terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

FALSAS CRENÇAS A RESPEITO DA RECAÍDA




A recaída não significa forçosamente que o adicto falhou, mas que tropeçou e tem mais para aprender.


Esta brochura examina falsas crenças que se têm sobre a recaída e oferece àqueles que recaem encorajamento e apoio quando uma recaída tem lugar.

Caso esteja em recuperação de uma doença ligada à adicção, a palavra recaída pode ser assustadora. Pode ter recaído. Sem dúvida deve ter sido informado da possibilidade muito real de que isso ocorra. E pode ter assistido, impotente, à recaída de outras pessoas de quem gosta e que talvez nunca mais tenham voltado a ter uma vida sóbria e estável.

É correto preocupar-se com a possibilidade da recaída, mas quanto mais souber sobre ela e quanto melhor a compreender, menos ameaçadora será para si. Há muitas ideias erradas acerca da recaída. As pessoas acreditam nessas ideias erradas e, em consequência, agem como se elas fossem verdadeiras. Como resultado, as pessoas com tendência para recair estão sujeitas à incompreensão e ao abuso não intencional por parte dos outros. 

FALSAS CRENÇAS É QUALQUER COISA QUE VOCÊ ACREDITA SER VERDADEIRA E SEGUNDO A QUAL AGE COMO SE FOSSE VERDADEIRA QUANDO, NA REALIDADE, É FALSA.

Muitas pessoas que têm tendência para recair acabam por acreditar em muitas coisas em relação a si próprias, que não têm qualquer verdade. Castigam-se com essas falsas crenças e, culpando-se, tornam a sua situação pior. Essas pessoas fazem escolhas, baseadas nessas ideias e, por vezes, as escolhas são destrutivas.

Recentemente, contaram no noticiário a história de um rapaz que se matou por ter tido um resultado positivo num teste de AIDS. Depois da sua morte, descobriram que o resultado positivo tinha sido um erro e que, afinal, não tinha a tão temida doença. A sua crença errada o levou a fazer uma escolha errada.

Todos nós temos noções erradas e atitudes perigosas a respeito de muita coisa. As falsas crenças sobre a recaída podem ter consequências destrutivas. O primeiro passo para prevenir a recaída é compreender o que ela é, e o que não é. O segundo passo consiste em pôr em causa as suas próprias ideias a respeito dela. Se tiver tendência para a recaída, as suas crenças erradas podem levá-lo à morte ao impedi-lo de procurar a ajuda de que precisa. Se você for um conselheiro ou um membro de A.A. que tenta ajudar as pessoas com tendência a recair a manterem-se sóbrias, as suas atitudes erradas podem alimentar o processo de recaída e empurrar essas mesmas pessoas para a próxima bebida. Não que essa fosse a sua intenção, mas por causa da sua informação errada.

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As falsas crenças a respeito da recaída criam profecias que acabam por se realizar. Quando as crenças erradas se transformam em “verdade” para si, você age como se elas fossem verdadeiras. Estes comportamentos incorretos conduzem-no a um ciclo de recaídas, o que leva as suas crenças erradas a tornarem-se realidade. Chamamos a isto uma “armadilha”. Você desenvolve uma crença errada; age como se ela fosse verdadeira; a ação causa sofrimento e problemas; começa a usar/beber para fazer face ao sofrimento e aos problemas.

No campo do alcoolismo, afirmamos que o alcoolismo é uma doença. Mas nem sempre atuamos como se fosse. Em certas ocasiões, sentimo-nos frustrados ou impotentes quando lidamos com pessoas que não conseguem manter-se sóbrias. Sentindo-nos com medo e ameaçados, com frequência classificamos essas pessoas de “desmotivadas”, “sem solução” ou de “ainda não preparadas para a recuperação”. O que é ainda mais assustador é que quando falhamos no nosso próprio programa de recuperação, empregamos muitas vezes estes mesmos termos a nosso respeito. Com o tempo, acabamos por aceitar essas ideias castigadoras e incorretas como se fossem verdadeiras.

FALSAS CRENÇAS - AÇÕES MAL ORIENTADAS - SOFRIMENTO E PROBLEMAS -  USAR / BEBER

Gostaríamos de dissipar alguns dos mitos e noções erradas acerca da recaída e de substituí-los por um conhecimento factual que o ajude a enfrentar com mais realismo a tendência potencial da sua doença para a recaída.

Aqui estão algumas falsas crenças que são comuns em relação à recaída.

FALSA CRENÇA #1: “Se você parar de usar ou beber por algum tempo e depois voltar, recaiu.”

FACTOS: A recaída não pode ocorrer antes de o adicto aceitar a existência de uma doença adictiva, reconhecer a necessidade de uma abstinência total e tomar a decisão de manter a sobriedade com a ajuda de um Programa de Recuperação. Os períodos de abstinência antes do reconhecimento da adicção são sintomas da doença.

Para a maior parte das pessoas com dependência química, os passos básicos no caminho da sobriedade são:

1. Bebida ou uso descontrolado;

2. Tentativas de controle, regulando a quantidade tomada ou uso da substância;

3. Tentativas de controle, procurando manter períodos de abstinência com o objetivo de voltar ao uso (se eu puder parar é uma prova de que não preciso parar);

4. Decisão de parar de beber/usar, mas não de mudar o estilo de vida;

5. Decisão de mudar o estilo de vida e seguir um Programa de Recuperação com o objetivo de parar permanentemente de beber ou usar.

Por vezes, os adictos mantêm a abstinência por certo período de tempo para provarem que podem parar cada vez que quiserem. Podem, então, voltar a beber/usar, pois “provaram” que não há necessidade de parar.

Muitas pessoas que sofrem de adicção bebem ou usam num esforço final para testar o controle que possuem. Perdem o controle e aprendem a lição decisiva: não sou uma pessoa capaz de beber/usar normalmente, não posso controlar a minha bebida/uso. Reconhecem que são adictos e que não têm controle sobre o seu uso/bebida. Isso permite-lhes completar conscientemente o Primeiro Passo dos A.A.

