito, apesar de possuir recursos físicos mais desenvolvidos que o bebê que poderiam promover certo grau de independência, possui recursos emocionais muito parecidos com os de um recém nascido. Estes recursos precários o paralisam e o tornam dependente da droga na mesma intensidade em que o bebê é dependente da mãe (que neste período também é objeto ideal). Podemos lembrar que qualquer psicopatologia que por ventura venha a se manifestar na vida não é estranha ao aparelho psíquico .Em algum momento do desenvolvimento psicossexual este funcionamento (hoje psicopatológico) foi considerado normal (FREUD, 1905; HEIMANN, 1982). Fica evidente, portanto, que existe um funcionamento com tendência à escravidão e à submissão que está ligado ao objeto ideal droga, mas poderia estar ligado a qualquer outro objeto como um dia esteve ligado ao objeto mãe sem ser considerado patológico. Na literatura de NA (1983) isso fica evidente da seguinte forma: "Nossa incapacidade de controlar o uso de drogas é um sintoma da doença adicção. Não somos impotentes apenas perante as drogas, mas também perante a adicção". Aqui fica claro um reconhecimento deste funcionamento precário, com recursos precários.
O bebê ainda não consegue protelar quando sente dor, angustia e falta. Não tolera minimamente a espera. O bebê utiliza todos os recursos disponíveis para que esta idéia se sustente (conseguir gratificar-se a si próprio); por exemplo, quando está com fome e a gratificação não é imediata (demanda espera), o bebê, levando o dedo à boca alucina auto-suficiência (capacidade de satisfazer-se a si próprio), negando a dor (fome) e a realidade (necessidade de espera para gratificação eficiente e necessidade de ajuda na relação com o outro). Ele ainda não tem recursos egóicos para lidar com a dor e a realidade, assim como o drogadicto, que não tem recursos egóicos para lidar com sua dor e sua realidade, tendo também, que alucinar auto-suficiência. No entanto, esta alucinação só é adquirida e mantida através de um recurso externo (droga).
Porém, dependendo dos recursos egóicos de cada bebê e da economia pulsional inata, o princípio de realidade se impõe. Ele percebe que a dor (fome) não passa, apesar dos recursos utilizados (dedo na boca) e ele tem que admitir sua impotência em satisfazer-se onipotentemente. Chegamos, então ao Primeiro Passo.
Primeiro Passo - "Admitimos que éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis".
A imposição do princípio de realidade gera um conflito, e, portanto, uma egodistonia . O que antes era egossintônico: ideal drogaditivo, através da imposição dolorosa da realidade, tornou-se egodistônico (KALINA, 1983). A solução dada até então para qualquer forma de angústia e de dor tornou-se ineficiente (O dedo na boca disfarça a fome apenas por um período). Devido a condições pulsionais inatas, para alguns, a realidade se impõe e para outros não (a impotência jamais será sentida se depender de recursos egóicos próprios, é necessário, nessas situações, uma intervenção externa - quando, por exemplo, a intervenção terapêutica adequada é uma internação compulsória). O tratamento só é eficiente quando está inserido um conflito, ou seja, uma quebra no ideal drogaditivo. Kalina9 explica este fenômeno da seguinte forma: "O adicto é um ser que pôs em funcionamento a parte psicótica da personalidade. Não responde à prova da realidade, nem à de experiência, não tem consciência da doença ou a tem parcialmente (ou melhor, dissociadamente) e vive de acordo com o delírio, que se converte, assim em sua própria ideologia de vida. Funciona egossintonicamente com seu delírio drogaditivo e, por isso, a internação, em regra geral, deveria ser a primeira medida a ser tomada para tentar sua reabilitação, pois necessitamos criar-lhe um conflito, uma egodistonia" (KALINA, 1983). No entanto, se considerarmos as diferenças pessoais de um modo geral e dos drogaditos em particular, percebemos que, por condições pulsionais inatas ou por recursos egóicos adquiridos (fixação libidinal em estágios mais avançados do desenvolvimento psicossexual), alguns reconhecem a realidade e a sua impotência sem necessitar de intervenções como a internação compulsória, ou seja, o conflito é instalado por recursos próprios. O programa de NA, portanto, só é capaz de beneficiar indivíduos que possuem recursos suficientes para reconhecer a realidade externa.
Na literatura de NA (1983), identificamos a idéia de conflito da seguinte forma: "Quando dizemos não temos escolha (inexistência de conflito, apenas um caminho a seguir), mostramos a incapacidade de parar de usar (...). No entanto, nós temos uma escolha (conflito instalado, mais de um caminho a seguir) quando paramos de tentar justificar nosso uso" (pag. 21).