Às vezes os adictos mantêm a abstinência, embora não acreditando que sejam adictos, por causa de pressões externas (emprego, família, problemas legais) que tornam o fato de continuar a beber/usar muito arriscado. Estas pessoas não recaem depois dos períodos de abstinência. A doença continua simplesmente a progredir. 

O fato de acreditarem que qualquer regresso ao uso/bebida é uma recaída faz com que os adictos já estejam derrotados antes de começarem. Castigam-se a si próprios, porque falharam nos esforços para se manterem sóbrios antes de terem verdadeiramente alcançado a compreensão de sua doença. Têm um sentimento de desespero ao pensar: “Tentei e falhei; não vou conseguir porque já falhei no passado.” Não têm a consciência de que nunca possuíram os instrumentos necessários para fazê-lo. O medo de falhar impede-os de tentarem novamente. 

Esta crença errada é também causa da família e dos amigos “desistirem” do adicto e não o apoiarem nas suas tentativas futuras de sobriedade. 

FALSA CRENÇA #2: “A recaída chega de repente e sem aviso”.

FACTOS: O processo da recaída começa muito antes de começar o uso do álcool ou da droga. Muitas vezes, o processo da recaída é desencadeado pelo sofrimento e desconforto que representa o manter-se sóbrio.

Há sintomas de adicção ligados à sobriedade que surgem com a abstinência. A menos que uma pessoa saiba lidar com esses sintomas, eles podem manifestar-se de forma cada vez mais grave até a pessoa se tornar tão desequilibrada como antes de a sobriedade começar. Estes sintomas ligados à sobriedade podem incluir a consciência intensificada de sons e luzes, a reação exagerada ao stress, entorpecimento emocional, reações emocionais exageradas, problemas de memória, perturbações do sono ou confusão mental. 

Os sintomas que acompanham a sobriedade podem ser controlados ou minimizados compreendendo-os o melhor possível, com uma boa nutrição, exercícios e aprendendo a descontrairmo-nos e a divertirmo-nos. Não levando os sintomas em conta, o desequilíbrio e o stress podem conduzir a uma mudança de comportamento, a uma quebra nas relações e na estrutura social, a uma perda do bom senso e, finalmente, a um comportamento descontrolado. 

Muitas pessoas já se encontram descontroladas antes de tomarem a primeira bebida. O processo da recaída pode torná-las disfuncionais mesmo que não estejam a beber ou a usar drogas. Nos A.A. chama-se muitas vezes a este desequilíbrio de “bêbado seco”. (Dry drunk – no original americano).

Os adictos podem usar/beber para aliviar estes sintomas, mesmo quando sabem que o uso acarreta realmente consequências graves. Se o fato de conhecerem estas consequências os mantiver afastados da bebida ou do uso, podem tornar-se desequilibrados de outras maneiras.

Existem muitos sinais de aviso de que se está no caminho do álcool ou da droga. Acreditando-se que o processo da recaída começa com o uso do álcool ou das drogas e surge sem aviso, haverá menos probabilidades de reconhecer os sinais de aviso precoces, quando eles se manifestam. Há menos probabilidades de tomar conta de si próprio e de aprender a lidar com os sintomas que acompanham a sobriedade, antes que eles se tornem graves.

FALSA CRENÇA #3: “Desde que não use álcool ou drogas, você está em recuperação.”

FACTOS: A abstinência é apenas um pré-requisito para a recuperação. A recuperação exige o tratamento adequado dos sintomas de privação a longo e a curto prazo dos sintomas físicos, psicológicos e sociais causados pela adicção. É trocar um estilo de vida centrado no uso por um estilo de vida centrado numa vida saudável.

Por vezes, as pessoas reconhecem que são adictas e tentam sinceramente manter a abstinência, mas não compreendem que necessitam da ajuda dos outros e de um programa de recuperação para alcançá-la. E, assim, desistem. Não tendo tomado consciência de que a sobriedade exige mais do que simplesmente não usar, ficam admiradas quando começam a usar oura vez.

Bill era um alcoólico e, ao mesmo tempo, diabético. O médico disse-lhe que se não parasse de beber morreria. Por isso, parou. Durante um ano não tocou num copo. No entanto, não mudou absolutamente nada na sua vida. Continuou a dar-se com pessoas que bebiam muito; ia a reuniões sociais em que os copos eram o “divertimento” principal. Bill não descobriu outras formas de se divertir ou de se descontrair, nem aprendeu a lidar com os sintomas que acompanham a sobriedade ou com o stress que eles provocam. Estava limpo, mas extremamente infeliz. Ao fim de um ano, Bill disse: “se é isto que eu tenho de fazer para continuar vivo, não vale a pena”. Voltou a beber outra vez e, ao fim de alguns anos, morreu.

Muitos alcoólicos que nunca usam álcool nem drogas não estão em recuperação. Têm depressões nervosas, sofrem de psicoses, fazem tentativas de suicídio ou adoecem com doenças provocadas pelo stress. Tudo isto acontece por causa do que nós chamamos de síndrome da recaída.

Ao você acreditar que não usar é a recuperação e que usar é o único sinal de que falhou a recuperação, minimizará outros problemas ligados à sua recuperação e trocará a obsessão em usar, pela obsessão em não usar. Não irá concentrar-se em um estilo de vida baseado na sobriedade. Focar o não usar torna-se numa desculpa para não olhar para outras áreas da vida. Não beber/usar não é a recuperação: é apenas não beber/usar. 

FALSA CRENÇA #4: “A recaída acontece porque os adictos abandonam o tratamento de ir às reuniões dos Alcoólicos Anônimos ou dos Narcóticos Anônimos”. 

FACTOS: Muitas pessoas deixam de se tratar ou de ir aos A.A., porque já se encontram no processo de recaída. Interromper o tratamento ou a ida às reuniões e, com frequência, resultado do processo de recaída e não a sua causa.

Em relação às pessoas com tendência para recaírem, o tratamento e os A.A. nem sempre funcionam. No capítulo 5 dos Alcoólicos Anônimos (o “Livro Azul”), diz-se: “Aqueles que não se recuperam são pessoas que não são capazes ou que não conseguem dedicar-se inteiramente a este programa simples, geralmente homens e mulheres que, pela sua constituição, são incapazes de serem honestas consigo mesmas. Existem infelizes assim. Não têm culpa.” É provável que estes “infelizes” abandonem o tratamento ou deixem de ir às reuniões de A.A. porque os sintomas da recaída se tornam tão graves que se torna impossível para eles participarem do tratamento ou de A.A. A prevenção da recaída não substitui os A.A., mas suplementa-os. O plano de prevenção da recaída deve começar muito antes dos A.A. e do tratamento se tornarem descontínuos. Chamamos a isto A.A. plus Approach – aconselhamento profissional e plano de prevenção da recaída.

Bárbara ficou perturbada quando ouviu alguém dizer, em um Workshop de Prevenção da Recaída, que uma participação descontínua nas reuniões de A.A. não causava recaída. Conhecia muitas pessoas que tinham recaído por deixarem de ir às reuniões. Foi impossível convencê-la de que essas pessoas já podiam estar no caminho da recaída antes de terem deixado de ir às reuniões ou de que a progressão nesse caminho poderia ter sido a razão pela qual deixaram de participar. “Enquanto continuar a ir às reuniões”, dizia ela, “não recaio”. Bárbara continuou a ir às reuniões, mas nunca prendeu, em recuperação, a lidar com os sintomas ligados à adicção e nunca aprendeu a interromper os sinais de aviso da recaída. Nunca mais voltou a beber, mas acabou por ter uma depressão nervosa com consequências trágicas para si própria e para sua família.

Caso considere a recaída como resultado da descontinuidade na participação nas reuniões, terá tendência a culpar-se em vez de procurar novas possibilidades de ajuda. Pode continuar a ir às reuniões, mas continuará a não fazer nada para interromper o processo de recaída. Continuará a insistir naquilo que já falhou repetidamente no passado. Não se manterá aberto a novas possibilidades ou “não mexerá céus e terra” para conservar a sua sobriedade. Se começar a beber/usar de forma adictiva em vez de ir às reuniões, vai pensar que não tem remédio. “Isto devia resultar; se não resulta, a culpa é minha. Não há mais nada que eu possa tentar; portanto, devo ser um caso perdido”. 

FALSA CRENÇA #5: “As pessoas em recuperação têm uma percepção consciente dos sinais de aviso da recaída.” 

FACTOS: Muitas pessoas que recaem não têm uma percepção consciente dos sinais de alerta à medida que eles ocorrem. É apenas mais tarde, quando olham para trás, que são capazes de ver tudo aquilo que estava a se passar. Há várias razões que explicam o motivo pelo qual você pode não ter consciência desses sinais de aviso quando eles aparecem.

A primeira é a falta de informação. Você não sabe, pura e simplesmente, o que procurar. Quando aprender quais são os sinais de aviso poderá aprender a reconhecer os sintomas e a agir antes que eles se tornem incontroláveis.

A segunda razão é a negação. Quando os sintomas de recaída começam a desenvolver-se os velhos padrões de negação reaparecem. O que equivale a enganar-se, a si próprio. A grande mentira é, evidentemente, “Eu não sou alcoólico”; mas a negação baseada na sobriedade pode conduzir ao mesmo caminho: “Claro que sou alcoólico, mas não tenho quaisquer problemas. Sou capaz de lidar com o stress que me causa o meu trabalho e a minha família. Está tudo a correr bem.”

A terceira razão são os problemas neurológicos – isto é, o enfraquecimento do cérebro e do sistema nervoso. Este enfraquecimento causa sintomas que acompanham a sobriedade, tais como a confusão mental, o entorpecimento emocional ou a reação emocional exagerada, os problemas de memória e a sensibilidade ao stress. No começo da recuperação, estes sintomas podem criar um “nevoeiro mental” que melhora com o tempo. As pessoas dos A.A. dizem que passam por cerca de um mês de “nevoeiro mental” persistente e contínuo, em sobriedade, por cada ano que passaram bebendo.

Os sintomas que acompanham a sobriedade podem reaparecer durante todo o restante da vida nos períodos de stress intenso, mas a sua gravidade pode ser reduzida através de uma alimentação adequada, exercício e boa gestão do stress. O pensamento impreciso causado pelo enfraquecimento neurológico pode interferir na capacidade de reconhecer os sinais de alerta quando eles ocorrem.

Como as pessoas em recuperação muitas vezes não têm consciência dos sinais que avisam da probabilidade do uso do álcool ou da droga, é importante que você converse regularmente com pessoas capazes de ajudá-lo a reconhecer os sinais que possam estar a ocorrer.

A consequência de acreditar que terá uma percepção consciente dos sinais de aviso é que se culpará por não os conhecer melhor. Isto diminuirá sua auto-estima e irá incitá-lo a esconder sua “estupidez”. Culpar-se só irá aumentar o stress e a disfunção. Como resultado, terá menos vontade de fazer perguntas e estará menos aberto a receber informações. Não tendo consciência de que existem sinais de aviso escondidos que precedem o regresso à adicção ativa, não se sentirá motivado a vigiar esses sinais e a tomar medidas para enfrentá-los adequadamente.

FALSA CRENÇA #6: “Uma vez que as pessoas estejam conscientes dos sinais de alerta da recaída, podem tomar a decisão de agir de forma a que eles desapareçam.”

FACTOS: Apenas o fato de tomarem consciência dos sinais de alerta não dá às pessoas a possibilidade de interrompê-los. Podem não saber o que fazer. Podem não saber qual a forma de agir para interrompê-los. Noutros casos, podem saber o que fazer para os controlar, mas serem incapazes de o fazer. Os sinais de aviso crescem vagarosamente, até se tronarem tão graves que provocam uma perda de controle do pensamento, das emoções, da memória, do discernimento e do comportamento. Assim, mesmo quando as pessoas reconhecem os sinais de aviso, podem ser incapazes de fazê-los parar, mesmo esforçando-se para que isso aconteça.