Lembramos, portanto, que o programa de NA propõe a aquisição de recursos egóicos mais sofisticados e elaborados que vão sendo adquiridos sistematicamente. A proposta (Primeiro Passo) exige um compromisso definitivo com a realidade e com o processo secundário de funcionamento: "Nenhum dos passos trabalha por mágica" (NARCOTICOS ANÔNIMOS, 1983, pág. 24). Este pode ser considerado o mais importante dos passos por inserir este compromisso com a realidade externa. Nosso objetivo aqui é fazer uma leitura psicodinâmica deste processo. A posição esquizo-paranóide, antes predominante, dá lugar a uma posição depressiva, ou seja, o delírio de amor narcísico sustentado pela droga, dá lugar a uma ansiedade depressiva (confluência de amor e ódio pelo mesmo objeto - si mesmo) que é expresso pela forma de culpa mais arcaica e angustiada devido a sentimentos ambivalentes para com um objeto (KLEIN, 1982). "Ao nos sentirmos derrotados ficamos prontos" (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1983, pág. 21). Apesar de sentir-se fracassado, está vivo e pretende manter-se assim (predomínio do instinto de vida). Para que o drogadicto suporte este acumulo de angústia, é necessário que tenha alguma estrutura egóica adquirida durante seu desenvolvimento. O bebê, em certo estágio do desenvolvimento, já se acha física e emocionalmente maduro para integrar suas percepções fragmentadas da mãe, reunindo as versões (imagos) boas e más. No entanto, neste Primeiro Passo, o adicto ainda está num estágio anterior. Ainda está integrando sua própria imagem, suportando sua ambivalência em relação a si próprio, ainda não considera a existência de um outro. Está se reconhecendo progressivamente um bebê vulnerável e desprotegido e, "até abrir mão de todas as restrições, estará colocando em risco os alicerces de sua recuperação" (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1983, pág. 22). A introdução de um outro diferenciado, na vida anímica surge, então, no Segundo Passo.
Segundo Passo - "Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos a sanidade".
Até aqui, identificamos um salto na qualidade de recursos egóicos adquiridos. O drogadito, que tinha referências alucinatórias, vivia pelo princípio do prazer e com predominância do processo primário de funcionamento , portanto, em posição esquiso-paranóide - recursos egóicos e desenvolvimento emocional de um bebê de 2 a 4 meses ; já adquiriu um compromisso com a realidade interna e externa, suporta ambivalências, dores e vive o luto do narcisismo ou seja, predomínio da posição depressiva (recursos egóicos de um bebê mais maduro).
Após o reconhecimento de sua insuficiência, é necessária a inserção de um outro no universo anímico que sirva de referência e continência. O vínculo que antes era com um objeto idealizado concreto (droga), passa a ser com um objeto simbólico (Deus) - Podemos observar que a passagem de um vínculo concreto para um vínculo simbólico pressupõe uma aquisição (recente) de recursos egóicos mais elaborados. Este outro é primeiramente idealizado e de permanência constante - como uma forma de vínculo adesivo (Hinshelwood, 1992, págs 355/356) - ao indivíduo e, por isso, a escolha do símbolo universal Deus ("Poder maior do que nós"). Recorremos a Winnicott (1958) em "A capacidade de estar só" para dar um sentido psicodinâmico a este fenômeno. O autor propõe que, inicialmente, a criança só é capaz de estar sozinha na presença de alguém, ou seja, consegue manter sua recém adquirida (mas, ainda frágil) integridade egóica e não recorrer a mecanismos primitivos de funcionamento (regredir) se tem por perto alguém (mãe para o bebê e Poder Superior para o adicto) com maturidade egóica suficiente para protegê-lo dele mesmo (de seus impulsos destrutivos). O ego maduro desta mãe, com seus inúmeros recursos, dá continência ao ego débil do bebê / criança. Na literatura de NA (1983) encontramos: "O Primeiro Passo deixa-nos (como herança) a necessidade de acreditarmos em algo que nos ajude com nossa impotência, inutilidade e desamparo.(...) O primeiro passo deixou um vazio em nossas vidas" (pág. 24). Presença de ansiedade depressiva, reconhecimento de limites do corpo e do ego. Para o drogadito a companhia constante de um ego mais estruturado só é possível através de um processo de simbolização deste outro – "... podemos escolher o grupo, o programa, ou podemos chamá-lo de Deus" (NA, 1983, pág. 26). Este outro deve possuir recursos suficientes que amparem a insuficiência do ego – "preencha o vazio" (NA, 1983, pág. 24). Percebemos, aqui, a aquisição de recursos egóicos mais desenvolvidos - idade emocional de um bebê no início da infância - possui independência protegida. Para Melanie Klein (1930), “o simbolismo não constitui apenas o fundamento de toda fantasia e sublimação, mas também sobre ele se constrói a relação do sujeito com o mundo exterior e com a realidade em gera”.
A título de curiosidade, podemos complementar a análise deste Segundo Passo através da "Imagem de Deus" segundo Jung (1988) que pode ser compreendida como o símbolo da totalidade psíquica. O autor explica: "Só por meio da psique podemos constatar que a divindade age em nós; desta forma, somos incapazes de distinguir se essas atuações provêm de Deus ou do inconsciente, isto é, não podemos saber se a divindade e o inconsciente constituem duas grandezas diferentes... Pode-se constatar que existe no inconsciente um arquétipo da totalidade... que se aproxima da imagem de Deus". Portanto, o drogadicto que estava pondo em funcionamento apenas a parte psicótica de sua personalidade (KALINA, 1983), a integra, podendo estabelecer compromisso com outras instâncias psíquicas que estavam inoperantes, como, por exemplo, seu núcleo neurótico. A partir deste momento, inicia-se o uso mais freqüente de mecanismos de defesa de alto nível (KERNBERG,1976), na presença deste outro protetor, o ego torna-se mais forte para arriscar fazer uso de recursos mais elaborados da personalidade como os recursos neuróticos. Desta forma, a existência deste outro, devolve ao adicto, a sanidade (primeira possibilidade de não funcionar de forma psicótica e com ansiedade psicótica).