A negação que acompanha a sobriedade pode afetar não só a capacidade de reconhecer os sinais de aviso, mas também a capacidade de alterá-los. Algumas pessoas acreditam que trazer qualquer coisa para o campo da consciência significa que ela será automaticamente resolvida. Dizem para consigo: “Agora, que sou capaz de reconhecer que estou com raiva, vou deixar de ter raiva”; ou dizem: “É óbvio que ando com stress a mais, por isso vou passar a ter calma”. E não fazem nada para mudar o modo habitual e de longa data como lidam com o stress.

Para as pessoas que não sabem o que fazer com os sinais de alerta, o Plano de Prevenção da Recaída pode ajudá-las a aprender o que fazer. Podem desenvolver técnicas necessárias para interromper o processo de recaída.

Aqueles que sabem o que é preciso fazer, mas não são capazes de fazê-lo, precisam de pessoas que apóiem o seu plano de prevenção da recaída, ajudando-os a agir como necessário; mas têm que planejar antecipadamente. Algumas pessoas dizem: “Vou aos A.A. quando preciso ir”; mas antes de tomarem consciência de que precisam, os sintomas podem ter-se tornado incontroláveis.

Certas pessoas crêem que deveriam ser capazes de agir sozinhas para mudarem os sinais de aviso. Isso cria obstáculos em relação a pedirem e receberem ajuda. Contribui também para o sentimento de culpa quando a falta de controle ocorre. Uma parte do plano de prevenção da recaída consiste em utilizar as outras pessoas para interromper e lidar com os sinais de aviso quando eles surgem.

FALSA CRENÇA #7: “A recaída pode ser evitada pela força de vontade e autodisciplina.”

FACTOS: A autodisciplina e a força de vontade, sozinhas não impedem a recaída. A recaída ocorre porque falta alguma coisa no programa de recuperação. Há problemas ou condições que não estão sendo enfrentados como deveriam ou que não estão a ser eficazmente tratados. Há qualquer coisa que a pessoa precisa fazer, ou precisa aprender, ou precisa aprender a deixar de fazer. Sem um tratamento adequado e um programa de sobriedade eficaz, a autodisciplina e a força de vontade não funcionam.

A força de vontade sozinha não impede a recaída de um adicto, assim como não impede a recaída de um diabético, de um doente do coração ou de um artrítico. As doenças crônicas exigem comportamentos que mantenham os sintomas sob controle. A dependência química é uma doença crônica. Tentar impedir a recaída através da força de vontade apenas serve para aumentar o stress, que significa o sofrimento que pode levar ao aparecimento dos sinais de aviso da recaída.

As pessoas em recuperação que pensam que a recaída pode ser evitada pela força de vontade tentarão “fazer mais força” quando os problemas se agravam. Acreditam que precisam passar por isso sozinhas. Têm mais tendências a culparem-se a si próprias do que a reconhecerem que precisam de ajuda. Como consequência, não obtêm a ajuda de que necessitam. 

Jack cresceu convencido de que era capaz de conseguir fosse o que fosse se tentasse com todas as suas forças. Foi sempre uma pessoa de sucesso, conseguindo boas notas na escola e sendo excelente nos desportes. Tornou-se um vendedor bem sucedido e capaz de realizar ótimas vendas, apesar da bebida. Quando apareceu com uma hepatite alcoólica, o médico disse-lhe que tinha de deixar de beber. Com a ajuda de A.A. ele parou de beber e fez uma promessa séria de manter a sobriedade. “Agora sei que a bebida pode me matar, nunca mais hei de beber.”

Porém, Jack não sabia nada a respeito dos sintomas que acompanham a sobriedade e, por isso, não compreendeu o que estava a acontecer quando começou a ter reações exageradas em relação àquilo que se passava à sua volta. Começou a ficar tão tenso que, às vezes, mal podia trabalhar. A sua carteira de vendas estava pior do que quando bebia. Desesperado, bebeu. Sentiu-se muito culpado, ficou limpo de novo e resolveu que nunca mais voltaria a acontecer. A sua resolução era sincera, mas, depois de certo tempo, voltou a manifestar os mesmos sintomas ligados à sobriedade e, finalmente, bebeu novamente. À custa de força de vontade foi capaz de manter-se sóbrio durante um período, mas recaiu com tanta frequência que foi classificado como bêbado. Era, na realidade, um alcoólico com tendência para recaída que acreditava que a força de vontade o poderia manter sóbrio.

FALSA CRENÇA #8: “As pessoas que recaem não estão motivadas para a recuperação”.

FACTOS: Muitas pessoas com tendência para a recaída sentem-se motivadas para a recuperação. Querem manter-se sóbrias e continuar sóbrias. Tentam tudo o que sabem para encontrar uma forma confortável de sobriedade, mas nada parece dar resultado. Algumas não conseguem ficar sóbrias porque não sabem reconhecer os sinais de alerta de que vão recair. Outras reconhecem esses sinais, mas são impotentes para os controlar depois de eles se manifestarem. O fato de os adictos recomeçarem a usar ou beber não significa desde logo que não queiram manter-se sóbrios. O alcoolismo é uma doença, tal como o é o cancro ou a doença cardíaca. Quando um doente do coração tem o seu terceiro ataque cardíaco ou os doentes com cancro não têm recuperação não dizemos “Ora, não queriam mesmo ficar bons”. 

Quando o alcoólico bebe depois de um período de sobriedade não é justo dizer “Ele não estava motivo. Não queria manter-se bom”. Alguns alcoólicos com tendência para a recaída sofrem sintomas tão graves relacionados com a sobriedade que consideram o álcool ou a droga como única solução possível.

Andy, um alcoólico com tendência para a recaída, explicou o seu caso desta maneira: “Cheguei àquele ponto na sobriedade em que me sentia tão miserável que tinha apenas três escolhas: podia matar-me, podia enlouquecer ou podia beber. Nestas circunstâncias, beber parecia ser a alternativa mais sensata”. A motivação apenas, tal como a força de vontade, não é suficiente para produzir uma recuperação sustentada. É necessário um tratamento especializado para as pessoas com tendência para a recaída. Precisam encontrar outras opções para escolhas tais como morrer, enlouquecer ou beber/usar.

Não reconhecendo isto, as pessoas que recaem começarão a duvidar de seus próprios motivos. Uma parte da pessoa sabe que quer recuperar a sobriedade, mas outra parte começa a dizer “Se eu realmente ficar sóbrio, não tinha me embebedado. Não devo estar motivado. Não posso confiar na minha maneira de pensar”. Isto vai diminuir a auto-estima e o respeito pela pessoa. É um pensamento apenas de magia acreditar que querer uma coisa com muita força é o suficiente para que ela aconteça.

FALSA CRENÇA #9: “Quando as pessoas recaem isso significa que ainda não bateram no fundo do poço e precisam sofrer mais.”

FACTOS: Muitas pessoas com tendência para recair bateram no fundo do poço, mas a sua doença tinha-lhes dado uma pá para cavarem a sua própria sepultura. Na adicção, tal como em qualquer outra doença, torna-se necessária uma certa quantidade de sofrimento para reconhecermos que estamos doentes e que precisamos de tratamento.

Quando o sofrimento causado por beber se torna mais intenso do que o sofrimento causado por não beber, a maior parte das pessoas fica suficientemente motivada para parar; mas a decisão de parar não é o mesmo do que a decisão de não voltar a beber. O sofrimento que a sobriedade acarreta é para muita gente tão intenso que pode interferir com a capacidade de se manter sóbria. Sofrimento demais pode paralisar. O próprio sofrimento pode tornar uma pessoa disfuncional e incapaz de pensar ou de responder ao tratamento. Os alcoólicos com tendência para a recaída passam por um sofrimento tão intenso em consequência do seu alcoolismo que ficam paralisados pela dor. Esta dor que paralisa persiste na sobriedade e impede-os de ficar bem. A dor causada pelo alcoolismo e os sintomas que acompanham a sobriedade contribuem muitas vezes para o processo da recaída.

As pessoas que pensam ser necessário mais sofrimento castigam-se por não conseguirem manter-se sóbrias. Aceitarão também uma confrontação dura e uma terapia extremamente punitiva sem as pôr em questão por pensarem que as merecem. “Talvez se me castigar com mais força, não volte a acontecer”. Este aumento de sofrimento aumenta a probabilidade de uma futura recaída. Também destroi a auto-estima e o respeito por si próprio.

FALSA CRENÇA #10: “A única maneira de ficar sóbrio é deixar que os outros o ataquem e o ponham de rastos, de forma a desistir de todas as suas defesas.”

FACTOS: O fato é que, uma vez que a pessoa que sofre de adicção reconheceu a necessidade de ajuda, os ataques pessoais e a destruição das defesas irão aumentar o stress e fazer a auto-estima e o respeito por si mesma baixar. Isto reforçará a ideia errada de que o adicto é uma pessoa “má” que necessita de se tornar “boa” através do castigo, em vez de ser uma pessoa doente que precisa aprender as técnicas de recuperação.

Para que os adictos vejam a realidade de sua situação, torna-se necessário ser confrontados. Isto significa, simplesmente, apresentar as informações que a pessoa pode não querer observar. Não significa atacar o caráter da pessoa e deitar abaixo o respeito que tem por si mesma. Os alcoólicos com tendência para recaírem encontram-se muitas vezes sujeitos a grande sofrimento. Se permitirem que os ataquem e os deitem abaixo, isso aumentará o sofrimento. Estão desesperadamente agarrados às suas defesas pela vida, porque não têm outra forma de lidar com a realidade da situação. Atacar essas defesas cria altos níveis de stress. Muito stress cria confusão, reação emotiva exagerada ou entorpecimento das emoções, ou problemas de memória. Em consequência, uma confrontação dura torna frequentemente piores.

Os adictos com tendência para a recaída estão doentes e precisam ser tratados como tal. É necessário apresentar-lhes a realidade de sua condição e precisam muitas vezes de ser forçados a tomar decisões difíceis em relação à procura de tratamento. Entretanto, uma vez que se encontrem em tratamento, a confrontação deve ser usada com moderação. Deve ser substituída pela educação, resolução de problemas e apoio. O resultado será confrontarem-se a sim mesmos. Muitos alcoólicos com tendência para recair respondem muito bem a uma informação exata sobre a recaída e mostram-se desejosos de pôr à prova as técnicas do Plano de Prevenção da Recaída.

Como paciente, você tem direitos e responsabilidades pelo seu próprio tratamento e recuperação. Permitir que seja rebaixado e humilhado não é terapêutico. Diminui a sua auto-estima. Faz com que abandone a sua capacidade de julgar e que aceite sem pôr em causa, o que qualquer pessoa lhe diz. Deve lembrar-se que, como paciente que sofre de adicção, tem os mesmo direitos que os outros doentes. Tem o direito de fazer perguntas e de pedir uma segunda opinião. Estes direitos são postos de lado pela crença de que deve permitir ser emocionalmente tratado com dureza e rebaixado.

FALSA CRENÇA #11: “Se não mantiver a sobriedade é porque não cumpriu o programa de recuperação que lhe proporcionaram no tratamento, pois os métodos de tratamento atuais são cem por cento eficazes.”

FACTOS: O tratamento atualmente disponível para a dependência química é eficaz em 40 a 60 por cento dos casos. Isto significa que não são eficazes em 40 a 60 por cento dos casos. Os pacientes não podem ser acusados desta percentagem de insucesso.

Esta afirmação não pretende ser uma crítica em relação aos programas de tratamento ou aos A.A. O tratamento do alcoolismo está sempre a melhorar. É muito mais eficaz do que há cinquenta anos. Naquela altura, o tratamento, ao usar um modelo de saúde mental, era 98 por cento ineficaz. Hoje em dia, o tratamento é 40 a 60 por cento eficaz ao tratar o alcoolismo como doença; mas o fato é que muitos alcoólicos não conseguem se recuperar, mesmo depois de tentarem manter-se sóbrios utilizando os A.A., o aconselhamento profissional ou ambos.