No desenvolvimento psicossexual, surge um momento que, através do amparo de um outro perfeito, a criança consegue suportar suas deficiências e qualidades, torna-se capaz de reconhecer seus limites mas ainda não suportaria encontrar um outro que não fosse apenas dedicação, altruísmo, continência, acolhimento e proteção, ou seja, o outro é idealizado sem limites nem restrições (a mãe, neste momento, cumpre esta função). Identificamos aqui, a mesma forma de funcionar do drogadito que chegou a este Segundo Passo (Deus, neste momento, cumpre esta função). Ele, como a criança, se torna capaz de integrar os vários aspectos do outro diferenciado quando avança mais em seu desenvolvimento psíquico, portanto, no Terceiro Passo.
Terceiro Passo - "Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da maneira como nós O concebemos."
Depois de acreditar num Poder Superior simbiótico (mãe/bebê), inicia-se a diferenciação eu-outro. Para que haja entrega, é necessário um outro separado, não-fundido ao ego. É um momento de aprendizagem com este outro, modelagem a partir do outro. "Oriente-me na minha recuperação. Mostre-me como viver" (NA, 1983,pág. 28). É a introdução da lei, das regras e dos limites (esta é a função e a representação de Deus neste momento). Recorremos aqui ao conceito de "função paterna" (HINSHELWOOD, 1992, pág. 306/307), onde existe a interdição da fusão. Aqui, o drogadicto inicia, através do outro (Deus), o resgate de um código valorativo que o sustente. O superego está fora do aparelho psíquico (Deus). Finaliza-se o processo de identificação adesiva (HINSHELWOOD, 1992, pág. 355/356) predominante no Segundo Passo e inicia-se um uso mais freqüente do mecanismo de identificação (mais elaborado que o anterior), onde reconhece, fora, características e modelos que podem ser introjetados ao repertório do ego e do superego. A crença em um "Deus amoroso" (superego amoroso) é importante para a reconstrução deste superego que, inicialmente era sádico, rígido e altamente exigente e, por isso, precisava ser apaziguado pela droga – É possível relembrar aqui a célebre frase de Gammil (1981): "O superego do alcoolista é solúvel em álcool". O vínculo adesivo mantido durante o segundo passo cumpriu a função que era da droga antes do início do programa, ou seja, apaziguou o superego sádico e rígido. Se este passo não for cumprido com dedicação, será impossível a manutenção dos benefícios do Terceiro Passo. "Alguns de nós, a princípio, não levaram esse passo a sério; passamos por ele com pouco interesse, para constatarmos depois que os passos seguintes não funcionavam até que trabalhássemos o Passo Dois" (NA, 1983, pág. 24). Isso significa que, para obter sucesso no Terceiro Passo, é necessário que tenha havido uma identificação adesiva com um superego suficientemente amoroso e flexível para que seja suportável uma diferenciação posterior. É o início da “capacidade de estar só” sem precisar do olhar externo. No entanto, ainda é necessário um "objeto transicional", por ser a "primeira possessão não-eu". Para Winnicott (1983), "Uma característica essencial dos fenômenos e objetos transicionais reside na qualidade de nossa atitude quando o observamos", ou seja, "da maneira como nós O compreendemos". O drogadicto, neste momento, adquiriu recursos para estar sozinho e quando for necessário, "pedir orientação". O Terceiro Passo é também o momento de introjeção e manutenção deste superego no aparelho psíquico, ou seja, um momento de aquisição e vivência de um código valorativo que, no início deste passo estava localizado externamente, mas com um bom empenho ao programa, estará introjetado.
Considerações finais
Observa-se que o programa de 12 passos oferece ao adicto oportunidade de amadurecimento egoico similar às oportunidades necessárias para o desenvolvimento infantil. A aquisição de recursos mais sofisticados têm como objetivo conduzir o adicto, ou seja, “dependente” (da droga) à independência e autonomia. O desenvolvimento da criança percorre este mesmo processo, sendo, enquanto bebê, dependente da mãe, tendendo a desenvolver certo grau de autonomia no decorrer do tempo.
Com esta análise pretendeu-se oferecer aos psicólogos que trabalham com o fenômeno da drogadição e possuem orientação psicodinâmica, alternativas teóricas para intervenção em modelos de tratamento que incluam o programa de 12 passos.
Referências Bibliográficas
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Crédito: http://psicolatina.org/Siete/passos.html
Com certeza os passos me deram a força que eu não tinha para enfrentar minha adicção. Com eles aprendi a mapear minha doença e a identificar os comportamentos que me levavam a beber. Estou muito melhor desde que decidi escrevê-los.
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