Durante a nossa pesquisa, falamos com centenas de alcoólicos que trabalharam esforçadamente nos A.A. e no tratamento, e continuaram a ser incapazes de se manter em sobriedade. É importante lembrarmo-nos que há algumas pessoas mais doentes do que outras. Estas pessoas apresentam sintomas graves e incapacitantes quando tentam manter a sobriedade. Podem ter, simultaneamente, problemas de saúde ou doenças que os deixam num estado de sofrimento crônico. Podem ter problemas mentais ou emocionais graves, que interferem com a sobriedade. Precisam mais alguma coisa do que um tratamento primário (repetidas vezes) para provocar uma sobriedade duradoura.

Acreditar que o tratamento é cem por cento eficaz alimenta um sentimento de desespero e a crença de que nada o pode ajudar. Esta crença produz o “paciente profissional” que aprende a “mexer-se nos meandros” do tratamento que lhe é familiar, mas não procura outras formas de ajuda.

Caso você não tenha conseguido ficar sóbrio com o tratamento e com A.A., não perca a esperança. Arregace as mangas e tente novamente; porém, desta vez, procure um programa de tratamento ou um padrinho de A.A. que conheça o Plano de Prevenção da Recaída.

FALSA CRENÇA #12: “Aqueles que recaem constantemente não têm solução porque são “incapazes por constituição” de recuperação.”

FACTOS: Aqueles que recaem constantemente não são incapazes de recuperação. Apenas não aprenderam a forma de prevenir a recaída. Podem aprender e ficar melhor.

Sally, uma alcoólica com tendência para recair, falou dos seus progressos. “Eu pensava que não tinha solução. Fui desintoxicada mais de vinte vezes e completei três programas de reabilitação privados e quatro públicos. Acabei numa ‘Casa de Saída’* (*Halfway house, no original, semelhante a um Hospital Dia), quase morta, completamente desmoralizada e zangada comigo. Aí, ouvi uma conferência sobre os sinais de alerta de uma recaída. Foi como se alguém estivesse a contar a minha história. Esses sinais de aviso descreviam o que estava a se passar comigo. Fiquei interessada e comecei a ouvir e a aprender. Comecei a trabalhar no sentido de identificar os meus sinais e de estabelecer planos para lidar com eles. Não foi fácil, mas o plano de prevenção da recaída deu-me coisas concretas e sólidas sobre as quais trabalhar. Mantive-me sóbria durante oito meses, um período mais longo do que em todos os anos anteriores. Quando voltei a beber fiquei humilhada, mas voltei para a ‘Casa de Saída’. Não me deixaram ter pena de mim mesma. Não me acusaram. Disseram apenas: ‘É uma doença muito forte. Vamos estabilizá-la e ver o que podemos fazer diferente desta vez’. Neste momento, estou sóbria há mais tempo do que alguma vez tinha estado antes. Acredito que posso ficar bem.”

É verdade que há pessoas que não podem ficar bem com os conhecimentos e as técnicas que possuem. Não aprenderam a interromper velhos padrões de comportamento e a fazer coisas diferentes. Não aprenderam que a recaída é um processo que pode ser mudado. Não aprenderam nada sobre os sintomas que acompanham a sobriedade e sobre o que fazer para lidar com eles. Não aprenderam a reconhecer quando é que estão a se afastar da esperança de alguma vez ficarem bem.

A consequência de se acreditar que não se pode ficar bem é o desespero. Sem esperança não existe motivação para tentar de novo e fica-se condenado a uma vida de desespero.

FALSA CRENÇA #13: “Pensar na recaída provoca-a.”

FACTOS: Ignorar a possibilidade de recaída torna maior a probabilidade de ela surgir. Aqueles que reconhecem essa possibilidade e pensam na forma como ela poderá ocorrer, podem agir e preveni-la.

John deu a seguinte explicação: “Quando comecei com os AA disseram-me para me agarrar aos vencedores. Por isso, comecei a andar com as pessoas que falavam de serenidade. Evitei as pessoas que falavam do medo de se embebedarem e de experiências em que escaparam por uma unha negra. O único problema foi que os ‘vencedores’, aos quais eu me agarrava, não estavam vigilantes em relação aos sinais de alerta da recaída e não tinham qualquer plano para lidar com eles. Como resultado, quando surgiram problemas com a sobriedade não conseguiram fazer-lhes frente. Agora compreendo que os vencedores são os que reconhecem que qualquer alcoólico pode recair e que, portanto, tomam as suas precauções para evitar.”

Charlie Brown disse uma vez: “Nenhum problema é tão grande ou tão complicado que não se possa fugir dele.” Infelizmente, isso não é verdade. O problema da recaída tem de ser enfrentado. Não há forma de lhe fugir. A “nossa pessoa” nunca nos larga. Felizmente, há centenas de conselheiros profissionais, médicos e enfermeiras que se dedicam ao problema da recaída.

A ideia de que pensar a respeito da recaída irá provocá-la, cria áreas de “pensamentos proibidos.” Você acredita que não pode permitir-se pensar sobre a possibilidade da recaída, porque pensar sobre ela irá provocá-la. Como consequência, não atua de forma a preveni-la. Se não fizer nada para resolver o problema, ele torna-se pior. Se não fizer nada para evitar, corre um grande risco de recaída. Ela não desaparece por si própria. A recaída desenvolve-se na escuridão da ignorância e morre à luz de um pensamento claro e exato.

FALSA CRENÇA #14: “Há ‘adicções positivas’ que podem substituir as adicções negativas a fim de proporcionarem uma sobriedade confortável e com sentido.”

FACTOS: Todas as adicções são negativas. Por definição, ser adicto significa entregar-se a qualquer coisa de forma obsessiva. A adicção é, pela sua própria natureza, uma condição caracterizada pela compulsão e obsessão.

Até mesmo certos comportamentos que podem ser bons para si quando usados apropriadamente, são prejudiciais se usados compulsiva ou obsessivamente.

Algumas adicções são menos destrutivas do que outras. A adicção à cafeína é menos destrutiva do que a adicção ao álcool, mas ambas são prejudiciais. A adicção à cafeína não se torna positiva apenas pelo fato de ser menos prejudicial do que algumas outras adicções.

As adicções de substituição continuam a ser adicções. Criam um prazer de curta duração à custa de um sofrimento a longo prazo. Produzem sintomas de privação quando o químico ou comportamento adictivo desaparece. Produzem obsessão e compulsão quanto ao uso.

As adicções de substituição podem ser o exercício, os A.A., a igreja, o trabalho, o sexo, a dieta, a realização ou o risco. Todas estas coisas podem constituir experiências positivas que poderão apoiar e beneficiar a sobriedade; mas se forem feitas de forma obsessiva e compulsiva, de tal maneira que o fizerem descuidar de outros aspectos importantes de sua vida, serão adicções; e não serão positivas. Embora certas adicções sejam mais destrutivas do que outras, mudar a natureza da adicção não resolve o problema. Troca-se um conjunto de problemas por outro. Uma pessoa que é obrigada a correr três horas por dia para fugir a sentimentos e problemas, continua a ter um estilo de vida centrado na adicção. A compulsão e a obsessão de correr criarão outros problemas e a vida adictiva continua. O objetivo de uma pessoa em recuperação deveria ser viver livre da adicção; uma vida equilibrada para uma recuperação estável.

FALSA CRENÇA #15: “Qualquer ocorrência de uso adictivo resultará numa perda imediata e total de controle para quem quer que tenha sido adicto.”

FACTOS: Para algumas das pessoas que começam a usar/beber de forma adictiva, a perda de controle é imediata e grave. Desde a primeira ocorrência perdem o controle sobre os seus pensamentos, emoções, memória, discernimento e comportamento. Se, no passado, você perdeu imediatamente o controle quando começou a beber, faz provavelmente parte dessas pessoas e pode bastar apenas mais uma ocorrência para se sujeitar a consequências graves.

No entanto, para muitos alcoólicos o processo da perda de controle é muitíssimo insidioso e sutil. Como diz o “Livro Azul” dos Alcoólicos Anônimos, “O álcool é astucioso, desorientador e poderoso”. Isto aplica-se a todas as adicções. O padrão de recaída típico não começa com uma bebida que põe imediatamente a pessoa fora de controle. A perda de controle surge gradualmente, a partir de uma série de “experiências de controle”.

Vamos contar-lhe a história de Sam. O conselheiro de Sam disse-lhe que se ele tomasse um copo perderia o controle e se afundaria. Um dia ao voltar para casa, de uma sessão de aconselhamento, e ao passar por um bar, pensou que não acreditava que não pudesse manter o controle da bebida. “Dantes, nunca me descontrolei imediatamente. Por que é que isso havia de me acontecer agora? Acredito mesmo que posso tomar um copo e parar”.

Alguns dias depois foi ao seu bar preferido e pensou para consigo que ia entrar. Pediu uma cerveja. “Uma cerveja não me pode fazer mal” – disse ele. Sentou-se e devagar e com cuidado bebeu a cerveja em pequenos goles, ao longo de vinte minutos, deixando uns dedos no fundo do copo. Ao sair do bar disse: “Isto prova que posso tomar uma bebida e parar. O sentimento de autocontrole aumentou e a confiança em si mesmo subiu. Voltou para casa sem beber mais. Mas a obsessão reviveu. Ficou a pensar naquela única bebida. Pensava em como seria bom voltar a beber. Tornou-se obcecado em provar que podia controlar-se. 

Cerca de uma semana depois, disse para consigo que já tinha bebido um copo e parado e que apostava que podia parar mais uma vez. Foi ao bar, pediu uma cerveja, bebericou-a durante vinte minutos, deixando dois dedos no fundo do copo e saiu duplamente convencido de que o seu conselheiro lhe tinha dado um mau conselho. Ao voltar para casa disse: “O meu conselheiro não sabe o que fala. É óbvio que posso tomar uma única bebida e parar”.

Começou a tomar uma bebida por dia, até provar a si mesmo que podia realmente tomar uma bebida e parar. Depois, começou a tomar duas bebidas e ao fim de um mês estava bêbado outra vez. Sentiu-se culpado e tentou controlar-se. Conseguiu isso durante mais um mês; depois se embebedou outra vez. Nessa altura começou a beber descontroladamente. 

Este modelo de perda de controle é típico. Certas pessoas podem se controlar por períodos maiores do que outras, mas não se sentem bem durante esses períodos. Estão constantemente a combater sua obsessão, a sua compulsão e a sua tendência para se excederem. Ao fazerem experiências começam a beber cada vez mais e mais, até se encontrarem novamente de volta aos padrões de uso destrutivo e adictivo do passado.

Caso você acredite que apenas uma bebida terá como consequência a perda de controle para um alcoólico, uma de duas coisas pode acontecer se você tomar um copo. Dirá para consigo: “Bem, agora que já tomei um copo posso continuar a beber. O mal está feito; já não posso parar”. E não tomará qualquer providência para interromper a situação de recaída enquanto ainda está controlado e antes que alguma coisa grave aconteça. A sua crença torna-se numa profecia, que se demonstra em si próprio. Dirá para consigo: “Bem, tomei um copo e não perdi o controle, por isso não devo ser um alcoólico; se posso me controlar, não preciso parar”. E a seguir, antes de ter tempo de tomar consciência do que aconteceu, o álcool, “astucioso, desorientador e poderoso”, impõe-se, e você está em dificuldades.

FALSA CRENÇA #16: “Uma vez que tenha recomeçado a beber, a usar, é impossível interromper a recaída antes de ter ‘batido no fundo’ outra vez.”

FACTOS: A realidade acerca do uso adictivo numa pessoa que alguma vez foi adicta é a seguinte: uma vez que tenha bebido/usado de forma adictiva, nunca mais pode ter a certeza do que vai acontecer. É esta a natureza da falta de controle. Desde que os adictos comecem a usar, as suas vidas correm perigo.

A bebida ou o uso controlado não são possíveis numa pessoa que anteriormente foi adicta; e tomar uma bebida é sempre uma ameaça para a vida. Mas usar de forma adictiva em certa ocasião não significa que você está condenado a usar até destruir totalmente a sua vida. Muitos alcoólicos programam-se, inadvertidamente, a si mesmos no sentido de uma recaída destrutiva. Continuam a beber porque se convenceram que não há maneira de parar depois de terem começado. Continuam a beber até ocorrer um dano grave – talvez a morte. 

Uma posição muito mais saudável em caso de recaída é a de tomar consciência de que se alguma vez voltar a usar adictivamente, terá momentos periódicos de lucidez. Estes momentos de são períodos breves, fugidios, em que readquire o controle do seu pensamento, das suas emoções, da sua memória, do seu comportamento e discernimento. É capaz de se aperceber do que está a acontecer e tem alguns momentos durante os quais poderá agir de forma positiva. Não será capaz, entretanto, de parar por si mesmo. Precisará de ajuda. Agir não significa “decidir na sua cabeça”. A sua cabeça está afetada pela dependência química. Tem de procurar ajuda. Existe sempre uma opção diferente de suicidar-se, ficar doido ou usar de forma adictiva. Existe a opção de procurar tratamento ou outra ajuda. 

Muitas pessoas em recuperação pensam que é melhor ficar morrer do que ficar bêbado. Acreditam nisto tão firmemente que, se recomeçarem a beber/usar, não vêem outra saída senão beber ou morrer. E muitas escolhem realmente o suicídio. A taxa de suicídio entre os alcoólicos sóbrios é mais alta do que entre a população em geral. Optam por morrer, de preferência a beber ou usar. Que triste que é não terem consciência de que existem alternativas.

Lembre-se que uma vez que comece a usar de forma adictiva, nunca mais pode ter certeza do que vai acontecer. A proporção é de noventa e nove por cento contra uma, de conseguir beber moderadamente e com segurança. Caso realmente comece a usar de forma adictiva em consequência do seu pouco discernimento e da sua falta de controle, passará periodicamente por momentos de lucidez. É uma responsabilidade que tem para consigo e para com aqueles que ama procurar ajuda para interromper a recaída, durante esses momentos de lucidez.

FALSA CRENÇA #17: “Uma recuperação bem sucedida exige uma abstinência contínua, desde o momento em que iniciamos o nosso compromisso de nos mantermos sóbrios.”

FACTOS: A maior parte dos alcoólicos é incapaz de manter uma abstinência permanente na primeira vez que tenta. Uma vez convencidos de que são doentes, os alcoólicos, precisam às vezes recair para aprenderem a ficar sóbrios.

Esta informação não se destina a autorizá-lo a recair periodicamente. Como já dissemos, uma vez que tenha recomeçado a usar de forma adictiva, nunca mais pode ter certeza do que lhe vai acontecer. Pode morrer no meio da próxima bebedeira. É, simplesmente, para confrontá-lo com a realidade de que, se a recaída ocorrer realmente, será a sua resposta que irá, em última análise, determinar se vai se recuperar novamente ou morrer de sua adicção.

Uma vez que os adictos tenham caído no deslize inicial, podem faze uma de duas coisas. Podem interrompê-lo, procurando ajuda para voltar à abstinência e aprendendo através da experiência a manterem-se sóbrios no futuro. Ou, podem convencer-se de que não existe solução e continuar a usar/beber forma destrutiva até que a perda de controle desabrocha numa recaída destrutiva total. Caso pensem que não têm solução ou que falharam completamente pelo fato de terem tido um deslize, desistem e não continuam os esforços para se recuperarem até serem capazes de atingir uma sobriedade contínua.

O Plano de Prevenção da Recaída envolve aprender uma forma de desenvolver um plano de intervenção precoce, que lhe permitirá parar um deslize inicial antes que ele se torne uma recaída destrutiva plenamente desenvolvida. Desta forma, muitas pessoas também aprendem lições valiosas a respeito do que as empurrou para o uso adictivo. Identificam os erros e as fraquezas do seu programa de recuperação e, como consequência, aperfeiçoam-se. Há sempre esperança, se estiver disposto a voltar para o seu grupo de mútua-ajuda e para um tratamento profissional a fim de avaliar o que correu mal. Quanto maior for o nível de autocrítica e de autopunição, maiores probabilidades terão os adictos (alcoólicos) de continuar na recaída até provocarem graves danos a si mesmos. É muito mais produtivo se reconhecer na sua recaída aquilo que ela é. Um sintoma de adicção (da doença). Uma recaída é indicação de que de uma forma ou de outra você falhou na gestão eficaz da sua recuperação (aquilo que tentou anteriormente não deu resultado). Há mais trabalho a fazer. Quanto mais cedo interromper a recaída, voltando novamente ao tratamento, melhor se sentirá.

Caso seja descontrolado quando começa a usar ou beber, terá necessidade da ajuda de outras pessoas para parar longo no princípio. A esta ajuda chamamos de intervenção. A intervenção consiste simplesmente no processo de ajudar alguém que se encontra descontrolado, e que resiste à ajuda de que precisa. Treinando outras pessoas com quem convive a intervir no caso de voltar ao uso adictivo, pode interromper a sua recaída e voltar ao tratamento. A altura de montar esse Plano de Intervenção é numa fase precoce da recuperação.

As falsas crenças a respeito da recaída podem causar-lhe problemas por mais sincera que seja a sua crença. O fato é que pode optar por mudar as suas crenças erradas e, quando o fizer, alterará as consequências dessas crenças. 

Terence Gorski e Merlene Miller

1999

Este trabalho foi escrito por:

Por: 

Terence T. Gorski – Psicólogo e Sociólogo pela Northeastern Illinois University, com mestrado em Relações Humanas pela Webster University, de Saint Louis, Missouri. Possui Certificado Nacional na área de adiccção.

E

Merlene Miller – Diretora do programa de Estudos sobre Adiccção do Graceland College, em Independence, Missouri. Desenvolve programas e materiais educativos para Centros de Tratamento do Alcoolismo e da dependência de Drogas.

FALSAS CRENÇAS SOBRE A RECAÍDA (Gorski e Miller) – 1999 – publicado pela Associação de Tratamento das Toxicodependências. – Sintra – Portugal.

Extraído de e-mail - AABR


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